18 de maio de 2006

Elomar, O menestrel da Caatinga

Elomar fazendo um concerto em Natal.


Texto: Gilmar Leite
Foto: Alexandro Gurgel
Poema: Elomar


Elomar Figueira Mello é um cantador do povo, um menestrel do sertão, um poeta da caatinga, um bardo medieval, um instrumentista virtuoso, um chiqueirador de bodes, um tangedor de gado, um fazedor de cercas e um contador de histórias. O vate da caatinga é o cronista de um povo humilde e pobre que vive escondido e esquecido nos rincões do sertão nordestino. Arquiteto por formação e criador de bodes por opção, o poeta cantador resolveu transformar em lendas as tantas e tantas histórias que ouviu na casa dos mais velhos, durante a infância, às margens do "Rio do Gavião", em Vitória da Conquista, Sul da Bahia.

Avesso ao mundo dos urbanos, principalmente das metrópoles, Elomar se afastou da suposta civilização pra viver na caatinga ao lado dos animais e do sertanejo humilde, tornando-se um cronista do seu povo, cantando através da sua singular música os fatos e acontecimentos da terra em que nasceu e se criou A criação poética, ambientada no sertão mítico e místico, tem raízes ibéricas, barrocas, medievais, clássicas e orientais; todas moldadas por um violão virtuosíssimo e cantadas por uma linda voz que soa como o som de um fagote.

A sofisticação da sua obra reveste-se de uma beleza poética/musical, que engrandece e universaliza o telurismo do sertão nordestino; lugar repleto de adversidades naturais e de manifestações humana.

O cantador do sertão, usando o domínio técnico da música erudita, recria a tradição popular. Enquanto muitos compositores clássicos, que vão de Bach a Villa-Lobos, passando por Ravel e Mozart buscaram a fonte do folclore pra alimentar sua criação erudita, Elomar faz o caminho inverso: ele inunda com sua cultura musical e poética o mundo de sua gente.

A obra do bardo menestrel se afigura com um imenso vórtice de criação, com obras que remontam à sua juventude, trechos de óperas que ficaram inacabadas e que hoje grande parte já está concluída, canções populares, louvações, longos lamentos, concerto para violão, orquestra e coral.

O Sertão como elemento principal da sua poética é mostrado desde as canções até as óperas e sinfonias como um mundo místico e mítico. Nele o poeta cantador relata os dramas seculares das secas, como o êxodo, a fome e a miséria; fala das tragédias de casamentos não realizados, das festas, das donzelas sertanejas, dos desafios de poetas repentistas, do vaqueiro, da maneira dialetal do povo falar e da relação do homem com a terra e com Deus. Na sua obra magnífica o cantador transcende o medieval, quando mergulha na idade média, nos trazendo todo o universo da cavalaria, com seus cavaleiros, menestréis, reis, rainhas, príncipes e princesas. Mas é no sertão que Elomar torna a sua obra mais fincada na raiz da nossa identidade cultural. Nos seus cantos sempre há uma súplica do cantador pra que o caatingueiro não deixe a terra; mesmo nas condições mais adversas. O poeta afirma que a chuva um dia voltará e tudo renascerá; mas a saída do homem sertanejo, Elomar vê o não retorno, ou quando retorna, volta com outro corpo de valores culturais, influenciado pelo mundo dos urbanos, perdendo assim a sua alma caatingueira.

Embora a sua obra mostre através do épico as tragédias do universo sertanejo, onde a morte e as desventuras fazem parte do cotidiano, ela tem um compromisso profundo com a vida, e nos enche de um sentimento telúrico profundo, nos tornando mais humano e preparados para vida.

Apesar de ter um público fiel e crescente, Elomar ainda é rotulado por grande parte dos urbanoides, ou alguns "nordestinos", como radical e regionalista de maneira pejorativa, cheia de descriminação. Mas enquanto essas pessoas e grande parte da mídia o tratam com indiferença, o velho menestrel da caatinga mergulha cada vez mais na raiz profunda do seu povo e universaliza a sua aldeia através de um belo canto cósmico sobre o Homem, a Terra e Deus.


