30 de dezembro de 2006

Cascudo: 108 anos de cultura potiguar.

"Cascudo: ensinou e escreveu, nada mais aconteceu"


Antes das comemorações da passagem do ano, o Rio Grande do Norte, e porque não dizer o país, festeja, neste sábado, os 108 anos do historiador e folclorista Luís da Câmara Cascudo. A cada ano, essa data vem sendo comemorada fielmente, resultando no resgate da obra de Cascudo e em uma apresentação ao público dos novos estudos sobre os escritos dele e, principalmente, dos novos pesquisadores de sua obra.

Para celebrar a data, além da Semana Câmara Cascudo, promovida pela TV Universitária, em parceria com o Núcleo Câmara Cascudo de Estudos e com o Memorial Câmara Cascudo, acontece de amanhã até o dia 7 de janeiro, a exposição "Cascudo: ensinou e escreveu, nada mais aconteceu", na livraria Siciliano do Midway Mall, ressaltando a memória do folclorista.

A exposição, organizada pelo Memorial e pelo Núcleo de Estudos, em parceria com a Siciliano, será aberta neste sábado, às 10h30, com um café da manhã aberto ao público. Segundo a neta do historiador e diretora do Memorial, Daliana Cascudo (foto), a expectativa é que, através da exposição, o público leitor freqüentador da livraria se aproxime ainda mais do autor Câmara Cascudo.

Nascido em Natal, em 1898, Cascudo escreveu cerca de 150 livros, voltados, principalmente, para cultural brasileira, com destaque para "Dicionário do Folclore Brasileiro", "Antologia do Folclore Brasileiro" e "Contos Tradicionais do Brasil". O historiador, que viveu quase nove décadas no RN, foi o único estudioso em sua especialidade que tinha uma visão verdadeira do que era o folclore.

Além de destacar-se no folclore, Cascudo exerceu a profissão de jornalista - nessa fase ele começou a escrever crônicas sobre manifestações populares e, em 1941, fundou a Sociedade Brasileira do Folclore, da qual foi o primeiro presidente -, professor, crítico literário, etnológico, historiador e advogado.

Em entrevista ao Jornal de Hoje, Daliana Cascudo fala sobre a exposição, sobre o Memorial e sobre o seu avô. Confira:


Fale sobre a exposição "Cascudo: ensinou e escreveu, nada mais aconteceu".

Daliana Cascudo - A exposição tem por objetivo comemorar os 108 anos do nosso mais ilustre potiguar, Luís da Câmara Cascudo. O tema da exposição refere-se a uma citação que o meu avô usava para se auto-definir. Para ele o seu título mais importante era o de professor e sua principal missão era ensinar.

O que essa exposição significa para a família, para o Estado, para o mundo das letras?

Nossa intenção em realizar esta exposição na Livraria Siciliano é justamente aproximar a figura do autor Câmara Cascudo do público leitor, que freqüenta a livraria. O significado maior dela é mostrar particularidades de Cascudo, enquanto escritor e produtor de um dos maiores legados culturais brasileiros.


O que o público encontrará exposto?

O material da exposição é muito diversificado, pertence à nossa família e faz parte do acervo exposto no Memorial Câmara Cascudo. Nele estão presentes banners, a famosa máquina "Remington" na qual meu avô escreveu a quase totalidade de sua obra, anotações manuscritas, os originais da sua obra "Dicionário do Folclore Brasileiro" contendo a última atualização feita por ele em 1979 na 4ª. edição, cartas recebidas de correspondentes ilustres (Carlos Drummond, Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e Jorge Amado), primeiras edições de várias de suas obras, além de objetos pessoais. Com este acervo procuramos mostrar como era realizada a produção "cascudiana" e algumas de suas particularidades, como o fato dele não fazer rascunho de nenhum livro, datilografando-os diretamente na sua máquina de escrever.


O que o Memorial e a família esperam dessa exposição? Qual o resultado que vocês esperam alcançar ao final dela?

Nossa maior expectativa é aproximar Câmara Cascudo do seu público leitor, tornando conhecidas particularidades de sua produção intelectual. Ao levar para a Livraria Siciliano verdadeiras "jóias" do acervo cascudiano pretendemos que o público conheça a genialidade de alguém que escreveu cerca de 150 livros, sobre os grandes temas da cultura brasileira, tornando-se um dos maiores "intérpretes do Brasil".


O que você tem a dizer do ano de 2006 para as letras do RN, para o Memorial?

