Por Alexandro Gurgel
Plínio Sanderson Saldanha Monte é antropólogo, geógrafo, professor, poeta, animador cultural, assistente parlamentar da Assembléia Legislativa do RN e membro eleito do Conselho Estadual de Cultura (comissão da Lei Câmara Cascudo). Nascido em Caicó, no ano da graça de 63, mora em Natal desde as primeiras letras no Colégio Salesiano São José.
Começou na carreira literária publicando seus poemas em coletâneas nos livros “Ainda Estamos Vivos”, em 1981 e “Cio Poético”, em 1982. Em 1983, publica seu primeiro livro individual “Atresia” (1983), uma edição mimeografada pelo próprio poeta. E o segundo “Afetart”, em 1985.
Plínio Sanderson foi um dos articuladores do movimento “14 de Março”, quando se comemora o Dia Nacional da Poesia em Natal. Depois de dirigir a peça teatral “Auto de Lusitânia”, de Gil Vicente e ter coordenado vários festivais de artes. O poeta Plínio foi laureado duas vezes, em 1986, conquistou o primeiro lugar no 3º Festival de Poesia da UFRN (ganhando também o prêmio de melhor performance) e grande vencedor do prêmio Othoniel Menezes de poesia, promovida pela Fundação Capitania das Artes, em 2003, como o livro inédito “Inspiral – um estudo da poética”.
O encontro para essa entrevista foi em pleno Beco da Lama, reduto cultural natalense, numa bela tarde de um sábado azul.
Em que momento na sua vida juvenil você despertou para as Letras? E qual é a sua formação poética?
A busca pela palavra surge com a esquerdofrênia juvenil. Espécie de escárnio e revolta de todo jovem. Filho do silêncio, parido em plena ditadura militar, nasci em 63. Ainda quando fazia o ensino secundário, estudava em colégios de padres e freiras e sentia na carne a necessidade de me indignar contra todo o contexto social vigente e a primeira manifestação da poesia, para mim, desabrochou nessa catarse poético-existencial.
Quem mais o influenciou na Literatura Universal?
Quando comecei a escrever, imbuído por essa necessidade premente de exprimir uma indignação doída, não tinha nenhuma informação poética, não havia lido poetas de quaisquer vertentes. Tinha uma informação limitada e percebi que deveria buscar entender a literatura universal, brasileira, regional e potiguar. E isso foi uma perda imensa. A partir do momento que comecei a tomar consciência do mundo literário, lendo, pesquisando, comecei concomitantemente a tolher minha criatividade - o medo do vexame vem à tona. Me sentia mais poeta quando não possuía informação nenhuma e as coisas saiam naturalmente, sem preocupações estéticas. Uma auto censura me assolava: isso é Maiakóvisk? Isso é Rimbaud? seria Oswald de Andrade? Ao se interar sobre a produção da literatura universal, terminamos tendo uma preocupação de fugir dos arquétipos impressos. Pra ter um estilo, é primordial algo que o particularize, e assim, iniciei uma busca desenfreada por uma forma peculiar de escreviver. A posse de informações me levou a romper com a palavra escrita linearmente. A busca pela modernidade na poesia. Percebi que era fundamental o exercício das três dimensões da palavra: verbal-sonora-visual. A partir daí comunguei com a idéia de que a poesia era uma coisa muito mais complexa de que apenas um estado de espírito, um momento de revolta. A palavra se concretiza a cada letra, cada sêmia com um peso, uma história. Os teóricos da semiótica apregoam que todo o sistema repousa sobre o princípio arbitrário do signo - e esse signo em última instância é a letra. Tudo se resume a isso. Passei pelos Campos Concretos (das Galáxias aos Noigrandes) e suas traduções, Ezra Pound, Mallarmè, Rimbaud, Mário Faustino (Poesia Experiência), Mário de Andrade, Jorge Mautner, Drummond, Baudelaire, Bandeira, Augusto dos Anjos. Quem me consubstanciou nessa aglutinação de (in)formações literárias foi o videomaker Augusto Luís, que tem uma biblioteca interessantíssima. Isso fez com que vislumbrasse as veredas e encruzilhadas da literatura tentando descobrir uma vertente de poesia original.
Quem eram as pessoas de sua convivência, no início da sua produção poética em 79? Nessa época, quais eram os alumbramentos para se produzir versos?
Interessante é o que definia a nossa poesia. Éramos rotulados de poetas marginais. O desbunde da chamada “Geração Alternativa”. Não era aquela idéia glauberiana de uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, mas a possibilidade de botar na rua a palavra registrada e lavrada. Em Natal, esse Movimento se constituiu num fazer poético arrebatador. Um Movimento urbano (a cidade perdia o ar bucólico, acabrunhado e se inseria na nova urbanização litorânea do nordeste brasileiro) de poesia, tinha Cleudo Freire, Venâncio Pinheiro e grupo Aluá, os livros alternativos de uma trupe imensa/intensa como: Harrison Gurgel, Sofia Gosson, Vicente Vitoriano, João da Rua, Antônio Ronaldo, Novenil, Aluízio Mathias. Havia a concreta possibilidade de fazer arte com nossas próprias mãos e meios de produção. Era uma postura gostosamente “romântica”. Tínhamos que batalhar uma resma de papel aqui, um estêncil acolá; Essa rapaziada nos despertou a pragmatização da arte via nossa própria iniciativa, sem depender das instituições. O jornalista Moura Neto, o músico Marcerlus Bruce (um dos criadores da banda que fez muito sucesso na cidade - Fluídos), as poetas Kátia Leonila e Isabela Garcia, o Tronxo, éramos uma plêiade de jovens ingenuamente utópicos. Caímos na labuta e fomos à luta. O primeiro livro tem um nome muito sugestivo “Ainda Estamos Vivos”, era a explosão de um grito calado, oprimido. Esse foi meu primeiro livro, uma coletânea, que era à tônica em voga naquela época da produção mimeógrafo/marginal. O segundo livro um ano depois, novamente uma coletânea, com as mesmas personas anteriores, e entrando no circuito o dândi-advogado Wellington Dantas, que veio agregar com uma poesia non-sense. Eclodimos um segundo livro “Cio Poético”. O primeiro individual foi “Atresia”, em 83 e em 85 lanço “Afetart”, um livro de artista ou conceitual, páginas com buracos de fogo. Começo irremediavelmente exercitar além da palavra, a fragmentação, a clivagem, introduzindo elementos/objetos no próprio livro (vide o Dadaísmo). O livro causou um grande impacto no meio e até hoje repercute. Recentemente, na coluna Geléia da Becolândia (no blog Grande Ponto) o colaborador Maurício Grounge, cita-o.
Essa sua forma de fazer poesia não linear, sem sonetos, sem essa preocupação purista, é uma marca poética sua?
De 1986 até 2002, deixei de escrever poesias lineares, onde as palavras significam o que elas dizem. Pra mim, a poesia é importante quando há o exercício do logos, do raciocínio, da razão. Quando a palavra existe podendo ou não significar o que ela traduz. Busco esse exercício. Pra mim, esse exercício da palavra, enquanto jogo lúdico é essencial. “Vai leitor / procurar na esquina / a rima”! A poética torna-se uma interação, o resultado depende da cognição do interlocutor, esse é meu desafio. A minha poesia é para iniciados. Você vê, lê e questiona: isso é poesia? Que danado é isso? Em 1986, ganhei o 3º Festival de Poesia da UFRN, foi o prêmio mais alto pago na arte do Rio Grande do Norte, ganhei 13 mil dinheiros da época, ganhei dez mil pela melhor poesia e três mil como melhor performance - tive o auxílio luxuoso do Pedro Peralta Pereira, grande e performático irmão. A poesia “Vislumbrâncias pó tiguares” é interessante. Nele as palavras não vão significar o que elas dizem. É um poema que ninguém entendeu, mas todo mundo curtiu pela sonoridade metálica das palavras. Foi insofismavelmente a poesia vencedora. Na hora da premiação, continuei fazendo “performance”: 5º lugar Fulano, 4º lugar Beltrano etc., e no 1º lugar: à plenos pulmões gritei que eram cartas marcadas, que não podia ganhar esse prêmio, pois quem estava apresentando o evento era o jornalista Ciro Pedroza, que me boicotou no Festival de Artes de 85, quando realizaria a performance “Sete Aureolas Para Nossa Ociocidade Natal Letal”, de 01 hora e meia, investi todo meu 13º salário e simplesmente não deixaram me apresentar, desligaram o microfone, censura braba. Foi um frenesi, joguei ovo no público, arremessei tinta, invertendo o processo de repúdio. Em vez de o público ir contra o artista, o artista enfureceu-se contra o público e o escambau. Entrou polícia, acabou com a noite do Festival de Arte. Enfim, o cara que me boicotou um ano antes, teve que me dar o prêmio de campeão da Poesia e de melhor performance. Denunciei-o ensandecidamente em público. A jornalista Rejane Cardoso escreveu um artigo no Jornal Dois Pontos narrando o fato hilário.
Você falou agora a pouco da geração marginal, da geração do mimeógrafo. Dessa geração, você traz alguma coisa pra poesia de hoje?
Tudo! A irreverência contra o tal lirismo comedido que se referia Manuel Bandeira, esse não comprometimento com nenhuma regra, o escárnio pela métrica, pela rima, tudo isso. A experimentação que sugeria o título do movimento se consolidava, Alternativa e Marginal. Meus últimos poemas minimalistas ainda são reminiscências disso. Entre a poesia de Leminski e os comprimidos poéticos do Oswald de Andrade, exemplifico: “Freudiet: o poeta passou da fase anal/ na agora num repente oral/ vomita poemas para um boquiaberto público”. Fazer blague. A poesia como exercício, como jogo prazeroso. Como dor de cotovelo, sentimentalismos e estágios da alma, não!
Se ganha dinheiro com poesia ou é só diletantismo?
