5 de setembro de 2006

Dos poros e das esferas do poema

Por: Luiz Alberto Machado
Foto: Karl Leite


Era noite quando o poema “Decifração” surgiu por indicação de Tchello d´Barros ao me apresentar o trabalho de :

“antes que de mim nada mais reste, / traga-me de volta o que ainda sinto: uma vontade latejando você; / arfares do nosso último momento; / balbucios à luz da meia-luz; / urgências nos desconexos dizeres; / calmas nos sentires, nos tocares / e os risos de nós dois.

“traga-me ou, melhor, trague-me, / aspire-me, transpire-me, / é só o que te peço: / una-me àquele quando seu, / muito? É muito que te peço? / ah, é tão pouco ao tanto quanto sinto... /

“rendi-me à relembrança inda recente, / ornamentos que perduram como a palavra / sempre.
“abafadiços do frescor de ainda ontem.../ queimando-me por dentro, / uivando ao desespero, / estou a um passo do que posso... / opresso, ao preço que mereço.../ mande-me de volta e com urgência. / encontre-me por aí. / um rastro, que seja, do que eu fui: / baixo-relevo à tua pele esculpido. / enlevo que a latência sonha ser. / implosão que desconheço até quando...

“jângal pelo externo, / oásis-me o deserto interior...

“delinqüe-me / esboroa-me / seja-me / perpetue-me no sequir de cada instante, / e antes da florida do cipreste, / traga a primavera dos amantes / a par do vento leve que me deste, / lua e sol de mim, tal como antes, / antes que de mim nada mais reste”.

Na verdade eu já conhecia Antoniel Campos das listas e fóruns de discussão na rede e, maravilhado com o acróstico excepcional, fiquei conhecendo o Tunico, o autor pessoalmente, numa daquelas conversadas regadas com muita poesia, música, nomes de mulheres, vida, exaltação e cerveja. Uma noite onde eu, o Tchello d´Barros e o Antoniel Campos nos tornamos os três cavaleiros do apocalipse onírico, tão peculiar aos entusiastas das sinfonias de bar.

Realmente, falamos de tudo um pouco e muito mais. Conversamos, ligamos, recitamos, elogiamos e arreamos a lenha, bebericamos e, quando não tinha mais nada por fazer, enaltecemos as musas, todas as musas.

Foi nessa hora que tomei conhecimento que o Antoniel Campos era potiguar de Pau dos Ferros, por formação engenheiro civil e por vocação poeta feito. Ele publicou em 1998 seu primeiro livro, “Crepes & Cendais”. Em seguida, em 2002, pela Sebo Vermelho, o seu segundo livro “De cada poro um poema”, livro onde está o poema “Decifração”.

Este seu segundo livro tem apresentação de Alexandre Magnus Abrantes de Albuquerque, que assim se expressa sobre a obra:

“Abrem-se os poros para que a vida entre. Abrem-se igualmente para que a poesia encontre o mundo. O título do maduro livro de Antoniel Campos já traduz o enlace entre vida e arte. Permeando entre elas, o poeta, num perfeito compasso, constrói o eu-universo, em que revela-se consciente de ser parte, de constituir uma metade repleta, em busca da outra, em torno do outro. A engenharia de versos é alicerçada no equilíbrio tempo-espaço, mas é descuido concluir que a matéria se encontra num eixo cartesiano. (...) Pela escritura dos poros, o perfume das flores baudelairianas extrai a essência dos contrastes, na eterna busca de decifrar enigmas. A esfinge é mirada nas entrelinhas, criando o artista o próprio labirinto de interrogações, expondo a dor de indagar sem que as respostas possam delinear-se. (...) A esfinge da escritura contínua ofertando os seus enigmas, enquanto o mundo se devora. Nos poros a vida aflora, brotando de cada poro um poema”.

Não menos acertadamente como este texto de apresentação, é o prefácio escrito pelo poeta angolano residente em Portugal, José Felix, que também se manifesta assim:

“(...) Avesso a classificações acadêmicas, no entanto, julgo poder afirmar o poeta no pré-modernismo, não se prendendo, contudo, às fivelas de qualquer atitude literária passadista, antes sim, transpondo para a actualidade os conhecimentos adquiridos, as traduções literárias, e servindo-se do que o rodeia para construir um universo próprio, pleno de humanismo, conjugando o amor, a sensualidade, na vivência de todos os dias. (...) Tão capaz no soneto como noutras formas livres, o poeta trabalha a palavra como uma ferramenta essencial à transmissão de sinais; a dádiva e o amor é uma constância. (...) O livro é todo ele uno e desenvolve os temas do primeiro livro...”.

