13 de abril de 2009

Francofonia, Diversidade e Desenvolvimento

ARTIGO

Dr. Patrick Dahlet
Adido de Cooperação Educativa
Embaixada da França no Brasil

Cada um concebe e pode definir o que é um francófono – uma pessoa que entende e fala mais ou menos fluentemente o francês –, mas frequentemente com dificuldade para compreender a que se refere o termo “Francofonia”. Isto porque a Francofonia significa ao mesmo tempo muito menos e muito mais do que ser francófono.

Muito menos porque, mesmo reunindo 700 milhões de habitantes no espaço francófono, o francês é atualmente “apenas” a nona língua do mundo, falada por aproximadamente 260 milhões de pessoas, das quais 120 milhões de francófonos e 140 milhões de francófonos parciais. Muito mais também porque a Francofonia designa um conceito geopolítico original que ultrapassa largamente sua referência linguística : é o sentimento de uma pertença comum de povos de línguas e culturas diferentes, sustentado pela reivindicação da copropriedade de uma língua francesa repartida e com uso institucional nos cinco continentes.

Mas voltemos um pouco ao nascimento da palavra para melhor entendermos os avanços do conceito. É a Onézime Reclus, menos conhecido do que seu irmão Elisée, autor de uma geografia universal, que se deve a criação da palavra em 1880 : “aceitamos como francófonos todos aqueles que são ou parecem destinados a permanecer ou a tornar-se participantes de nossa língua” (cf. O. Reclus, França, Argélia e Colonização, Hachette, 1880). Depois de um eclipse de mais de meio século, o termo “Francofonia” é reativado num número da revista Esprit e imposto em 1962 pelos chefes de estado estrangeiros – pois, ao contrário do que se pensa comumente, a Francofonia não é uma idéia francesa –, entre os quais Léopold Sedar Senghor, Habib Bourguiba e Norodom Sihanouk, que o preferem ao termo “francité” ou à expressão “Commonwealth à la française”. Em continuidade, é criada em 1970, em Niamei (Níger), a Agência de Cooperação Cultural e Técnica (ACCT), primeira estrutura intergovernamental da Francofonia. Mas a real institucionalização do espaço data de 1986, com a realização em Paris da primeira cúpula dos “países que partilham o uso do francês”. Enfim, um passo decisivo é cumprido com a criação, em 1997, durante a sétima cúpula em Hanói (Vietnã), do posto de Secretário Geral da Organização Internacional da Francofonia (OIF).

A ampliação constante da Francofonia demonstra seu interesse e sua audiência no mundo : enquanto em 1969 28 países participam da primeira conferência intergovernamental, a OIF reúne hoje em dia 70 países, dos quais 56 membros e 14 observadores, com origens e culturas muito variadas. Assim, dentre os países membros com embaixadas em Brasília estão Bélgica, Benin, Bulgária, Cabo Verde, Camarões, Canadá, Costa do Marfim, Egito, França, Gabão, Gana, Grécia, Guiné, Guiné Equatorial, Haiti, Líbano, Marrocos, República Democrática do Congo, Romênia, Suíça, Tunísia e Vietnã. Dentre os observadores, encontram-se países tão diferentes como Áustria, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Moçambique, Polônia, República Tcheca, Sérvia, Tailândia e Ucrânia.

Pela mediação do francês, língua em comum, a OIF realiza uma cooperação multiforme, principalmente nos campos da cultura, da educação e da saúde. Mas, além desta cooperação para um desenvolvimento solidário, a originalidade da organização francófona tem como atributo não corresponder a nenhuma das configurações clássicas do jurídico e do governamental. E é o que incomoda talvez, também, os defensores da arquitetura de um hipermercado mundial para regular o desejo humano. Nem território, nem mercado, nem união (supra) nacional, e muito menos potência militar, a Francofonia é, de fato, uma composição geocultural móvel, que enraíza o econômico e o institucional numa coalizão de identidades e culturas muito distintas, em torno de uma língua de intercompreensão em comum, à distância de qualquer disposição uniformizante.

É um fato totalmente inédito nas relações internacionais. A OIF é a única organização internacional dotada de um real poder econômico (representa aproximadamente 11% do PIB e 16% do comércio mundial), que se fundamenta prioritariamente em conceitos culturais, à diferença de outros conjuntos como a Commonwealth, por exemplo.

Mas é precisamente essa abertura geocultural que permite também à Francofonia, de uma certa maneira por sua própria indefinição, desempenhar um papel ativo na concepção e gestão de um mundo multipolar, como o ilustrou notadamente a atuação decisiva que exerceu a OIF na elaboração e na adoção da convenção para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em 2005 na UNESCO.

Além dum movimento de desenvolvimento mutualizado pelo uso do francês, a Francofonia encarna assim, na medida do possível, uma autêntica aliança, isto é um casamento da unidade e da diversidade, que pretende contribuir para propor ao mundo um ideal político e econômico inédito, inspirado nos valores humanistas dos apaixonados que a fundaram : igualidade, complementaridade e solidariedade. Assim ela tem o mérito de tentar abrir uma via a um só mundo vivível, em outras palavras, a uma unidade humana na qual o fantasma do pensamento totalista que acompanha a mundialização como sua sombra não coloque em perigo a liberdade dos próprios homens.

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