Sou do tempo em que a poesia era pura necessidade de expressão. Ainda me sinto ligado a essa produção “romântica”. Porém, faturei alguma grana com poesia. Esse prêmio de 13 mil da UFRN/ FIERN. Ganhei Othoniel Menezes (2003). Recebi alguns cachês para organizar Festivais de Artes do Natal. Não acredito que a poesia seja construída pela perspectiva do dinheiro ou mesmo do reconhecimento. Acho que hoje é possível. A partir da radicalização dos meios informacionais contemporâneos nessa sociedade técnica-científica-informacional, com a famigerada mídia tão onipresente dá para ganhar dinheiro. Há possibilidade real de produzir um livro com pouco dinheiro no empreendimento, podendo, inclusive, ser feito em casa e obter lucro. Claro, se nós poetas fossemos mais pragmáticos. Ao contrário do que o senso comum defende, o poeta não é o sonhador, o poeta, etimologicamente, é aquele que faz, realiza. A poesia, como dizia o Mário Faustino, tem a função de comover, deleitar e transformar. Exercito a poesia como instrumento de transformação. Utilizo arte, essa ação que permeia todas as entranhas da vida social do cidadão, como instrumento de fazer revolução. A “Revolução Amarela” que se referia o cineasta Augusto Ribeiro Jr. (cineasta de Boi de Prata). O próprio Mauro Faustino afirmava categoricamente: o poeta é aquele que sente na pele a necessidade de experimentar; para mim a poesia é isso, l-i-t-e-r-a-l-m-e-n-t-e.
Em 1988, durante a 2ª Feira de Sebos de Natal, você fez uma performance algemado na praça com o titulo de “Artista em Cativeiro”. Como se deu essa performance? E qual o objetivo?
Em Natal, naquela época, engatinhava um movimento idealizado pelo jornalista e produtor cultural Dorian Lima, chamado “Poetas de Plantão”. Em contrapartida, eu defendia os “Poetas de Platão”, mas ficou mesmo “Poetas de Plantão”. A idéia era ocupar os espaços. Durante a Feira de Sebos percebemos que Natal estava passando por um processo de estagnação, sonambulismo cultural. Os órgãos públicos estavam inertes. Não acontecia nada, uma vacância na política pública cultural, triste realidade que infelizmente ainda impera no nosso Estado e Município. Numa postura anárquica, me algemei por dez horas na praça André de Albuquerque, dizendo que era poesia, era arte. Quem me algemou foi um cara de fraque (poeta soteropolitano Alberon Soares), representando o “dono” da TV Globo, responsável pela falta de criatividade, pela falta de informação coletiva, e em cativeiro, ficava gritando à população transeunte: o senhor é contra a arte? Contra a poesia? Então me solte. Solte a arte, solte a poesia. Só não fomos presos, porque já estávamos presos. A Polícia Federal esteve lá. Vendemos mais de 150 autógrafos. Algemado e vendendo autógrafos num saco de pipoca onde a assinatura era a digital. É esse tipo de arte que interessa e me seduz. Uma manifestação que faz as pessoas pensarem, refletirem. A arte só importa quando faz despertar consciência, questiona, critica. Esse evento foi interessante, cheguei a perder o emprego no Colégio Ferro Cardoso, que era em frente ao evento. O chefe vaticinou: preciso de um professor de artes, não de um artista professor. No Diário de Natal, um jornalista publicou que tal atitude valia mais que todas as atividades desenvolvidas pela Fundação José Augusto durante um ano inteiro.
Essa sua característica de misturar performance com poesia é uma coisa sua? Fale sobre alguns momentos marcantes onde esses desempenhos poéticos encantaram?
Essa junção de várias artes: poesia, teatro, plástica, música, foi introduzida pelo Jota Medeiros, exemplo que “os artistas são as antenas da raça”. Já pintamos a Ponta do Morcego, com tintas laváveis e efêmeras, que seria esmaecida com o tempo pelo ir e vir incessante das marés. Uma manifestação plástica, mas também poética. O Rimbaud defendia que cada letra tem um peso cromático. Noutra, convocamos os poetas da cidade, um dia anterior ao 14 de março no bar do jornalista Miranda Sá, o memorável “Mintchura”, epicentro da intelectualidade de Natal nos anos 80 e realizamos o projeto “Oferendas Poéticas”. Foram mais de 600 garrafas (de uma cerveja Kaiser, on way), jogadas ao mar. Cada uma continha uma poesia, celebrava o Dia Nacional da Poesia e avisava para entrar em contato. Essa performance realizei outras vezes no âmbito escolar. Levei meus alunos para vivenciarem esse happening que deu primeira página da Tribuna do Norte com foto colorida imensa. Pensamos o 1º pic-nic dos artistas, na Praia dos Artistas, mas não deu nada certo. Naquela época, o governo assumia o poder no 15 de março. Ia assumir Geraldo Melo, haviam cinco palcos, nosso som foi armado num palco que não era o certo. Caiu uma tremenda tromba d’água em Natal, não foi possível realizar o 1º pic-nic dos artistas na Praia dos Artistas e nós levamos toda a farofada lá pra casa e fizemos uma festa que durou três dias: Carlos de Sousa, Moura Neto, Jota Medeiros, Pedro Pereira, Augusto Luis, enfim, uma gama de Poetas e convivas. A performance do “Bode Cultural” foi uma performance também enigmática. Eu tinha escrito o chamamento do “O 1º Pic-nic dos Artistas na Praia dos Artistas” enviado para os jornais, o jornalista, Woden Madruga escreveu: “olha, não consigo entender non-nada, vou mandar na integra. E botou embaixo um PS “Será que esses poetas já leram Fernando Pessoa”? Fiquei irado. Mandei como resposta uma “Ode ao Woden”, que nunca foi editado. Por causa da “Ode”, passei 4 anos proscrito das páginas da Tribuna do Norte. Mesmo com amigos na editoria, não passaram de jeito nenhum os meus textos, no único espaço livre para publicar artigos. Por isso, sugerimos para o Dia da Poesia fazer a passeata contra o bode cultural. “Sr Woden Madruga, um bode poente”. O Sr. Woden Madruga foi o cara que mais habitou a torre de marfim do poder cultural do Rio Grande do Norte: 2 anos com Garibaldi Alves (prefeito), 4 com Geraldo Melo e mais 8 de Garibaldi (governadores), são 14 anos na cultura. Ele se enclausurou inutilmente no castelo do poder da Fundação José Augusto. Isso ficou claro quando na Câmara Municipal do Natal, em homenagem ao Dia da Poesia de 2003, foi dito pelo presidente da Capitania das Artes (Rinaldo de Barros), que Madruga nunca recebe-o, assim como também não recebia o pessoal do NAC/UFRN (Ângela Almeida). Está lá, gravado na Câmara Municipal. Eu e o sebista/editor Abimael Silva, capitaneamos a arrecadação e saímos com um bode imenso nas ruas, dezenas de pessoas seguiam passeata “O Bode da Cultura”; “Desamarre o Bode, Woden”. Foi um sucesso retumbante. O bode foi posteriormente comido em pajelança poética. No início dos anos 90, mesmo cansado de lutar contra a maré e querendo passar a bola, continuei bancando a comemoração, gastando os últimos tostões que me arranhavam os bolsos. A gente enjaulou, o último poeta marginal de Natal, o Carlos Astral, tive que roubar o garajau da vizinha de minha ex-sogra. Nesse ano o Collor de Melo ia assumir o poder no dia 15 de março, eu e poeta Pedro Pereira, pintamos a ladeira da Rio Branco de branco, na madrugada, e brincando com o mote fizemos o “Dia da Poesia in Collor”, em passeata fomos até a ladeira e jogamos bombas de tinta em sacos plásticos com os carros atropelando-os e fazendo escorrer a tinta ladeira a baixo. Foi outro evento plasticamente interessante.
Você é um dos idealizadores e precursores da manifestação do 14 de março em Natal, o Dia da Poesia. Como se deu essa evocação de exaltar a poesia anualmente? Por onde começou isso?
Iniciei no movimento poético de Natal no 14 de março de 81, na passeata “pega poeta” que reuniu onze malucos. Esse movimento já vinha desde 78. O Movimento surgido como sussurro de evento vindo de Recife e também do pessoal da Poesia na Praça Castro Alves, em Salvador. Natal entrou nesse esquema. Só que aqui essa data se consolidou. Natal é a única capital do Brasil em que se comemora efetivamente a data magna. Gera o maior buxixo, um frisson na mídia. Graças à criatividade dos poetas celebrando o dia da poesia de maneiras inusitadas. Nesses dias, a poesia deixa de ser apenas coisa escrita, que cabe num livro, sendo exercida plenamente na oralidade. Os poetas recitam, deliram, blasfemam, isso fez despertar em mim os horizontes da poesia falada. Tenho um poema que diz: “Vivo a poesia de ser o que SOA”. Não o que SOU, mas, o que SOA. Descobri que é fundamental a poesia enquanto forma de mudar a maneira de pensar as coisas, inclusive da própria palavra - o exercício nato da poesia. A inquietude na busca pelo novo. O Dia da Poesia em Natal se revela como tradição, aquilo que se perpetua no imaginário. São quase 30 anos desse exercício poético. Contemporaneiguarmente, se há uma tradição cultural em Natalópoles é o Dia da Poesia. Ao contrário dessa preguiça macunaímica mítica do brasileiro, que deixa tudo para primeira segunda-feira depois do carnaval, no Rio Grande sem Sorte tem uma reca de obstinados poetas que exercitam um outro calendário, o ano só começa na primeira segunda-feira depois do dia 14 de março.
Alguns teóricos da comunicação, como Antônio Cândido e Roland Barthes, defendem que na poesia não existe tanta inspiração, existe mais a criação pensada e a inspiração fica em segundo plano. Você vê a criação poética dessa maneira? Como é seu processo de criação?
Com certeza. Quando eu falei sobre vislumbrancias pó tiguares, onde ninguém entendeu nada, mas todos acharam que deveria ganhar, pois era um poema metálico, sonoro, não significa nada, a princípio. Mas se o freguês tivesse uma maior acuidade, ele perceberia que foi construído matematicamente em laboratório: um/cinco, um/quatro, um/três, um/dois e dois/um; uma estrutura articulada onde cada palavra, cada sílaba, se imbricam num código lógico, como na comunicação do código Morse. Não faço rima, nunca gostei, acho até uma coisa chata, pobre, limitada. Gosto na palavra da sonoridade. Pra mim poesia é nada que se repete, tudo que se transforma. Cada dia que se lê uma poesia, uma nova leitura daquela mesma poesia. Com as palavras expostas de forma linear, todas as vezes que se lê, ela vai repetitivamente ser a mesma coisa. Sacal e finita.
Anchieta Fernandes cita você numa entrevista ao jornal Dois Pontos como sendo um poeta completo dentro do poeta processo. Qual a sua influencia, qual a sua relação com a poesia concreta e o poema processo?