De fato, para se ter uma idéia, “De cada poro um poema” é dividido em duas partes: a primeira, “os poros” e, a segunda, “os poemas”. Na parte “os poros”, já se chega a antever o teor da transpiração poética, como o expresso em “Causa e efeito”:

“Escrevo pra reter meu pensamento / que ao largo do papel resta disperso. / Escrevo, pois escrito me converso / no afã de ser de mim ocomplemento.

“Escrevo pra sentir cada momento / e não pra entender todo o universo. / Escrevo e compreendo a cada verso, / que menos sei do meu conhecimento.

“Escrevo o que não sou e o que não sinto. / Escrevo pra saber que eu também minto / no elã em que me oculto a mim mesmo.

“Escrevo e o que eu escrevo me prescreve. / Escrevo e a palavra é o almocreve / que há de me açoitar, tangendo a esmo”.

Neste tom, ele escreve “Eu”, “O escritor de poesia”,”Illudere”, “Assim como eu, de cada, um pouco”, “Amargo”, “Todo poema é um poema apenas”, o excelente “Eu, meu uso” e muitos outros, alternando soneto, verso livre e muita inspiração transpirando pelo ladrão.

Na segunda parte, “os poemas”, tomo por exemplo o poema “Decifração”, onde o poeta com um formato livre de expressão poética, vai traduzindo seus anseios, gratidões, desejos e realizações.

Depois vem, em 2005, pela Plena Editora, o livro “A esfera”, que ele abre com uma epígrafe do poeta gaúcho/paraibano, Lau Siqueira de que “Sentir é, sobretudo... tudo”, para se auto-prefaciar dizendo: “Como são falsos todos os prefácios, minto eu. Leitor, bem-vindo”. E é mesmo muito bem chegado, quando de cara vai dar logo com “Poética”:

“Se o poema não se diz, / cada verso se desfaz. / A idéia é a matriz / e todo o resto é fugaz. / Mais o conciso é loquaz / se falta ao verbo raiz. / O prolixo se desdiz / se tanto verbo é falaz. / Ao poeta, a diretriz: / ao poema, tanto faz”.

E logo em seguida, com “A anunciação do poema”:

“A princípio, há de se plantar a árvore. / Sulcar a terra, adubar, regar, vê-la crescer, mimar./ Do córtex, saber sua textura. / Auscultar a fotossíntese pelos dedos. / Mirar a rama. Beber do orvalho.

“A princípio, há de se perceber as ondas. / Colher as cores nas espumas, na areia, na salsugem. / Deixar que o vento pinte de aquarela as velas pandas / com as asas da gaivota.

“A princípio, há de se juntar a árvore ao mar. / O trigo ao sal. / Fazer o pão. / Da simplicidade do pão não se afastar. / Fartar-se do simples, por única matéria do refino.

“Refinar o que é simples é saber fazer o pão. / A poesia, pão dos eleitos, antes elege o seu feitor. / E, feita a massa, busca-se a fornalha do poema.

“E o poema, só então, se anuncia”.

Segue este ritmo todo o livro quando passa por “As palavras não têm contrários”, “A dúvida como ponto de partida”, “Epigrama”, “O indigitado” e muitos outros versos de um poeta pronto, feito e mandando ver, até encerrar com “A esfera”.

Falar da poesia de Antoniel Campos é repassar e constatar o seu talento, sua grandiosidade e expressiva emanação poética, o que apenas reafirma o prestigio do que já está publicado de seu na rede, nas diversas páginas, revistas e portais que colabora, bem como no seu blog Poros & Cendais http://antonielcampos.blog.uol.com.br/ onde ele deixa registrado alguns dos seus últimos cometimentos poéticos, porque, indubitavelmente, este é um poeta que sabe o que diz e o que faz de uma forma extraordinariamente poética.

Tunico, meu amigo, abração e parabéns!

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