27 de novembro de 2009

Ensaio sobre a surdez

ARTIGO

Lívio Oliveira

Eu vi o atual “capitão” da “Fundição Capitania de Marte”. Estava num importante sarau da cidade. Terninho de burocrata convicto, cabelinho penteado, acho que não estava entendendo bem o que se passava por lá. Eu ficava imaginando que a qualquer momento, emitiria um “Ah, é? Ah, é?” ou coisa pior. No entanto, quando mencionado seu nome e o da prefeita de Natown, muitos aplaudiram. Nada compreendi. Fiquei, em verdade, perplexo.

Ora, se em meio a rodas de amigos e até em conversas com pessoas mais humildes tenho ouvido comentários que vão de “administração desastrosa” a “administração brega” (nada contra o brega), como é que, ao menos nas aparências, as pessoas aplaudem o que detratam no particular. E aí talvez esteja a resposta: é difícil, muito difícil, lutar contra os poderosos refestelados em suas altas cadeiras, todos o sabem. Porém, há sempre os que têm coragem de lutar, inclusive publicamente.

Sou sabedor, também, de que não são somente os artistas e as pessoas ávidas por cultura que estão incomodadas com o atual quadro da “Fundição”. Vocês já pararam para perguntar como estão se sentindo os servidores/funcionários públicos que estão no centro do furacão (opa!)? Pois é! Tenho algum pressentimento de que estão cabisbaixos, entristecidos, envergonhados por estarem submetidos à atual situação de derrota. Sem projetos, sem metas, sem nada. A que almeja um órgão transformado (ao menos temporariamente) em um elefante branco emagrecido e anêmico? A que almejam os que estão postos ali para fazerem a engrenagem funcionar? Que espécie de estímulo ou desejo os movem?

É óbvio que essa situação afeta a todos. A todos. Já se colocou alhures que se deve ouvir o pessoal do IHG, ANL, UFRN, UBE, ETC, ETC, ETC. Não precisa mais. Acontece que nós já temos percebido sinais de irresignação de inúmeros componentes individuais desses grupos, formando uma massa enorme que define uma posição e um vetor. Cito um dos muitos exemplos, esse partindo de uma atuação organizada de entidade: quando a escritora Clotilde Tavares foi desrespeitada com o desprezo a sua obra contratada e já iniciada, a UBE tentou uma audiência com a prefeita de Natown no sentido de entregar-lhe uma moção de protesto (que eu assinei, também) e mostrar o seu posicionamento e pensamento acerca dos problemas da cultura da cidade, talvez sugerindo algumas mudanças, caso ouvida a entidade. Sabem o que aconteceu? A prefeita desmarcou a reunião, já agendada antecipadamente, sob o argumento de que não estava bem. Poucas horas depois, segundo soube, era vista num programa de TV.
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E aí?
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E aí?
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Pergunto mil vezes: e aí?

Parece-me, caríssimos, que medidas como abaixo-assinados, manifestações na mídia, milhões de palavras em blogs, nada disso tem tido efeito para a mudança do status atual. Parece que a coisa é mesmo estrutural, fruto da educação (?) e da formação cultural (?) pessoal dos atuais mandatários de nossa província amplamente ensolarada. Acontece que não se pode ficar de braços cruzados, esperando que o desastre anunciado venha a se consumar. E fazer o quê, então? Ficar sonhando com os “duendes” fixados em nossos canteiros, hipnotizados com a iluminação natalina e a decoração de extremo mal-gosto? (confesso que ainda não entendi aqueles pandeiros com caras de noéis-palhaços pintadas e aquelas imagens pra lá de kitsch dependuradas nas nossas árvores).

Tenho a resposta. E não é nada demais.

Acredito que devemos continuar protestando, até que nossas gargantas se rasguem de tanto gritar (já que estamos num mundo de surdos). Mas, antes de tudo temos que entender que nada findou. Os artistas, todos, não deixarão de produzir sua arte porque falta incentivo. Não. Que busquem, antes, soluções criativas (já que a criatividade é a grande arma). A cultura não é feita por entes oficiais. Esses são apenas organizadores e receptáculos da arte produzida voluntária e autenticamente. A arte e a cultura se distinguem, é certo. Porém, ambas são feitas por mãos e talentos pessoais ou de grupos irmanados por razões muito mais que burocráticas.

A burrice oficial não fará parar a arte. A burrice oficial não tem como impedir o caminho natural e espontâneo da cultura. A burrice oficial é apenas um episódio de surdez. A arte e a cultura são permanentes. Têm bons ouvidos e bons olhos e, acima de tudo, têm voz altaneira e mãos oficiosas para trabalharem a tinta, a música, a cena, a palavra...

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