Quando eu comecei a aglutinar, catalisar informações sobre a literatura e vi a produção poética dos irmãos Campos e do Décio Pignatari, fiquei louco, pensei: “isso é inteligente”. Levar a palavra até às últimas conseqüências. Um exercício sublime da palavra. Quando vi a poesia concreta, as traduções dos irmãos Campos dos clássicos, o James Joyce, disse: “vou ficar por aqui, isso me instiga”. E partir daí fiquei com essa preocupação de ir além, a palavra além da simplória aparência. Entretanto, é interessante citar que em 1996, o crítico e professor Tarcísio Gurgel, no livro do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Anais do Módulo Zero – Leitura: Linguagem, Sociedade e Cidadania) analisando a Poesia Marginal recobra a vocação da oralidade e afirma: “Natal, aliás tem um magnífico poeta nesse sentido é o nosso Plínio Sanderson”. Portanto, a minha poética transita desde a construção material/mental até desembocar na fluidez da palavra recitada.
Em 2003, você foi o vencedor do premio Othoniel Menezes, concedido pela Prefeitura de Natal, através da Capitania das Artes. Como foi ganhar esse reconhecimento de “poeta oficial”?
Interessante porque de 86 até 2001, eu radicalmente me negava a fazer poesia linear. Escrevia textos nos jornais sobre política cultural, textos densos, complicados, também para iniciados, nem todo mundo entendia: prolixo? hermétic? Como educador, entrei no curso de Geografia, o que me deu subsídios para ler o texto impresso nas paisagens. Comecei a ter uma recaída belletrista, nuances Ferreiraitajubanas. Descobrir a geografia do meu pedaço, o “genius loci”, a magia do lugar que habito. Passei a escrever textos épicos, sabia que com minhas poesias irrequietas, não ganharia prêmio nenhum. Ai pintou alguns poemas épicos: sobre o Beco da Lama, sobre Santa Rita, e pensei, isso dá pra ganhar, é nativista, tem raíz. Formatei um livro muito interessante, um estudo da poética. A partir da idéia Poudeiana que separa a poesia em três dimensões: a Logopéia: A dança do intelecto entre as palavras. O emprego das palavras não apenas em seu significado direto, porém, levando em conta os hábitos, seus concomitantes habituais, seu jogo irônico; a Fanopéia: Imaginismo: não apenas a imagem parada, mas também a imagem tal como se apresenta ao “olho mental” em movimento. O poema é antes de tudo algo que se faz, não apenas algo que se diz; e a Melopéia: épica é a poesia que contém história. Cantares de sua terra. Esse exercício foi mais transpiração do que inspiração e ganhei o 33º prêmio Othoniel, no dia do meu aniversário de 40 anos estava estampada nos jornais a notícia do prêmio. Agora, poeta oficial é quando se é aceito pelo establisment, e acredito que um artista não deve jamais se submeter a qualquer podre poder.
Numa entrevista à revista Papangu, o poeta Moacyr Cirne declarou que só aceitaria um convite da Academia Norte-riograndense de Letras se todos os acadêmicos fossem nus a sua posse. Qual sua opinião sobre a ANL e se você recebesse um convite para pertencer aos quadros da Academia você aceitaria?
Detesto até mesmo recitar poesia quando só há poetas, prefiro, pois é poesia, pois é poesia nas ruas, desmistificando-a, levando-a ao populacho sedento. Acho o fardão uma bobagem que minha vaidade não quer, ignora. O grande poeta Nei Leandro de Castro foi vítima dessa casa fune-literária.
Em sua opinião, o que há de melhor sendo produzido em solo potiguar, incluindo novas e velhas gerações?
Vejo Natal, hoje, meio que uma Babel. Nós temos uma possibilidade de lançar livros rápidos, baratos, temos Abimael Silva, temos as instituições que estão se abrindo. Agora, a produção não tem uma organização palpável. Temos a Associação de Poetas Vivos e Afins, que aglutina, arrebanha uma galera, mas não significa dizer que se constitui num movimento poético efetivo na cidade. Está faltando um azimute. Cabe ao estado começar a nortear uma gestão que apresente a produção literária do estado. Temos “Os Brutos” do poeta José Bezerra Gomes, lá de Currais Novos, que é um livro fantástico. Todos conhecem a exuberância do recôncavo baiano via literatura de Jorge Amado; mas nós temos José Bezerra Gomes, num livro belíssimo, que denota o ciclo do algodão seridoense. Temos uns poetas nativistas fantásticos, os poetas da invenção que foram além da palavra, como A. de Araújo, Venâncio Pinheiro, Falves Silva, Moacyr Cirne, J. Medeiros, acho que está faltando um movimento engajado como existia antigamente. Hoje em dia, não existe isso. Quem faz literatura hoje de boa qualidade cito: Antonio Ronaldo, Pablo Capistrano, Iracema Macedo, Carmem Vasconcelos, Zé Martins, Daniel Michone, Marise de Castro, Antoniel Campos. Na minha vertente, eu colocaria no trono o poeta A. de Araújo.
O Rio Grande do Norte é visto como um Estado que produz muitos poetas e poucos ficcionistas, temos aqui pouquíssimos ficcionistas como Nei Leandro de Castro. Na sua concepção literária, o Rio Grande do Norte produz mais poetas que ficcionistas ou está faltando à ficção no Rio Grande do Norte?
Você sabe que teve uma época em Natal, o Moacyr Cirne coloca no “A poesia e o Poema do RN”, um livro fantástico para quem quer (re)conhecer a literatura potiguar, ele que teve uma época em Natal que a grande maioria da população era poeta. Realidade ilustrada pelo dito popular: em cada esquina um poeta, em todo beco um jornal. Era a belle époque retardatária, quando mesmo com uma poesia geralmente anacrônica, se proclamava o sujeito como poeta. Acho que todos optam pela poesia por ser mais fácil, sem ter um devido cuidado com a língua – a tal “licença poética”. Com relação aos contistas, temos bons nomes, sim. Mas essa preguiça oriunda desse sol escaldante (onde ninguém sonha/ pela preguiça do pensamento em atravessar o rio sob esse sol”), deixa meio torpe e se busca pelo caminho mais fácil. Tinha um grande escritor potiguar que foi duas vezes governador, chamado Antônio de Melo de Souza, que analisando as vicissitudes provincianas no século XIX in “Vida Potiguar” ilustra: “A vida social, colaboração de todos para o bem da coletividade, que resultará o bem de cada um; espírito de solidariedade inquebrantável de todos por um e um por todos, essa vida nós não temos. Sob esse ponto de vista o potiguar é mais adiantado do que os da vanguarda deste século de egoísmo, de individualismo de cada um por si e o diabo que carregue os outros. Além da solidariedade política, não há nenhuma outra. Não há espírito de associação para fim científico ou literário, moral ou religioso, filantrópico ou de mútua beneficência. Além do tempo ao trabalho indispensável para a manutenção própria e da família, ele só dedica uma parte do resto à política”. A pior forma de poder, o imaginário barroco nos deixou de herança o poder oligárquico: NATALVESMAIA. Povo chucro, marcado, condenado à mestiçagem tropical, com sua inferioridade inata: climática-telúrica, asnal-lusitana, católica-humanita. As pessoas têm preguiça, pois para ser um grande cronista ou contista, você tem que ler, ter obrigatoriamente uma considerável bagagem de literatura, tem que ralar. Nós lemos muito pouco. E essa preguiça atrapalha o trabalho.
O jornalista Carlos de Souza escreveu, na Tribuna do Norte, que Natal é uma cidade boçal, beletrista e que produz uma literatura narcisista. Até que ponto isso é verdade?
Acho que Natal é mesmo pedante, besta e equivocada. Faz-se um discurso de cidade moderninha, de Londres Nordestina, mas na verdade, as oligarquias continuam nos assolando. Somos uma sociedade fadada ao estupro cultural. Tudo que vem de fora, tudo que é alienígena nos seduz. A gente não pensa em qualidade, em o que é de relevância. Tudo que vem de fora para o Rio Grande do Norte sempre encheu os olhos da gente. Então essa pseudo-idéia de moderninha é equivocada. Nós não somos bairristas. Infelizmente, pelo contrário. Outrora, Othoniel Menezes, vaticinou à “Jerimulândia” o carma do “pecado original de haver nascido na Esquina do continente”.
O Salão dos Excluídos é uma resposta à ditadura cultural implantada na Capitania das Artes para promover meia dúzia de artistas?
O salão dos excluídos foi uma releitura histórica do “Salão dos Recusados”, Paris (1863), e que desembocou no impressionismo e nas efervescências das vanguardas. O inconformismo abre as portas para emancipação. Em Natal 2006, o “barrados no salão” celebra o oito de maio - “dia do artista plástico”. Onde uma plêiade de artistas, deserdados da vida cotidiana em entrelaçamento de influências e confluências pessoais, num ímpeto de liberdade individual e igualdade social, proclamam contra a receita técnica, o escolhido, o distinto, o excepcional, contra o acabado, contra os cânones hierárquicos e as falsas elegâncias dos salões e vernissagens. Tira as teias esclerosadas dos teus olhos, a arte não é só fruição, mas síntese da essência cultural de um instante histórico. Sem bulas ou encíclicas, Barradas no Salão. Defendo ver a arte com os olhos livres, sem hors-concours ou excluídos! Infelizmente, a administração da FUNCART, encarou como uma jogada da “oposição”, e nos colocou no cartaz da programação oficial e logo depois, mandou retirar os cartazes da rua, imprimindo um outro, retirando o nosso evento. O cúmulo da malversação do erário municipal e do autoritarismo. Ato que se torna corriqueiro nessa malfadada administração. Lembro quando a cantilena era que não há verba, nem mesmo para um mísero aparato de som ou placo, sem cachê, sem mais nada. Agora, a PMN através da Funcarte disponibilizou fartos recursos para trazer shows de cantores nacionais a se apresentarem gratuitamente na zona sul da cidade, num claro proselitismo cultural. Quanto ganha um astro nacional e quanto recebe um artista local? Fazendo censura a músicos da terra vide os casos de Romildo Soares, que convocado por Simone, para cantar uma música de autoria do compositor foi (também) barrado à beira do palco. Ou mesmo a polêmica com Pedrinho Mendes, boicotado dos eventos. É o cúmulo, um absurdo.
O que seria necessário fazer para uma consolidação nacional da literatura potiguar?