Foi um ano extremamente profícuo em termos de "produções cascudianas". A Global Editora lançou alguns dos livros mais importantes de Câmara Cascudo, entre eles, "Canto de Muro", "Literatura Oral no Brasil" e "Prelúdio da Cachaça". O Memorial Câmara Cascudo (MeCC/FJA), em parceria com diversas instituições de cultura do estado, comemorou os 20 anos de "encantamento" de Câmara Cascudo. Além disso, o Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-rio-grandenses (NCCEN/UFRN) lançou várias obras cujo tema central foi a figura de Câmara Cascudo e sua obra. Todos estes trabalhos são "releituras" da obra cascudiana, onde aspectos que ainda não tinham sido sistematizados, foram estudados e enfocados pelos seus respectivos autores. Eles mostram que Câmara Cascudo não é, de forma nenhuma, um autor "esgotado", mas representa ainda um imenso manancial de pesquisa e de estudo.


Fale sobre o trabalho realizado no Memorial e em conjunto com outras entidades, em prol do Câmara Cascudo. O que esperar de 2007? Quais os planos, alguma data significativa?

O Memorial Câmara Cascudo, órgão da Fundação José Augusto, tem por objetivo a divulgação e a preservação da obra cascudiana. Com o intuito de atingir este objetivo firmamos parcerias importantes com instituições culturais do nosso Estado, que estão ligadas intimamente a este objetivo. Dentre estas parcerias podemos destacar duas da maior importância: o Museu Câmara Cascudo (MCC/UFRN) e o Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte Riograndenses (NCCEN/UFRN). Através da parceria com o Museu Câmara Cascudo realizamos exposições relevantes em diversas ocasiões e com o Núcleo Câmara Cascudo estamos desenvolvendo uma parceria que já resultou em importantes frutos, tais como as comemorações dos 20 anos de "ausência cascudiana". Todo o material (discursos, entrevistas, lançamentos de livros, exposições e artigos) publicado por ocasião deste evento está sendo organizado em forma de livro para ser lançado, em parceria com o Núcleo, no início de 2007. No próximo ano, pretendemos ampliar estas parcerias como forma de divulgar cada vez mais o legado de Cascudo. As datas significativas do ano são os seus aniversários de falecimento (30 de julho) e de nascimento (30 de dezembro), além do dia do folclore (22 de agosto).


O que você acha que de melhor Cascudo deixou para a cultura de nosso Estado? O que você acha que ele deixou e que hoje faz a diferença na cultura regional?

A maior herança que o meu avô deixou, não apenas para a cultura do Estado, mas para a cultura do país, foi a sua valorização, através do reconhecimento de uma identidade cultural enquanto povo único e singular. Ele foi um dos primeiros estudiosos a se voltar para temas regionais, dando ênfase às manifestações mais legítimas do povo: sua maneira de falar, suas danças, suas festas, suas superstições, seus mitos, suas crendices, suas lendas, ou seja, tudo o que o povo expressava através das mais diversas maneiras. Foi o primeiro a sistematizar o folclore em sua monumental obra "Dicionário do Folclore Brasileiro" (1954) e fornecer ao mesmo o status de "ciência". Como qualquer pioneiro, enfrentou preconceitos e teve que superar barreiras importantes nesta empreitada. Mas, como ele mesmo dizia, "foi o que quis ser e estudou o que amava". O mais importante ao se analisar o legado "cascudiano" é descobrir que ele partiu de uma vivência pessoal e popular para uma análise formal e um estudo sistemático. Ou seja, ele viveu, sentiu e emocionou-se com todas as manifestações do povo muito antes de estudar e escrever sobre elas.


Quais as principais conquistas do memorial e as principais dificuldades?

A nossa principal conquista foi a maior divulgação da obra cascudiana, através destas parcerias já citadas, que contribuíram de forma decisiva para que conseguíssemos atingir os nossos objetivos. Trabalhar com cultura no nosso país ainda é muito difícil. A área cultural continua sendo considerada de menor importância e merecendo poucos recursos financeiros para a sua consecução. Logicamente que não podemos desconsiderar as enormes dificuldades estruturais que o Brasil enfrenta, como educação e saúde. O caminho mais viável para a área cultural ainda é a união de esforços, através do estabelecimento de parcerias institucionais. Através delas, as instituições culturais conseguem minimizar suas deficiências e realizar importantes passos na preservação e divulgação da nossa identidade cultural.


O que você tem a dizer da cultura popular no RN? Defeitos, riquezas, o que falta?

A cultura popular do RN, como de todo o Nordeste, é uma das mais ricas do país. Possuímos importantes manifestações populares que ainda resistem a toda a globalização existente: boi de reis, pastoril, araruna, coco, cantadores, violeiros e cordelistas, para citar alguns. Estamos, graças a Deus, reconhecendo cada vez mais esta riqueza que está à nossa porta e valorizando-a como ela merece. Não podemos deixar de citar importantes contribuições que foram dadas nesta área pela Capitania das Artes (Prefeitura de Natal) e pela Fundação José Augusto (Governo do Estado do RN), que deram à cultura popular o seu justo destaque. Como dizia o meu avô: "quem não traz nos pés da alma a areia de sua terra, termina incolor, inodoro e insípido, parecido com todos os outros".

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