Eduardo Alexandre
Sexta-feira passada, comecinho da tarde em Nazaré.
Eu, numa mesa apertada de calçada devido ao sol, conversava com o monotemático Vatenor, que passava para o almoço:
- E, aí? Fala-se que a Pinacoteca foi toda transferida para a sede do CEDOC?
- Nada. No CEDOC, estamos eu e o Luciano Rock. O acervo está na sala de reserva, no Palácio.
Chega Helmut Cândido e pede a caneta que sobressai-se no bolso da camisa de Vatenor.
O ex-carteiro entra no bar, senta-se, toma um guardanapo de papel e começa a escrever.
Volta e entrega o papel a Vatenor:
- Dois reais.
Vatenor diz que não tem e o poeta-carteiro deixa pra lá:
- O próximo poema você paga. E devolve a caneta do diretor da Pinacoteca do Estado.
Sol descido mais um pouco, forma-se uma mesa, já no calçamento.
Um circunstante noviço no pedaço, também com uma caneta no bolso da camisa, logo é abordado por Helmut, que faz o mesmo pedido e volta à mesa onde estava. Pega outro guardanapo e volta a escrever novo e inédito poema.Volta ao camarada, devolve a caneta e entrega-lhe o papel:
- Dois reais.
O cara lê o poema, dá de ombros e diz:
- Não está muito caro, não?
Helmut esbraveja, toma-lhe o papel e amassa-o, para depois jogá-lo na rua, ao vento.
Fui buscar:
Abusei da autoridade
encontradiça na cidade
e perdida lá nos campos!
Mesmo até os pirilampos
perderam o brilho do olhar!
Cegos ficaram
e pelos campos foram-se
para não mais voltar.
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