Desde 82, atividade turística ainda incipiente defendíamos como zênite: “importar turista e exportar cultura”. Não ficar reféns das belezas naturais, até porque, o tempo profundo consagrou eternidades para esculpi-las e a insensatez do capital é imediatista, impiedosa, sem escrúpulo, perversa e avessa à sustentabilidade do lugar. Gritávamos a plenos pulmões a necessidade de catalogar, resgatar, revitalizar as manifestações populares. Fomentar um movimento em defesa da literatura potiguar começando com uma frente objetivando inserir na grade do ensino médio a disciplina de Literatura Potiguar. Vamos saber quem são nossos nomes. Qual a importância deles no cenário nacional. Qual o estilo de cada um. Nesse sentido há uma carência latente. Com a introdução de literatura potiguar vamos modificar o que o Rio Grande do Norte sabe sobre o próprio Rio Grande do Norte. Quem são nossos poetas? Bons ou ruins. Quem são eles? Vamos desmistificá-los. É fundamental também introduzir na grade curricular além de literatura as disciplinas de história e geografia potiguar. E, principalmente, redigir leis que cobrem em concursos públicos no nosso Estado tais conhecimentos. Nos Estados vizinhos (da Paraíba, Pernambuco, Ceará), os concursos de vestibulares e concursos públicos tem a obrigatoriedade do conhecimento na literatura, história e geografia peculiares. Se o leitor fizer uma pesquisa com os educadores do ensino médio, quase ninguém sabe nada sobre literatura potiguar. Devemos radicalizar e mudar esse quadro desolador. Só assim vamos nos libertar dessa tendência ao estupro cultural que assola nosso Estado. Mais forte são os saberes do povo.
Como professor, você leva a literatura para a sala de aula? Você trabalha a poesia com seus alunos?
A minha formação é de antropólogo, quando comecei a dar aula em 84, eu lecionava filosofia, sociologia e história da arte. A matéria principal era história da arte. Enveredamos no caminho de uma arte educação libertadora e crítica. Eu acredito na arte como forma de enriquecimento de espírito humano. Na área da humanidade, da filosofia e da sociologia vislumbramos o conhecer como totalidade, contextualização do saber. Independente da matéria que esteja lecionando, trabalho com esse intuito. Inclusive o meu exercício na educação não é só sala de aula, realizo projetos de Animação e Marketing Cultural nas escolas, aula de teatro, cine-clube, edição de jornal. A idéia é contextualizar os conteúdos de sala de aula com a nossa identidade potiguar. Conhecer nossos escritores, desvendar nossas paragens, quem cantou-os ou decantou-os em prosas & versos. Jarbas Martins disse: “sobre um céu de ferrugem e salitre nutre o Potengi a sua podre geografia”; recentemente. a partir dessa frase realizamos palestra numa feira de educação no Midway, fragmentos da História e da Geografia potiguar, tendo como fio condutor o Rio berço da terra Natal. A constatação de que quanto mais inseridos no processo de globalização mais apartados de nossa história, nos instigou a realizar uma abordagem multidisciplinar norteado pelo pertencimento e identidade com o Rio “Potengi Amado”: visões míticas, alumbramentos de poetas e escritores, sem esquecer da brutal realidade ambiental.
Nas comemorações do dia 14 de março deste ano você foi homenageado pela Fundação José Augusto. Como você recebeu este reconhecimento?
Se eu não merecesse a homenagem não aceitaria. Porém, não posso agir com falsa modéstia. Não tenho a pretensão de comentar a essencialidade da minha poesia para a literatura do Estado, isso o tempo julgará. Agora, com relação as comemorações do Dia da Poesia, sou ciente de minha contribuição histórica. Posso, inclusive, citar outros dois poetas de relevância: Dunga e Pedro Pereira. In memorian lembro o desabafo do Rei Vassalo prof. Melquíades (integrante do “Clube dos Inocentes” junto com Cascudo): quem quiser me prestar uma homenagem que seja em vida. Deixarei escrito e registrado em testamento e cartório que não poderão usar meu nome para grupo escolar, de logradouro ou rua, ficando proibido a minha alma baixar em centro espírita e/ou terreiro de umbanda! Esse ano, a comemoração foi supimpa, uma efervescência massa, como aquela visão oswaldiana: sob a cidade flutuava a bandeira do por vir. Faltou maior destaque dos quarenta anos do poema processo, um poema exportação, que foi além dos fronts invertendo o fluxo de dependência cultural, a produção de uma arte livre. Em consonância, construí alguns “ready mades”, ao estilo Duchampiano dadaísta: Bibelôs & Parangolés, metalinguagens poéticas. Entretanto, prefiro quando realizávamos as comemorações sem “palanques” oficialescos. Vesti uma kafita negra com o poema “Signo” de Dailor Varela (1967) e ensandecido desafinei no coro dos (des)contentes.
Você já foi eleito pelos artistas para os Conselhos de Cultura do Município (97/98) e do Estado (2003 à atualidade), o que você acha destes instrumentos de incentivo a produção cultural?
A primeira Lei de incentivo á produção cultural da República brasileira foi feita aqui no nosso Estado, em março de 1900, sugerido por Henrique Castriciano ao governador Alberto Maranhão, que ficou conhecido como o mecenas das artes potiguares. Em 97, numa disputa duríssima contra o produtor cultural Ayres Marques, venci a disputa para conselheiro da Lei do Profinc. É bom ressaltar que nunca a cultura potiguar fez-se tão efervescente e profícua: lançamentos de livros, CDs, peças, produtores e artistas podendo ganhar com sua labuta. Mas, a prefeita por revanchismo (alcunha de Lei Mineiro) ou pura soberba, extinguiu a mesma com ajuda do Poder Legislativo num fatídico junho de 97. No seu lugar criou a Lei Djalma Maranhão que passou cinco anos para poder dar certo. Em 2003, numa disputa menos acirrada fui eleito para o conselho da Lei Câmara Cascudo. A modernidade traz consigo o dilema do papel estatal e seu imbricamento com a Arte. Do Mecenato clássico, inspirador dos dogmas católicos, onde havia cumplicidade assistencialista/ideológica; passando no início do século XIX para o patrocínio, consolidado em meados do XX com o Marketing Cultural, que juntou interesses corporativos e mercadológicos. Recentemente, o Estado oferece benefícios fiscais instituindo o “investimento incentivado” - através das leis de incentivos. A lógica do mercado substitui a política pública. A questão é: como se dá a transferência dos recursos públicos? O Estado deve ser isentado de quais obrigações? Como fica a produção artística não convencional, experimental ou não-comercial? No lugar de artes expressivas, arremedos reprodutivos e repetitivos; ao invés de arte-criação, eventos efêmeros. Antes da experimentação, a consagração na fútil moda. Na civilidade da televisão, valores transgênicos incutidos numa pós-modernidade centrada no consumo e no lazer. O que podemos inferir é que em nosso estado as leis carecem de revisão! O mais preocupante é que o Estado deixou o mecenato e de ser patrocinador, mas continua participando da cena. Pior, está interferindo na captação de recursos. Artistas e produtores reclamam, pois, quando aprovam os projetos, não conseguem captar. Eis uma luta injusta, desigual e capciosa. Quem o diretor da Cosern, Telemar vai receber um representante com chancela de instituição oficial do governo ou o poeta Jackson Garrido do morro de Mãe Luiza? A esposa de um senador da República ou o excrachado Paulo Augusto da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins? Acredito que não devemos ter cadeiras cativas, projetos que se perpetuam anos após anos, pagos com o dinheiro do contribuinte. Eventos de um dia com custos exorbitantes, na casa dos seiscentos mil reais, a indústria dos carnavais, projetos já pagos onde são cobrados entradas e/ou camisetas caríssimas. Em minha opinião, a essência da Lei é democratizar o acesso à produção, pulverizar os recursos, não apenas contemplar os mesmo projetos indefinidamente. Cria tetos para os projetos. Minha postura foi de aprovar projetos que fossem estruturantes que tivessem pertencimento e identidade cultural. Por tal postura minha lista de desafetos aumentou consideravelmente.
Fale um pouco sobre o seu próximo trabalho que está no prelo, afinal tem mais de cinco anos que você não publica nada.
A idéia consiste em exercitar todas as nuances da palavra: verbi-voco-visual. Em quatro movimentos, Panaroma no Kaos - um extudo da poética -, funda-se com Logopéicos poemas curtos, “humor/rumor”, insights filosóficos, pseudos Hai-Kais. Na busca do biscoito fino oswaldiano, comprimidos de poesias, não para a massa, mas para iniciados. Onde o leitor, interlocutor interativo atribuirá sentido através do próprio logos, transcriando-os, mediante sua singular cognição. Num segundo instante, a experiência se dá no imbricamento “Fanopéico”. Seguindo a tradição estética potiguar, poemas visuais, repondo a processualidade concreta destas paragens, da “Rede Suspensa” do Jorge Fernandes aos processos do Dailor, Anchieta, Nei Leandro, Falves, Jota, A. de Araújo, desembocando no seio da poesia-invenção... No limiar “Melopéico”, rebuscamos a linearidade do alfabetofício. Uma leitura, uma grafia, dos espaços imagéticos da Cidade do Prazer, híbrida: musa e puta da inspiração cotidiana. O habitat revisitado como útero primogênito. Identidade com o chão, nativismo de Itajubá, Manuel Dantas, Othoniel Menezes... Concluindo, “Pauta Ulterior” converge a pseudos ensaios publicados nos jornais da Província. (Re)leituras antropológicas, denotadas em antropofágicos textos, deglutidos num sublime caso de amor (como diria Jomar Muniz de Britto): Antônio de Melo e Souza, Manuel Dantas, Ruben Alves, Niesztche, Chauí, José Martins de Souza, Eli Celso, Erza Pound, Platão, Cascudo... Contextualizações históricas e dialeticamente histéricas, angulações do simulacro polético do Estado. Abordagens ensandecidas sobre a totalidade: produção, distribuição e consumo do fazer artístico, as interfaces da cultura com: a educação, o território, a arte, o meio ambiente, a política, a economia, tecnologia turismo (e sustentabilidade do lugar)... Enfim, há vinte anos sem se lançar na aventura de um livro, o medo inaudito do ridículo relevou o tempo, eis “Panaroma no Kaos”, um bibelô poético que instiga o tênue limite entre o ser (ou não ser) poesia, concomitantemente, celebra a tal Poesia em todas as (im)possibilidades da palavra escrita, olhada, tateada, sacramentada, e nas entrelinhas: esculpida, esbravejada, sacada, lavrada, escancarada.
