15 de novembro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte VI

Professores empregam apoio moral para o habitual discurso de Dona Graça, antes da merenda vespertina. Concita (de blusa amarela) ao lado do professor Ary (camisa azul).

Natal, 02 de outubro de 2006.

Cante lá que eu canto cá
Patativa do Assaré

Pra gente aqui sê poeta,
E fazê rima compreta,
Não precisa professô.
Basta vê, no mês de maio,
Um poema em cada gaio,
E um verso em cada fulô.


Começamos a semana com assuntos voltados ao “mês da criança” e o tema do dia foi referente ao “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA). O professor Ary começou a aula falando sobre a importância do conhecimento das “Leis e Deveres” contidos no ECA, como conscientização da cidadania de cada pessoa. O professor titular escreveu no quadro negro alguns parágrafos dos artigos contidos no ECA para os alunos copiarem em seus cadernos de anotação. Enquanto os alunos copiavam lentamente, o professor discutia os objetivos do tema central que seria abordado durante o mês.

Uma hora mais tarde, após as explicações do professor titular acerca do tema do mês, Concita e eu retomamos nossa aula, usando a Literatura de Cordel como base do nosso estágio com os alunos do “Tributo à Criança”. Distribuímos os folhetos e esperamos um tempo (cinco minutos) para que cada um fizesse uma leitura silenciosa dos poemas. Para facilitar o entendimento dos versos, nós (professor Ary, Concita e eu) fizemos uma leitura em voz alta dos folhetos para a classe. Nesse momento, conseguimos um grau de atenção nunca obtido durante minhas observações na escola. Por alguns mágicos instantes, a turma estava inebriada sobre efeito da Literatura de Cordel.

Logo após a leitura dos cordéis, pedimos para que os alunos falassem sobre o que foi abordado. Com muita dificuldade, dois alunos ainda se dispuseram a falar, mas sempre atrapalhados pelas chacotas dos colegas de turma. Tentamos fazer por onde eles lessem em voz alta, estimulando a prática de leitura, mas a dificuldade em ler e a falta de concentração foram razões que impediram os alunos de ler uma única página.

Nesse ponto do estágio, eu posso confessar: nossas intenções de fazer com que esses alunos produzam seus próprios versos estão cada vez mais distantes porque notamos a total falta de interesse que eles têm em querer aprender alguma coisa. É forte a impressão que os alunos só participam das aulas pelo estímulo financeiro que seus pais recebem ao final de cada mês, como se o “Tributo à Criança” fosse uma “creche” infanto-juvenil para guardar, por um período, aqueles jovens carentes.

Mesmo numa situação adversa, onde a falta de estímulo é visível, acreditamos que é viável trabalhar a Literatura de Cordel na sala de aula. É uma excelente forma de levar a poesia para o conhecimento dos alunos. O Cordel universaliza as informações, pois trabalha com temas diversificados e temas transversais. Desde Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima e Paulo Freire, algumas experiências foram realizadas com sucesso em quase todo o Brasil.

Alguns minutos antes do encerramento da nossa aula, os alunos já estavam dispersos da leitura dos cordéis, conversando entre si e esperando o toque da sirene, como se aquele som fosse libertá-los de uma situação incomoda e desinteressante. O corredor já estava empilhado de alunos das outras salas. As professoras tentavam organizar uma fila indiana para manter a disciplina, mas a algazarra das crianças contribuiu para aumentar o “stress” daquelas educadoras sem paciência, por vezes utilizando a rigidez das palavras para acalmar os ânimos infantis.

Na grande sala de recreação, alunos perfilados ouviam atentamente a peça oratória do dia, proferida com ênfase por Dona Graça. Professores, pessoal de apoio e alunos esperavam ansiosamente àquela hora mágica da ceia vespertina, onde um cuscuz com leite foi servido aos convidados habituais. Antes de me despedir do pessoal, ainda ouvi dona Graça reclamando porque a Cosern havia cortado o fornecimento de energia elétrica do prédio por falta de pagamento.
Não esperei para maiores detalhes, mas aumenta a impressão de que aquele prédio onde funcionava uma loja de gás veicular não está devidamente adaptado para servir como uma instituição educacional. A falta de atenção com a educação é mais uma vez observada pela despreocupação em pagar uma conta de energia, fator básico para o funcionamento do local.

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