Na Quadrada das Águas Perdidas

Da Carantonha mil légua a caminhá
muito mais, inda mais, muito mais
da Vaca Seca, Sete Varge indo pr'á lá
muito mais, inda mais, muito mais
Dispois dos derradêro cantão do sertão
lá na guadrada das águas perdida
Réis, Mãe- Senhora, beleza isquicida
bens, a lagoa arriscosa função
O Câindo chiquera as cobras mais cedo
aparta os cabritos mi cura Segredo
chincha Lubião, esse bode malvado,
travanca o chiquerô, ti avia a cuidar
Alas qui as polda di Sheda rincharo ao luá
na madrugada suadas de medo pr'a lá
Runcas levando acesas candeia inlusão
da Carantonha mili légua a caminhá
mil badaronha tem aqui tê pr'a chegá lá
Sete jinela sete sala um casarão
Laço dos Moura, Varge dos trumento
Velhos Domingos, Casa dos Sarmentos
Moça, sinhoras, Mitriosa função
Dá pressa in Guilora a ingomã nossos terno
Albarda as jumenta cum as capa de inverno
cuida as ferramenta num dêxa ela vê
Si não pode ela num anuí nois í
Onte pr os norte de Mina o relampo raiô
Mucadim a mãe do ri as águas já tomo
Anda muntemo o mondengo pra nois í prá lá.

Glossário
alas qui: acontece que consta que
as poldas: éguas ainda jovem
Sheda: nome próprio, o dono das poldas
runca: senhoras festeiras
badaronha: maneirices, artifícios
albarda: arreia os jumento (de albarda)
anuí: do verbo anuir, consetir
mucadim: pode acontecer que
a mãe do ri: mãe do Rio, o jeito mais fundo
motemo o modengo: tomemos iniciativa

2 comentários:

Marco Aurélio disse...

Alexandro

Tenho um amigo que fez um post sobre o Elomar. Acho que você vai gostar. Está no:

http://mancheia.blogspot.com/2006/03/quem-tem-viola-no-carece-de-transporte.html

Um abraço

Marco Aurélio

Em-conexão disse...

Olá tudo bem. Muito interessante essa divagação sobre Elomar. No meu blog eu postei um artigo sobre a música a Saga da Amazônia, desse cantador, mestre em ruralismo brasileiro, Elomar. Desde já, vou acompanhar esse blog. Vale a pena!

Tenho um blog, chamado "Casa do Juliano Sanches". Trata-se de um espaço de reflexão sobre temas como qualidade de vida, natureza, ecologia, espiritualidade universalista, viagens, lugares do Brasil,
experiências místicas, músicas de diferentes estilos, ruralismo,
jornalismo, psicologia, peças de teatro, livros, autoconhecimento,
autoajuda, autoafirmação, resistência cultural, vida em harmonia,
paz, estudos, observações diárias, geração de visibilidade para as
pessoas mais excluídas, culturas do povo e folclore. Comecei a fazer algumas experiências de coleta de informações. Durante os finais de semana, eu dedico uma parte do tempo à observação e ao acompanhamento dos coletores de lixo de Campinas. Já fiz amizade com alguns deles. Com as experiências, eu iniciei uma reflexão sobre a falta de visibilidade dos trabalhadores braçais. No blog Casa do Juliano Sanches (http://casadojulianosanches.blogspot.com/), eu também dediquei um espaço ao tema. O meu objetivo é verificar como são as relações sociais entre coletores de lixo e a população que anda pelas ruas de Campinas. Fiz algumas comparações entre carroceiros, profissionais de limpeza de banheiro, garis e margaridas. Pude perceber que são pessoas receptivas. Apesar de vivenciarem uma situação de anonimato, produzida pelos dispositivos da sociedade, eles aindam conseguem, mesmo que minimamente, manifestar suas visões a respeito das condições de sobrevivência nas cidades industrializadas. Fiz algumas fotos de dois dos garis que acompanhei. As imagens dos rostos deles fazem uma representação evidente das dificuldades vivenciadas pelas ruas, principalmente o cansaço e o abandono da sociedade.
O meu foco é descobrir como as circunstâncias de anonimato que eles vivem são produzidas socialmente e até que ponto eles são conscientes disso. Os profissionais de rua, como o coletor de lixo, o carroceiro e o engraxate, são inferiorizados e isolados pela maior parte da população. São semelhantes aos operários de chão de fábrica. As ruas e as fábricas oferecem condições desumanas de trabalho. Ruas quentes, frias, chuvosas, com uma diversidade de barulhos e poluições.

Nessa semana, fiz uma comparação entre a vida humana e a natureza no meu blog. Citei o bambuzal, como símbolo de resistência, inclusive. Dê uma olhada.

Visite minha Casa, quando puder.

O endereço é:

(http://casadojulianosanches.blogspot.com/).

Um grande abraço.