Plínio Sanderson Saldanha Monte é antropólogo, geógrafo, professor, poeta, animador cultural, assistente parlamentar da Assembléia Legislativa do RN e membro eleito do Conselho Estadual de Cultura (comissão da Lei Câmara Cascudo). Nascido em Caicó, no ano da graça de 63, mora em Natal desde as primeiras letras no Colégio Salesiano São José.
Começou na carreira literária publicando seus poemas em coletâneas nos livros “Ainda Estamos Vivos”, em 1981 e “Cio Poético”, em 1982. Em 1983, publica seu primeiro livro individual “Atresia” (1983), uma edição mimeografada pelo próprio poeta. E o segundo “Afetart”, em 1985.
Plínio Sanderson foi um dos articuladores do movimento “14 de Março”, quando se comemora o Dia Nacional da Poesia em Natal. Depois de dirigir a peça teatral “Auto de Lusitânia”, de Gil Vicente e ter coordenado vários festivais de artes. O poeta Plínio foi laureado duas vezes, em 1986, conquistou o primeiro lugar no 3º Festival de Poesia da UFRN (ganhando também o prêmio de melhor performance) e grande vencedor do prêmio Othoniel Menezes de poesia, promovida pela Fundação Capitania das Artes, em 2003, como o livro inédito “Inspiral – um estudo da poética”.
O encontro para essa entrevista foi em pleno Beco da Lama, reduto cultural natalense, numa bela tarde de um sábado azul.
Em que momento na sua vida juvenil você despertou para as Letras? E qual é a sua formação poética?
A busca pela palavra surge com a esquerdofrênia juvenil. Espécie de escárnio e revolta de todo jovem. Filho do silêncio, parido em plena ditadura militar, nasci em 63. Ainda quando fazia o ensino secundário, estudava em colégios de padres e freiras e sentia na carne a necessidade de me indignar contra todo o contexto social vigente e a primeira manifestação da poesia, para mim, desabrochou nessa catarse poético-existencial.
Quem mais o influenciou na Literatura Universal?
Quando comecei a escrever, imbuído por essa necessidade premente de exprimir uma indignação doída, não tinha nenhuma informação poética, não havia lido poetas de quaisquer vertentes. Tinha uma informação limitada e percebi que deveria buscar entender a literatura universal, brasileira, regional e potiguar. E isso foi uma perda imensa. A partir do momento que comecei a tomar consciência do mundo literário, lendo, pesquisando, comecei concomitantemente a tolher minha criatividade - o medo do vexame vem à tona. Me sentia mais poeta quando não possuía informação nenhuma e as coisas saiam naturalmente, sem preocupações estéticas. Uma auto censura me assolava: isso é Maiakóvisk? Isso é Rimbaud? seria Oswald de Andrade? Ao se interar sobre a produção da literatura universal, terminamos tendo uma preocupação de fugir dos arquétipos impressos. Pra ter um estilo, é primordial algo que o particularize, e assim, iniciei uma busca desenfreada por uma forma peculiar de escreviver. A posse de informações me levou a romper com a palavra escrita linearmente. A busca pela modernidade na poesia. Percebi que era fundamental o exercício das três dimensões da palavra: verbal-sonora-visual. A partir daí comunguei com a idéia de que a poesia era uma coisa muito mais complexa de que apenas um estado de espírito, um momento de revolta. A palavra se concretiza a cada letra, cada sêmia com um peso, uma história. Os teóricos da semiótica apregoam que todo o sistema repousa sobre o princípio arbitrário do signo - e esse signo em última instância é a letra. Tudo se resume a isso. Passei pelos Campos Concretos (das Galáxias aos Noigrandes) e suas traduções, Ezra Pound, Mallarmè, Rimbaud, Mário Faustino (Poesia Experiência), Mário de Andrade, Jorge Mautner, Drummond, Baudelaire, Bandeira, Augusto dos Anjos. Quem me consubstanciou nessa aglutinação de (in)formações literárias foi o videomaker Augusto Luís, que tem uma biblioteca interessantíssima. Isso fez com que vislumbrasse as veredas e encruzilhadas da literatura tentando descobrir uma vertente de poesia original.
Quem eram as pessoas de sua convivência, no início da sua produção poética em 79? Nessa época, quais eram os alumbramentos para se produzir versos?
Interessante é o que definia a nossa poesia. Éramos rotulados de poetas marginais. O desbunde da chamada “Geração Alternativa”. Não era aquela idéia glauberiana de uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, mas a possibilidade de botar na rua a palavra registrada e lavrada. Em Natal, esse Movimento se constituiu num fazer poético arrebatador. Um Movimento urbano (a cidade perdia o ar bucólico, acabrunhado e se inseria na nova urbanização litorânea do nordeste brasileiro) de poesia, tinha Cleudo Freire, Venâncio Pinheiro e grupo Aluá, os livros alternativos de uma trupe imensa/intensa como: Harrison Gurgel, Sofia Gosson, Vicente Vitoriano, João da Rua, Antônio Ronaldo, Novenil, Aluízio Mathias. Havia a concreta possibilidade de fazer arte com nossas próprias mãos e meios de produção. Era uma postura gostosamente “romântica”. Tínhamos que batalhar uma resma de papel aqui, um estêncil acolá; Essa rapaziada nos despertou a pragmatização da arte via nossa própria iniciativa, sem depender das instituições. O jornalista Moura Neto, o músico Marcerlus Bruce (um dos criadores da banda que fez muito sucesso na cidade - Fluídos), as poetas Kátia Leonila e Isabela Garcia, o Tronxo, éramos uma plêiade de jovens ingenuamente utópicos. Caímos na labuta e fomos à luta. O primeiro livro tem um nome muito sugestivo “Ainda Estamos Vivos”, era a explosão de um grito calado, oprimido. Esse foi meu primeiro livro, uma coletânea, que era à tônica em voga naquela época da produção mimeógrafo/marginal. O segundo livro um ano depois, novamente uma coletânea, com as mesmas personas anteriores, e entrando no circuito o dândi-advogado Wellington Dantas, que veio agregar com uma poesia non-sense. Eclodimos um segundo livro “Cio Poético”. O primeiro individual foi “Atresia”, em 83 e em 85 lanço “Afetart”, um livro de artista ou conceitual, páginas com buracos de fogo. Começo irremediavelmente exercitar além da palavra, a fragmentação, a clivagem, introduzindo elementos/objetos no próprio livro (vide o Dadaísmo). O livro causou um grande impacto no meio e até hoje repercute. Recentemente, na coluna Geléia da Becolândia (no blog Grande Ponto) o colaborador Maurício Grounge, cita-o.
Essa sua forma de fazer poesia não linear, sem sonetos, sem essa preocupação purista, é uma marca poética sua?
De 1986 até 2002, deixei de escrever poesias lineares, onde as palavras significam o que elas dizem. Pra mim, a poesia é importante quando há o exercício do logos, do raciocínio, da razão. Quando a palavra existe podendo ou não significar o que ela traduz. Busco esse exercício. Pra mim, esse exercício da palavra, enquanto jogo lúdico é essencial. “Vai leitor / procurar na esquina / a rima”! A poética torna-se uma interação, o resultado depende da cognição do interlocutor, esse é meu desafio. A minha poesia é para iniciados. Você vê, lê e questiona: isso é poesia? Que danado é isso? Em 1986, ganhei o 3º Festival de Poesia da UFRN, foi o prêmio mais alto pago na arte do Rio Grande do Norte, ganhei 13 mil dinheiros da época, ganhei dez mil pela melhor poesia e três mil como melhor performance - tive o auxílio luxuoso do Pedro Peralta Pereira, grande e performático irmão. A poesia “Vislumbrâncias pó tiguares” é interessante. Nele as palavras não vão significar o que elas dizem. É um poema que ninguém entendeu, mas todo mundo curtiu pela sonoridade metálica das palavras. Foi insofismavelmente a poesia vencedora. Na hora da premiação, continuei fazendo “performance”: 5º lugar Fulano, 4º lugar Beltrano etc., e no 1º lugar: à plenos pulmões gritei que eram cartas marcadas, que não podia ganhar esse prêmio, pois quem estava apresentando o evento era o jornalista Ciro Pedroza, que me boicotou no Festival de Artes de 85, quando realizaria a performance “Sete Aureolas Para Nossa Ociocidade Natal Letal”, de 01 hora e meia, investi todo meu 13º salário e simplesmente não deixaram me apresentar, desligaram o microfone, censura braba. Foi um frenesi, joguei ovo no público, arremessei tinta, invertendo o processo de repúdio. Em vez de o público ir contra o artista, o artista enfureceu-se contra o público e o escambau. Entrou polícia, acabou com a noite do Festival de Arte. Enfim, o cara que me boicotou um ano antes, teve que me dar o prêmio de campeão da Poesia e de melhor performance. Denunciei-o ensandecidamente em público. A jornalista Rejane Cardoso escreveu um artigo no Jornal Dois Pontos narrando o fato hilário.
Você falou agora a pouco da geração marginal, da geração do mimeógrafo. Dessa geração, você traz alguma coisa pra poesia de hoje?
Tudo! A irreverência contra o tal lirismo comedido que se referia Manuel Bandeira, esse não comprometimento com nenhuma regra, o escárnio pela métrica, pela rima, tudo isso. A experimentação que sugeria o título do movimento se consolidava, Alternativa e Marginal. Meus últimos poemas minimalistas ainda são reminiscências disso. Entre a poesia de Leminski e os comprimidos poéticos do Oswald de Andrade, exemplifico: “Freudiet: o poeta passou da fase anal/ na agora num repente oral/ vomita poemas para um boquiaberto público”. Fazer blague. A poesia como exercício, como jogo prazeroso. Como dor de cotovelo, sentimentalismos e estágios da alma, não!
Se ganha dinheiro com poesia ou é só diletantismo?
Sou do tempo em que a poesia era pura necessidade de expressão. Ainda me sinto ligado a essa produção “romântica”. Porém, faturei alguma grana com poesia. Esse prêmio de 13 mil da UFRN/ FIERN. Ganhei Othoniel Menezes (2003). Recebi alguns cachês para organizar Festivais de Artes do Natal. Não acredito que a poesia seja construída pela perspectiva do dinheiro ou mesmo do reconhecimento. Acho que hoje é possível. A partir da radicalização dos meios informacionais contemporâneos nessa sociedade técnica-científica-informacional, com a famigerada mídia tão onipresente dá para ganhar dinheiro. Há possibilidade real de produzir um livro com pouco dinheiro no empreendimento, podendo, inclusive, ser feito em casa e obter lucro. Claro, se nós poetas fossemos mais pragmáticos. Ao contrário do que o senso comum defende, o poeta não é o sonhador, o poeta, etimologicamente, é aquele que faz, realiza. A poesia, como dizia o Mário Faustino, tem a função de comover, deleitar e transformar. Exercito a poesia como instrumento de transformação. Utilizo arte, essa ação que permeia todas as entranhas da vida social do cidadão, como instrumento de fazer revolução. A “Revolução Amarela” que se referia o cineasta Augusto Ribeiro Jr. (cineasta de Boi de Prata). O próprio Mauro Faustino afirmava categoricamente: o poeta é aquele que sente na pele a necessidade de experimentar; para mim a poesia é isso, l-i-t-e-r-a-l-m-e-n-t-e.
