por Cefas Carvalho
Acordou com o barulho histérico do rádio-relógio e com custo limpou com os dedos as remelas dos olhos ainda embaçados. Espreguiçou-se, arrastou-se até o banheiro e tomou um banho frio, como se costume. Foi quando acordou para o dia e se lembrou que era 12 de junho, Dia dos Namorados. Havia terminado o casamento com Julia havia quatro meses e temia entrar em depressão naquela data, tão banal, mas ao medsmo tempo, tão significativa. Mesmo casado com Julia sempre comprara ao longo dos oito anos de enlace presentes no Dia dos Namorados. Com a determinação tola dos ressentidos havia jurado que não passaria o Dia dos Namorados sozinho. Decidiu comprar um presente, mesmo sem ter namorada a quem da-lo. Foi ao Midway Mall, rodou as lojas, olhou vitrines, paquerou uma ou duas vendedoras mas não achou nada que pudesse dar para a namorada virtual. Por fim, ancorou-se à praça de alimentação para beber alguns chopes. Com a mente mais iluminada pela cevada e pelo álcool decidiu comprar qualquer coisa. Entrou na Docelância e comprou uma caixa de chocolates e bombons das mais sofisticadas. Mandou embrulhar para presente, é claro. Com o embrulho em uma sacola decidiu procurar alguem a quem dar o presente. Ligou para algumas mulheres com quem havia saído após o fim do casamento. Uma tinha arrumado um namorado, outra estava noiva, uma terceira sofria de enxaqueca. Lembrou de algumas paqueras com quem tinha trocado olhares e telefones nos últimos dias. Uma iria trabalhar a noite inteira, outra não lembrava quem eu era, e por aí a coisa foi. Recorreu às amigas. Igualmente inútil. Quase todas tinham namorados ou pretendentes a namorados e jamais despediçariam uma data daquelas. Comecou a se irritar. Queria dar aquele presente a alguem. Desesperado, fez o que não deveria. Ligou para Julia. Seria ela a receber o presente, interpretasse ela como ironia ou resquícios de paixão. Celular desligado. Pegou o carro e foi para Ponta Negra. Escondeu-se em um barzinho á beira da praia, tomou cinco chopes e, insatisfeito consigo mesmo e com a vida, entrou no carro a esmo. De avenida em avenida terminou na Bernardo Vieira, no trecho onde meninas e mulheres fazem programa. Do carro, observou uma delas parada tristemente em poste, escorada como se impedindo que ele fosse cair. Não era bonita, talvez razoavelmente gostosa, embora mal vestida e visivelmente suja. Talvez estivesse ali o dia inteiro, pensou. Estacionou em frente a ela, que, mecanicamente aproximou-se do carro. Vamos fazer um esquema, falou, fingindo um sorriso. Não sei..., respondeu, aturdido. Simpatizara com ela, não sabia porque. Vamos lá, meu bem, é só dez reais..., continuou. Não, obrigado... respondeu ele. Quando ela se preparava para resmungar um palavrão e sair de perto do veículo, ele perguntou: Sabia que hoje é dia dos namorados? E daí?, perguntou ela, desdenhosamente. Bem, eu não tenho namorada..., completou. Nem eu, respondeu ela, concluindo que aquele homem era totalmente louco. Escute, tome um presente para você, disparou ele, pergando o embrulho com os chocolates e dando a ela. Desconfiada, perguntou que sacanagem era aquela. Nenhuma, respondeu. Apenas abra. Ela abriu o embrulho, a caixa e segurou os chocolates como quem seguraria um diamante. Qual é seu nome?, perguntou ele. Francine, ela respondeu. Obrigado por aceitar o presente, Francine, ele disse. Por fim ela balbuciou um obrigado. Ele então ligou o carro e foi para casa disposto a dormir o sono dos justos. Olhou o relógio, já passava de meia noite, era 13 de junho. Dia dos namorados só no próximo ano, pensou, com uma paz de espírito que havia muito não sentia.
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