23 de setembro de 2008

Uma tarde no Beco da Lama

Eduardo Alexandre

Sexta-feira passada, comecinho da tarde em Nazaré.

Eu, numa mesa apertada de calçada devido ao sol, conversava com o monotemático Vatenor, que passava para o almoço:

- E, aí? Fala-se que a Pinacoteca foi toda transferida para a sede do CEDOC?

- Nada. No CEDOC, estamos eu e o Luciano Rock. O acervo está na sala de reserva, no Palácio.

Chega Helmut Cândido e pede a caneta que sobressai-se no bolso da camisa de Vatenor.

O ex-carteiro entra no bar, senta-se, toma um guardanapo de papel e começa a escrever.

Volta e entrega o papel a Vatenor:

- Dois reais.

Vatenor diz que não tem e o poeta-carteiro deixa pra lá:

- O próximo poema você paga. E devolve a caneta do diretor da Pinacoteca do Estado.

Sol descido mais um pouco, forma-se uma mesa, já no calçamento.

Um circunstante noviço no pedaço, também com uma caneta no bolso da camisa, logo é abordado por Helmut, que faz o mesmo pedido e volta à mesa onde estava. Pega outro guardanapo e volta a escrever novo e inédito poema.Volta ao camarada, devolve a caneta e entrega-lhe o papel:

- Dois reais.

O cara lê o poema, dá de ombros e diz:

- Não está muito caro, não?

Helmut esbraveja, toma-lhe o papel e amassa-o, para depois jogá-lo na rua, ao vento.

Fui buscar:

Abusei da autoridade
encontradiça na cidade
e perdida lá nos campos!

Mesmo até os pirilampos
perderam o brilho do olhar!

Cegos ficaram
e pelos campos foram-se
para não mais voltar.

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