Em 1988, durante a 2ª Feira de Sebos de Natal, você fez uma performance algemado na praça com o titulo de “Artista em Cativeiro”. Como se deu essa performance? E qual o objetivo?
Em Natal, naquela época, engatinhava um movimento idealizado pelo jornalista e produtor cultural Dorian Lima, chamado “Poetas de Plantão”. Em contrapartida, eu defendia os “Poetas de Platão”, mas ficou mesmo “Poetas de Plantão”. A idéia era ocupar os espaços. Durante a Feira de Sebos percebemos que Natal estava passando por um processo de estagnação, sonambulismo cultural. Os órgãos públicos estavam inertes. Não acontecia nada, uma vacância na política pública cultural, triste realidade que infelizmente ainda impera no nosso Estado e Município. Numa postura anárquica, me algemei por dez horas na praça André de Albuquerque, dizendo que era poesia, era arte. Quem me algemou foi um cara de fraque (poeta soteropolitano Alberon Soares), representando o “dono” da TV Globo, responsável pela falta de criatividade, pela falta de informação coletiva, e em cativeiro, ficava gritando à população transeunte: o senhor é contra a arte? Contra a poesia? Então me solte. Solte a arte, solte a poesia. Só não fomos presos, porque já estávamos presos. A Polícia Federal esteve lá. Vendemos mais de 150 autógrafos. Algemado e vendendo autógrafos num saco de pipoca onde a assinatura era a digital. É esse tipo de arte que interessa e me seduz. Uma manifestação que faz as pessoas pensarem, refletirem. A arte só importa quando faz despertar consciência, questiona, critica. Esse evento foi interessante, cheguei a perder o emprego no Colégio Ferro Cardoso, que era em frente ao evento. O chefe vaticinou: preciso de um professor de artes, não de um artista professor. No Diário de Natal, um jornalista publicou que tal atitude valia mais que todas as atividades desenvolvidas pela Fundação José Augusto durante um ano inteiro.
Essa sua característica de misturar performance com poesia é uma coisa sua? Fale sobre alguns momentos marcantes onde esses desempenhos poéticos encantaram?
Essa junção de várias artes: poesia, teatro, plástica, música, foi introduzida pelo Jota Medeiros, exemplo que “os artistas são as antenas da raça”. Já pintamos a Ponta do Morcego, com tintas laváveis e efêmeras, que seria esmaecida com o tempo pelo ir e vir incessante das marés. Uma manifestação plástica, mas também poética. O Rimbaud defendia que cada letra tem um peso cromático. Noutra, convocamos os poetas da cidade, um dia anterior ao 14 de março no bar do jornalista Miranda Sá, o memorável “Mintchura”, epicentro da intelectualidade de Natal nos anos 80 e realizamos o projeto “Oferendas Poéticas”. Foram mais de 600 garrafas (de uma cerveja Kaiser, on way), jogadas ao mar. Cada uma continha uma poesia, celebrava o Dia Nacional da Poesia e avisava para entrar em contato. Essa performance realizei outras vezes no âmbito escolar. Levei meus alunos para vivenciarem esse happening que deu primeira página da Tribuna do Norte com foto colorida imensa. Pensamos o 1º pic-nic dos artistas, na Praia dos Artistas, mas não deu nada certo. Naquela época, o governo assumia o poder no 15 de março. Ia assumir Geraldo Melo, haviam cinco palcos, nosso som foi armado num palco que não era o certo. Caiu uma tremenda tromba d’água em Natal, não foi possível realizar o 1º pic-nic dos artistas na Praia dos Artistas e nós levamos toda a farofada lá pra casa e fizemos uma festa que durou três dias: Carlos de Sousa, Moura Neto, Jota Medeiros, Pedro Pereira, Augusto Luis, enfim, uma gama de Poetas e convivas. A performance do “Bode Cultural” foi uma performance também enigmática. Eu tinha escrito o chamamento do “O 1º Pic-nic dos Artistas na Praia dos Artistas” enviado para os jornais, o jornalista, Woden Madruga escreveu: “olha, não consigo entender non-nada, vou mandar na integra. E botou embaixo um PS “Será que esses poetas já leram Fernando Pessoa”? Fiquei irado. Mandei como resposta uma “Ode ao Woden”, que nunca foi editado. Por causa da “Ode”, passei 4 anos proscrito das páginas da Tribuna do Norte. Mesmo com amigos na editoria, não passaram de jeito nenhum os meus textos, no único espaço livre para publicar artigos. Por isso, sugerimos para o Dia da Poesia fazer a passeata contra o bode cultural. “Sr Woden Madruga, um bode poente”. O Sr. Woden Madruga foi o cara que mais habitou a torre de marfim do poder cultural do Rio Grande do Norte: 2 anos com Garibaldi Alves (prefeito), 4 com Geraldo Melo e mais 8 de Garibaldi (governadores), são 14 anos na cultura. Ele se enclausurou inutilmente no castelo do poder da Fundação José Augusto. Isso ficou claro quando na Câmara Municipal do Natal, em homenagem ao Dia da Poesia de 2003, foi dito pelo presidente da Capitania das Artes (Rinaldo de Barros), que Madruga nunca recebe-o, assim como também não recebia o pessoal do NAC/UFRN (Ângela Almeida). Está lá, gravado na Câmara Municipal. Eu e o sebista/editor Abimael Silva, capitaneamos a arrecadação e saímos com um bode imenso nas ruas, dezenas de pessoas seguiam passeata “O Bode da Cultura”; “Desamarre o Bode, Woden”. Foi um sucesso retumbante. O bode foi posteriormente comido em pajelança poética. No início dos anos 90, mesmo cansado de lutar contra a maré e querendo passar a bola, continuei bancando a comemoração, gastando os últimos tostões que me arranhavam os bolsos. A gente enjaulou, o último poeta marginal de Natal, o Carlos Astral, tive que roubar o garajau da vizinha de minha ex-sogra. Nesse ano o Collor de Melo ia assumir o poder no dia 15 de março, eu e poeta Pedro Pereira, pintamos a ladeira da Rio Branco de branco, na madrugada, e brincando com o mote fizemos o “Dia da Poesia in Collor”, em passeata fomos até a ladeira e jogamos bombas de tinta em sacos plásticos com os carros atropelando-os e fazendo escorrer a tinta ladeira a baixo. Foi outro evento plasticamente interessante.
Você é um dos idealizadores e precursores da manifestação do 14 de março em Natal, o Dia da Poesia. Como se deu essa evocação de exaltar a poesia anualmente? Por onde começou isso?
Iniciei no movimento poético de Natal no 14 de março de 81, na passeata “pega poeta” que reuniu onze malucos. Esse movimento já vinha desde 78. O Movimento surgido como sussurro de evento vindo de Recife e também do pessoal da Poesia na Praça Castro Alves, em Salvador. Natal entrou nesse esquema. Só que aqui essa data se consolidou. Natal é a única capital do Brasil em que se comemora efetivamente a data magna. Gera o maior buxixo, um frisson na mídia. Graças à criatividade dos poetas celebrando o dia da poesia de maneiras inusitadas. Nesses dias, a poesia deixa de ser apenas coisa escrita, que cabe num livro, sendo exercida plenamente na oralidade. Os poetas recitam, deliram, blasfemam, isso fez despertar em mim os horizontes da poesia falada. Tenho um poema que diz: “Vivo a poesia de ser o que SOA”. Não o que SOU, mas, o que SOA. Descobri que é fundamental a poesia enquanto forma de mudar a maneira de pensar as coisas, inclusive da própria palavra - o exercício nato da poesia. A inquietude na busca pelo novo. O Dia da Poesia em Natal se revela como tradição, aquilo que se perpetua no imaginário. São quase 30 anos desse exercício poético. Contemporaneiguarmente, se há uma tradição cultural em Natalópoles é o Dia da Poesia. Ao contrário dessa preguiça macunaímica mítica do brasileiro, que deixa tudo para primeira segunda-feira depois do carnaval, no Rio Grande sem Sorte tem uma reca de obstinados poetas que exercitam um outro calendário, o ano só começa na primeira segunda-feira depois do dia 14 de março.
Alguns teóricos da comunicação, como Antônio Cândido e Roland Barthes, defendem que na poesia não existe tanta inspiração, existe mais a criação pensada e a inspiração fica em segundo plano. Você vê a criação poética dessa maneira? Como é seu processo de criação?
Com certeza. Quando eu falei sobre vislumbrancias pó tiguares, onde ninguém entendeu nada, mas todos acharam que deveria ganhar, pois era um poema metálico, sonoro, não significa nada, a princípio. Mas se o freguês tivesse uma maior acuidade, ele perceberia que foi construído matematicamente em laboratório: um/cinco, um/quatro, um/três, um/dois e dois/um; uma estrutura articulada onde cada palavra, cada sílaba, se imbricam num código lógico, como na comunicação do código Morse. Não faço rima, nunca gostei, acho até uma coisa chata, pobre, limitada. Gosto na palavra da sonoridade. Pra mim poesia é nada que se repete, tudo que se transforma. Cada dia que se lê uma poesia, uma nova leitura daquela mesma poesia. Com as palavras expostas de forma linear, todas as vezes que se lê, ela vai repetitivamente ser a mesma coisa. Sacal e finita.
Anchieta Fernandes cita você numa entrevista ao jornal Dois Pontos como sendo um poeta completo dentro do poeta processo. Qual a sua influencia, qual a sua relação com a poesia concreta e o poema processo?
