Becodalamenses no Bar de Nazareth.
Por Alex de Souza
“Aqui vale tudo, vale declarar voto - se quiser pode até anunciar no megafone, vale propaganda, vale boca de urna, boca de fumo, vale tudo!" Calma, não precisa chamar a Justiça Eleitoral nem a Polícia Militar. É só o poeta Plínio Sanderson, presidente da comissão eleitoral, explicando como funciona a democracia na Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (Samba). A eleição para a diretoria da associação de boêmios mais pitoresca da cidade movimentou a tarde de sábado no Cento de Natal.
A urna foi liberada às 11h, sob um sol de rachar, na esquina das ruas Coronel Cascudo e Doutor José Ivo, em frente ao bar Quatro Cantos. Inscritos no "livro marrom" do Beco, 322 figuras estavam aptas a exercer o direito etílico de escolher a nova diretoria.
Mas, convenhamos, ninguém acreditava que o Beco tivesse tanto freqüentador assim. O "livro marrom", com a lista dos votantes, era uma esculhambação - mas de respeito. Cada página vinha com o nome do votante, ou o número da carteira de identidade, ou um apelido, ou só o número telefônico. Para evitar a presença de fantasmas, cada chapa tinha um fiscal, com uma cópia dos votantes, e cada voto era marcado nas duas cópias. Daí, não era de se estranhar se demorasse um pouco para localizar o nome de alguém.
Quem chegava, fazia sua fezinha num dos candidatos, o jornalista Alex Gurgel e o professor Ubiratan Lemos, o "Professor Bira", e ia engrossar a boca de urna no Bar de Nazaré, na expectativa da apuração dos votos, programada para as 17h30, no Bardallos.
Nas pesquisas de mesa em mesa, uma coisa era certa: mais do que 100 votantes e o resultado seria uma incógnita. Menos que isso, dava Professor Bira. O candidato Alex Gurgel, já pressentindo o pior, reclamava da 'politização' do pleito. "O 'PCdoBeco' e o PT vieram votar em peso, o que vai pesar na hora do resultado", declarou.
E foi dito e feito. Às 17h, a urna foi fechada, para tristeza do professor Giancarlo Vieira e do sebista Harrison Gurgel, que chegaram com dois minutos de atraso. A comissão eleitoral conferiu o número de eleitores que compareceram e pediu a conta, ao som de Lapada na Rachada. Deu R$ 29: seis cervejas, um prato de macaxeira com carne-de-sol ("e dois camarões de brinde", acrescentou o fiscal Robério 'o Coisa'), um refrigerante e um burrinho de cana. "Assim queria ver faltar mesário. Fica a sugestão para o TRE", declarou Plínio Sanderson.
A festa se transferiu para o Bardallos, para tristeza de Dona Nazaré. Lá, o primeiro aviso foi proferido pelo megafone: "Faltam cinco minutos para a abertura da urna, favor trazer uma cerveja para a mesa de apuração." Quando a apuração chegou à metade, todo mundo já sabia que o Professor Bira tinha levado.
O que ficou difícil foi saber o número exato de votantes. A primeira contagem de 100; a segunda, 99; teve uma até que findou em 98; e, por fim, confirmaram 100 votos. Eleição de boêmio...
No final, o agradecimento dos candidatos, o discurso do eleito e a despedida de Eduardo Alexandre, o Dunga, da presidência da Samba. Ainda teve um gaiato que gritou: "Ele tá bêbado." Mas o professor Eugênio Soares rebateu de pronto: "Quem não tá bêbado tá com inveja!" Ah, ia esquecendo: o resultado oficial. Professor Bira levou 72 votos, Alex Gurgel teve 26 votos e dois malucos conseguiram a façanha de anular o voto.
Dando vida ao Centro
A Samba vem desenvolvendo um trabalho de resgate do Centro Histórico de Natal desde que foi fundada. De uma pequena agremiação de boêmios criada meio que na galhofa, a Sociedade ganhou destaque nos últimos dois anos, sob a presidência do poeta Eduardo Alexandre, com o desenvolvimento de atividades como a Lavagem do Beco, que mobilizou artistas e intelectuais para a importância do local, o Carna-beco, uma aposta na folia tradicional, e o Prato-do-mundo, o festival gastronômico com iguarias dos botecos da região.
O presidente eleito, Professor Bira, pretende dar continuidade a esses projetos. E quer também aumentar a mobilização dos artistas que freqüentam o espaço. "Queremos reforçar o compromisso com o resgate e conservação do Centro Histórico e abrir espaço para movimentos culturais alternativos e demais movimentos sociais", declarou. Um proposta de Bira é o "Dê uma hora ao Beco", projeto que visa ajudar as crianças de rua que freqüentam o Centro da Cidade. "É muito bom a gente se divertir, mas não custa nada tirar só uma hora do dia para ajudar", explica.
Matéria publicada no Correio da Tarde, em 02/05/2006.
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