Anjo Drummondiano
(Intertexto poético dos versos “Poemas de sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade).
Quando eu nasci, um anjo sertanejo,
desses que não têm nada para fazer,
chegou cansado de mala e cuia,
sussurrando: vai plantar feijão no pó,
lá na beira do rio Seridó.
Vai ser um cangaceiro sem glórias,
embrenhado num munfumbal espinhado
anunciando as horas mortas da tarde,
quando a Ave Maria traz um recado,
sem acalanto n`alma dessa gente.
A seca castiga o sertão sem piedade.
O riacho Sem Nome não corre água,
as cacimbas são buracos de salvação
onde a vida reclama pacientemente
na voz rouca de um Severino qualquer.
Ai meu Deus quanta sofreguidão!
É doloroso ver os bichos morrendo,
o roçado mofando e os barreiros secando.
Sertão devastado, vasto mundo,
mais vasta é a fé desse povo.
Os paus-de-arara passam empilhados,
rostos curiosos contemplam a cidade deserta
como se aquelas casas casadinhas de Tarcila
fosse encantando a calçada colorida
por onde a donzela desfila faceira.
Triste sina desse anjo sertanejo,
vendo os retirantes maltrapilhos
se arrastarem sem pressa, a esmo,
deixando o sertão do nunca mais
em busca de uma utopia vã.
Meu Deus, por que tanto sofrimento?
E esse anjo que não pára de beber cachaça,
declamando versos na igreja de Sant`Ana.
Ó vida besta, ó vida desigual!
Se eu fosse um anjo, dava na mesma.
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