Quando eu comecei a aglutinar, catalisar informações sobre a literatura e vi a produção poética dos irmãos Campos e do Décio Pignatari, fiquei louco, pensei: “isso é inteligente”. Levar a palavra até às últimas conseqüências. Um exercício sublime da palavra. Quando vi a poesia concreta, as traduções dos irmãos Campos dos clássicos, o James Joyce, disse: “vou ficar por aqui, isso me instiga”. E partir daí fiquei com essa preocupação de ir além, a palavra além da simplória aparência. Entretanto, é interessante citar que em 1996, o crítico e professor Tarcísio Gurgel, no livro do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Anais do Módulo Zero – Leitura: Linguagem, Sociedade e Cidadania) analisando a Poesia Marginal recobra a vocação da oralidade e afirma: “Natal, aliás tem um magnífico poeta nesse sentido é o nosso Plínio Sanderson”. Portanto, a minha poética transita desde a construção material/mental até desembocar na fluidez da palavra recitada.
Em 2003, você foi o vencedor do premio Othoniel Menezes, concedido pela Prefeitura de Natal, através da Capitania das Artes. Como foi ganhar esse reconhecimento de “poeta oficial”?
Interessante porque de 86 até 2001, eu radicalmente me negava a fazer poesia linear. Escrevia textos nos jornais sobre política cultural, textos densos, complicados, também para iniciados, nem todo mundo entendia: prolixo? hermétic? Como educador, entrei no curso de Geografia, o que me deu subsídios para ler o texto impresso nas paisagens. Comecei a ter uma recaída belletrista, nuances Ferreiraitajubanas. Descobrir a geografia do meu pedaço, o “genius loci”, a magia do lugar que habito. Passei a escrever textos épicos, sabia que com minhas poesias irrequietas, não ganharia prêmio nenhum. Ai pintou alguns poemas épicos: sobre o Beco da Lama, sobre Santa Rita, e pensei, isso dá pra ganhar, é nativista, tem raíz. Formatei um livro muito interessante, um estudo da poética. A partir da idéia Poudeiana que separa a poesia em três dimensões: a Logopéia: A dança do intelecto entre as palavras. O emprego das palavras não apenas em seu significado direto, porém, levando em conta os hábitos, seus concomitantes habituais, seu jogo irônico; a Fanopéia: Imaginismo: não apenas a imagem parada, mas também a imagem tal como se apresenta ao “olho mental” em movimento. O poema é antes de tudo algo que se faz, não apenas algo que se diz; e a Melopéia: épica é a poesia que contém história. Cantares de sua terra. Esse exercício foi mais transpiração do que inspiração e ganhei o 33º prêmio Othoniel, no dia do meu aniversário de 40 anos estava estampada nos jornais a notícia do prêmio. Agora, poeta oficial é quando se é aceito pelo establisment, e acredito que um artista não deve jamais se submeter a qualquer podre poder.
Numa entrevista à revista Papangu, o poeta Moacyr Cirne declarou que só aceitaria um convite da Academia Norte-riograndense de Letras se todos os acadêmicos fossem nus a sua posse. Qual sua opinião sobre a ANL e se você recebesse um convite para pertencer aos quadros da Academia você aceitaria?
Detesto até mesmo recitar poesia quando só há poetas, prefiro, pois é poesia, pois é poesia nas ruas, desmistificando-a, levando-a ao populacho sedento. Acho o fardão uma bobagem que minha vaidade não quer, ignora. O grande poeta Nei Leandro de Castro foi vítima dessa casa fune-literária.
Em sua opinião, o que há de melhor sendo produzido em solo potiguar, incluindo novas e velhas gerações?
Vejo Natal, hoje, meio que uma Babel. Nós temos uma possibilidade de lançar livros rápidos, baratos, temos Abimael Silva, temos as instituições que estão se abrindo. Agora, a produção não tem uma organização palpável. Temos a Associação de Poetas Vivos e Afins, que aglutina, arrebanha uma galera, mas não significa dizer que se constitui num movimento poético efetivo na cidade. Está faltando um azimute. Cabe ao estado começar a nortear uma gestão que apresente a produção literária do estado. Temos “Os Brutos” do poeta José Bezerra Gomes, lá de Currais Novos, que é um livro fantástico. Todos conhecem a exuberância do recôncavo baiano via literatura de Jorge Amado; mas nós temos José Bezerra Gomes, num livro belíssimo, que denota o ciclo do algodão seridoense. Temos uns poetas nativistas fantásticos, os poetas da invenção que foram além da palavra, como A. de Araújo, Venâncio Pinheiro, Falves Silva, Moacyr Cirne, J. Medeiros, acho que está faltando um movimento engajado como existia antigamente. Hoje em dia, não existe isso. Quem faz literatura hoje de boa qualidade cito: Antonio Ronaldo, Pablo Capistrano, Iracema Macedo, Carmem Vasconcelos, Zé Martins, Daniel Michone, Marise de Castro, Antoniel Campos. Na minha vertente, eu colocaria no trono o poeta A. de Araújo.
O Rio Grande do Norte é visto como um Estado que produz muitos poetas e poucos ficcionistas, temos aqui pouquíssimos ficcionistas como Nei Leandro de Castro. Na sua concepção literária, o Rio Grande do Norte produz mais poetas que ficcionistas ou está faltando à ficção no Rio Grande do Norte?
Você sabe que teve uma época em Natal, o Moacyr Cirne coloca no “A poesia e o Poema do RN”, um livro fantástico para quem quer (re)conhecer a literatura potiguar, ele que teve uma época em Natal que a grande maioria da população era poeta. Realidade ilustrada pelo dito popular: em cada esquina um poeta, em todo beco um jornal. Era a belle époque retardatária, quando mesmo com uma poesia geralmente anacrônica, se proclamava o sujeito como poeta. Acho que todos optam pela poesia por ser mais fácil, sem ter um devido cuidado com a língua – a tal “licença poética”. Com relação aos contistas, temos bons nomes, sim. Mas essa preguiça oriunda desse sol escaldante (onde ninguém sonha/ pela preguiça do pensamento em atravessar o rio sob esse sol”), deixa meio torpe e se busca pelo caminho mais fácil. Tinha um grande escritor potiguar que foi duas vezes governador, chamado Antônio de Melo de Souza, que analisando as vicissitudes provincianas no século XIX in “Vida Potiguar” ilustra: “A vida social, colaboração de todos para o bem da coletividade, que resultará o bem de cada um; espírito de solidariedade inquebrantável de todos por um e um por todos, essa vida nós não temos. Sob esse ponto de vista o potiguar é mais adiantado do que os da vanguarda deste século de egoísmo, de individualismo de cada um por si e o diabo que carregue os outros. Além da solidariedade política, não há nenhuma outra. Não há espírito de associação para fim científico ou literário, moral ou religioso, filantrópico ou de mútua beneficência. Além do tempo ao trabalho indispensável para a manutenção própria e da família, ele só dedica uma parte do resto à política”. A pior forma de poder, o imaginário barroco nos deixou de herança o poder oligárquico: NATALVESMAIA. Povo chucro, marcado, condenado à mestiçagem tropical, com sua inferioridade inata: climática-telúrica, asnal-lusitana, católica-humanita. As pessoas têm preguiça, pois para ser um grande cronista ou contista, você tem que ler, ter obrigatoriamente uma considerável bagagem de literatura, tem que ralar. Nós lemos muito pouco. E essa preguiça atrapalha o trabalho.
O jornalista Carlos de Souza escreveu, na Tribuna do Norte, que Natal é uma cidade boçal, beletrista e que produz uma literatura narcisista. Até que ponto isso é verdade?
Acho que Natal é mesmo pedante, besta e equivocada. Faz-se um discurso de cidade moderninha, de Londres Nordestina, mas na verdade, as oligarquias continuam nos assolando. Somos uma sociedade fadada ao estupro cultural. Tudo que vem de fora, tudo que é alienígena nos seduz. A gente não pensa em qualidade, em o que é de relevância. Tudo que vem de fora para o Rio Grande do Norte sempre encheu os olhos da gente. Então essa pseudo-idéia de moderninha é equivocada. Nós não somos bairristas. Infelizmente, pelo contrário. Outrora, Othoniel Menezes, vaticinou à “Jerimulândia” o carma do “pecado original de haver nascido na Esquina do continente”.
O Salão dos Excluídos é uma resposta à ditadura cultural implantada na Capitania das Artes para promover meia dúzia de artistas?
O salão dos excluídos foi uma releitura histórica do “Salão dos Recusados”, Paris (1863), e que desembocou no impressionismo e nas efervescências das vanguardas. O inconformismo abre as portas para emancipação. Em Natal 2006, o “barrados no salão” celebra o oito de maio - “dia do artista plástico”. Onde uma plêiade de artistas, deserdados da vida cotidiana em entrelaçamento de influências e confluências pessoais, num ímpeto de liberdade individual e igualdade social, proclamam contra a receita técnica, o escolhido, o distinto, o excepcional, contra o acabado, contra os cânones hierárquicos e as falsas elegâncias dos salões e vernissagens. Tira as teias esclerosadas dos teus olhos, a arte não é só fruição, mas síntese da essência cultural de um instante histórico. Sem bulas ou encíclicas, Barradas no Salão. Defendo ver a arte com os olhos livres, sem hors-concours ou excluídos! Infelizmente, a administração da FUNCART, encarou como uma jogada da “oposição”, e nos colocou no cartaz da programação oficial e logo depois, mandou retirar os cartazes da rua, imprimindo um outro, retirando o nosso evento. O cúmulo da malversação do erário municipal e do autoritarismo. Ato que se torna corriqueiro nessa malfadada administração. Lembro quando a cantilena era que não há verba, nem mesmo para um mísero aparato de som ou placo, sem cachê, sem mais nada. Agora, a PMN através da Funcarte disponibilizou fartos recursos para trazer shows de cantores nacionais a se apresentarem gratuitamente na zona sul da cidade, num claro proselitismo cultural. Quanto ganha um astro nacional e quanto recebe um artista local? Fazendo censura a músicos da terra vide os casos de Romildo Soares, que convocado por Simone, para cantar uma música de autoria do compositor foi (também) barrado à beira do palco. Ou mesmo a polêmica com Pedrinho Mendes, boicotado dos eventos. É o cúmulo, um absurdo.
O que seria necessário fazer para uma consolidação nacional da literatura potiguar?
Desde 82, atividade turística ainda incipiente defendíamos como zênite: “importar turista e exportar cultura”. Não ficar reféns das belezas naturais, até porque, o tempo profundo consagrou eternidades para esculpi-las e a insensatez do capital é imediatista, impiedosa, sem escrúpulo, perversa e avessa à sustentabilidade do lugar. Gritávamos a plenos pulmões a necessidade de catalogar, resgatar, revitalizar as manifestações populares. Fomentar um movimento em defesa da literatura potiguar começando com uma frente objetivando inserir na grade do ensino médio a disciplina de Literatura Potiguar. Vamos saber quem são nossos nomes. Qual a importância deles no cenário nacional. Qual o estilo de cada um. Nesse sentido há uma carência latente. Com a introdução de literatura potiguar vamos modificar o que o Rio Grande do Norte sabe sobre o próprio Rio Grande do Norte. Quem são nossos poetas? Bons ou ruins. Quem são eles? Vamos desmistificá-los. É fundamental também introduzir na grade curricular além de literatura as disciplinas de história e geografia potiguar. E, principalmente, redigir leis que cobrem em concursos públicos no nosso Estado tais conhecimentos. Nos Estados vizinhos (da Paraíba, Pernambuco, Ceará), os concursos de vestibulares e concursos públicos tem a obrigatoriedade do conhecimento na literatura, história e geografia peculiares. Se o leitor fizer uma pesquisa com os educadores do ensino médio, quase ninguém sabe nada sobre literatura potiguar. Devemos radicalizar e mudar esse quadro desolador. Só assim vamos nos libertar dessa tendência ao estupro cultural que assola nosso Estado. Mais forte são os saberes do povo.
Como professor, você leva a literatura para a sala de aula? Você trabalha a poesia com seus alunos?
A minha formação é de antropólogo, quando comecei a dar aula em 84, eu lecionava filosofia, sociologia e história da arte. A matéria principal era história da arte. Enveredamos no caminho de uma arte educação libertadora e crítica. Eu acredito na arte como forma de enriquecimento de espírito humano. Na área da humanidade, da filosofia e da sociologia vislumbramos o conhecer como totalidade, contextualização do saber. Independente da matéria que esteja lecionando, trabalho com esse intuito. Inclusive o meu exercício na educação não é só sala de aula, realizo projetos de Animação e Marketing Cultural nas escolas, aula de teatro, cine-clube, edição de jornal. A idéia é contextualizar os conteúdos de sala de aula com a nossa identidade potiguar. Conhecer nossos escritores, desvendar nossas paragens, quem cantou-os ou decantou-os em prosas & versos. Jarbas Martins disse: “sobre um céu de ferrugem e salitre nutre o Potengi a sua podre geografia”; recentemente. a partir dessa frase realizamos palestra numa feira de educação no Midway, fragmentos da História e da Geografia potiguar, tendo como fio condutor o Rio berço da terra Natal. A constatação de que quanto mais inseridos no processo de globalização mais apartados de nossa história, nos instigou a realizar uma abordagem multidisciplinar norteado pelo pertencimento e identidade com o Rio “Potengi Amado”: visões míticas, alumbramentos de poetas e escritores, sem esquecer da brutal realidade ambiental.
Nas comemorações do dia 14 de março deste ano você foi homenageado pela Fundação José Augusto. Como você recebeu este reconhecimento?
Se eu não merecesse a homenagem não aceitaria. Porém, não posso agir com falsa modéstia. Não tenho a pretensão de comentar a essencialidade da minha poesia para a literatura do Estado, isso o tempo julgará. Agora, com relação as comemorações do Dia da Poesia, sou ciente de minha contribuição histórica. Posso, inclusive, citar outros dois poetas de relevância: Dunga e Pedro Pereira. In memorian lembro o desabafo do Rei Vassalo prof. Melquíades (integrante do “Clube dos Inocentes” junto com Cascudo): quem quiser me prestar uma homenagem que seja em vida. Deixarei escrito e registrado em testamento e cartório que não poderão usar meu nome para grupo escolar, de logradouro ou rua, ficando proibido a minha alma baixar em centro espírita e/ou terreiro de umbanda! Esse ano, a comemoração foi supimpa, uma efervescência massa, como aquela visão oswaldiana: sob a cidade flutuava a bandeira do por vir. Faltou maior destaque dos quarenta anos do poema processo, um poema exportação, que foi além dos fronts invertendo o fluxo de dependência cultural, a produção de uma arte livre. Em consonância, construí alguns “ready mades”, ao estilo Duchampiano dadaísta: Bibelôs & Parangolés, metalinguagens poéticas. Entretanto, prefiro quando realizávamos as comemorações sem “palanques” oficialescos. Vesti uma kafita negra com o poema “Signo” de Dailor Varela (1967) e ensandecido desafinei no coro dos (des)contentes.
Você já foi eleito pelos artistas para os Conselhos de Cultura do Município (97/98) e do Estado (2003 à atualidade), o que você acha destes instrumentos de incentivo a produção cultural?
A primeira Lei de incentivo á produção cultural da República brasileira foi feita aqui no nosso Estado, em março de 1900, sugerido por Henrique Castriciano ao governador Alberto Maranhão, que ficou conhecido como o mecenas das artes potiguares. Em 97, numa disputa duríssima contra o produtor cultural Ayres Marques, venci a disputa para conselheiro da Lei do Profinc. É bom ressaltar que nunca a cultura potiguar fez-se tão efervescente e profícua: lançamentos de livros, CDs, peças, produtores e artistas podendo ganhar com sua labuta. Mas, a prefeita por revanchismo (alcunha de Lei Mineiro) ou pura soberba, extinguiu a mesma com ajuda do Poder Legislativo num fatídico junho de 97. No seu lugar criou a Lei Djalma Maranhão que passou cinco anos para poder dar certo. Em 2003, numa disputa menos acirrada fui eleito para o conselho da Lei Câmara Cascudo. A modernidade traz consigo o dilema do papel estatal e seu imbricamento com a Arte. Do Mecenato clássico, inspirador dos dogmas católicos, onde havia cumplicidade assistencialista/ideológica; passando no início do século XIX para o patrocínio, consolidado em meados do XX com o Marketing Cultural, que juntou interesses corporativos e mercadológicos. Recentemente, o Estado oferece benefícios fiscais instituindo o “investimento incentivado” - através das leis de incentivos. A lógica do mercado substitui a política pública. A questão é: como se dá a transferência dos recursos públicos? O Estado deve ser isentado de quais obrigações? Como fica a produção artística não convencional, experimental ou não-comercial? No lugar de artes expressivas, arremedos reprodutivos e repetitivos; ao invés de arte-criação, eventos efêmeros. Antes da experimentação, a consagração na fútil moda. Na civilidade da televisão, valores transgênicos incutidos numa pós-modernidade centrada no consumo e no lazer. O que podemos inferir é que em nosso estado as leis carecem de revisão! O mais preocupante é que o Estado deixou o mecenato e de ser patrocinador, mas continua participando da cena. Pior, está interferindo na captação de recursos. Artistas e produtores reclamam, pois, quando aprovam os projetos, não conseguem captar. Eis uma luta injusta, desigual e capciosa. Quem o diretor da Cosern, Telemar vai receber um representante com chancela de instituição oficial do governo ou o poeta Jackson Garrido do morro de Mãe Luiza? A esposa de um senador da República ou o excrachado Paulo Augusto da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins? Acredito que não devemos ter cadeiras cativas, projetos que se perpetuam anos após anos, pagos com o dinheiro do contribuinte. Eventos de um dia com custos exorbitantes, na casa dos seiscentos mil reais, a indústria dos carnavais, projetos já pagos onde são cobrados entradas e/ou camisetas caríssimas. Em minha opinião, a essência da Lei é democratizar o acesso à produção, pulverizar os recursos, não apenas contemplar os mesmo projetos indefinidamente. Cria tetos para os projetos. Minha postura foi de aprovar projetos que fossem estruturantes que tivessem pertencimento e identidade cultural. Por tal postura minha lista de desafetos aumentou consideravelmente.
Fale um pouco sobre o seu próximo trabalho que está no prelo, afinal tem mais de cinco anos que você não publica nada.
A idéia consiste em exercitar todas as nuances da palavra: verbi-voco-visual. Em quatro movimentos, Panaroma no Kaos - um extudo da poética -, funda-se com Logopéicos poemas curtos, “humor/rumor”, insights filosóficos, pseudos Hai-Kais. Na busca do biscoito fino oswaldiano, comprimidos de poesias, não para a massa, mas para iniciados. Onde o leitor, interlocutor interativo atribuirá sentido através do próprio logos, transcriando-os, mediante sua singular cognição. Num segundo instante, a experiência se dá no imbricamento “Fanopéico”. Seguindo a tradição estética potiguar, poemas visuais, repondo a processualidade concreta destas paragens, da “Rede Suspensa” do Jorge Fernandes aos processos do Dailor, Anchieta, Nei Leandro, Falves, Jota, A. de Araújo, desembocando no seio da poesia-invenção... No limiar “Melopéico”, rebuscamos a linearidade do alfabetofício. Uma leitura, uma grafia, dos espaços imagéticos da Cidade do Prazer, híbrida: musa e puta da inspiração cotidiana. O habitat revisitado como útero primogênito. Identidade com o chão, nativismo de Itajubá, Manuel Dantas, Othoniel Menezes... Concluindo, “Pauta Ulterior” converge a pseudos ensaios publicados nos jornais da Província. (Re)leituras antropológicas, denotadas em antropofágicos textos, deglutidos num sublime caso de amor (como diria Jomar Muniz de Britto): Antônio de Melo e Souza, Manuel Dantas, Ruben Alves, Niesztche, Chauí, José Martins de Souza, Eli Celso, Erza Pound, Platão, Cascudo... Contextualizações históricas e dialeticamente histéricas, angulações do simulacro polético do Estado. Abordagens ensandecidas sobre a totalidade: produção, distribuição e consumo do fazer artístico, as interfaces da cultura com: a educação, o território, a arte, o meio ambiente, a política, a economia, tecnologia turismo (e sustentabilidade do lugar)... Enfim, há vinte anos sem se lançar na aventura de um livro, o medo inaudito do ridículo relevou o tempo, eis “Panaroma no Kaos”, um bibelô poético que instiga o tênue limite entre o ser (ou não ser) poesia, concomitantemente, celebra a tal Poesia em todas as (im)possibilidades da palavra escrita, olhada, tateada, sacramentada, e nas entrelinhas: esculpida, esbravejada, sacada, lavrada, escancarada.
3 comentários:
Plínio Sanderson é um dos últimos ancoradouros da cultura potiguar nestes tempos onde a cultura se submete à política e fica à deriva/derivar.
Até quando, nem sabe meu Deus Tupã.
Dunga
Pliiiiinio saaaanderson!!! Oba!Oba!
Plínio Sanderson, meu professor de sociologia, foi mal eim !
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