José Correia Torres Neto
Ontem, recebi de presente a Revista Preá (número 22, edição de maio/junho de 2010) e a folheei por quase duas horas. Percebi alguns elementos que me deixaram surpreso – uma surpresa arremedada de espanto – e que chegaram até a desfigurar o que eu esperava daquela revista. Isso que escrevo não se trata da minha estréia na crítica cultural de Natal, pois nem tenho formação e nem atrevimento bastante para isso. Mas é uma forma de avaliar o que se passa em um dos instrumentos culturais considerado como referência no nosso estado. Digo isso porque acompanho a revista desde o seu lançamento e vi como ela se firmou enquanto um mecanismo de divulgação e registro da cultura potiguar.
Quase calada
Logo no início da revista encontramos duas páginas, que podem ser consideradas como um muro de lamentações ou com um palavreado de uma vizinha velha no parapeito de uma janela de duas bandas que dá para a rua da frente, com o testemunho da atual presidência da maior instituição cultural do estado. Parecem até moda, na nossa atualidade, os surtos lingüísticos, ou quase psicóticos, que alguns presidentes são acometidos e que chegam até a debulhar meia dúzia de palavras surdas-mudas sem destino e sem ouvintes/leitores. O precioso espaço foi utilizado para explicar (ou seria para justificar?) os atropelos administrativo-burocráticos que impediram que a revista fosse lançada há mais tempo e também para enviar recados aos desafetos, e acho também que foram destinados a alguns amores não correspondidos ou trincados ao longo dessa administração.
A sopa rala, insossa e fria de letrinhas subscrita pela presidência traça um diagnóstico preciso de como se vive ou se encara a vida pública no nosso estado, não importando se é cargo efetivo conquistado através de concurso público e regido por um código de ética ou apenas um cargo efêmero conseguido por apadrinhamentos ou conluios. Antes de passar para a página seguinte, me perguntei: Será esse o local apropriado para tal desabafo? E, o leitor, o que tem a ver com isso?
Imagens, imagens, imagens...
Páginas e mais páginas e espaços e mais espaços em branco, sem audácia, atrevimento ou criatividade constituíram o projeto gráfico da revista. Não podemos esperar uma apatia gráfica em uma revista cultural na qual se pressupõem que a diversidade do fazer artístico é o principal elemento que promoverá a sua construção. Singularidade e simplicidade foram confundidas com ausência e desleixo. Algumas matérias, que poderiam ser apresentadas de forma mais elaborada, caíram numa indolência meio velada. Pela tecnologia gráfica, pelos recursos técnicos da atualidade e pelos talentos profissionais espalhados pelo mercado não se admite mais aquela máxima que diz que “o conteúdo é o que importa”. O que se exige é que um bom conteúdo seja agraciado por um projeto gráfico de qualidade e que agregue indiscutíveis valores a uma publicação. Faltou isso na Preá...
Errar por sermos apenas humanos
Se existem respostas elas ainda não conseguiram justificar as várias lacunas apresentadas na revista. Não é de bom grado ficar em silêncio diante da falha de impressão, da superficialidade apresentada por textos que podiam ir muito além do que foi escrito, da falta de atenção no que se escreve no sumário e o que foi apresentado no corpo da revista, da trivialidade como foram apresentadas as belas imagens, dentre outros.
Acredito na feroz batalha em produzir uma revista. Na dificuldade de arregimentar pessoas, idéias, imagens e assuntos e espalhá-los em noventa e duas páginas na esperança de estar fazendo o certo e agradar coloridos e incolores. Mas, os parâmetros dessa certeza oscilam de acordo entre a disposição que uma pessoa tem em acertar e na outra que se disponibiliza julgar. E o pior acontece quando estão envolvidos elementos como dinheiro público e desafeições políticas mostradas na abertura da revista.
Salvem-se quem puder ou “pernas, para que vos quero?”
A impressão – palavra muito bem empregada neste assunto – que a revista passa ao leitor é que foi produzida em cima da hora, no apagar das luzes, para mostrar algo que nem ela mesma, a revista, propunha.
Até quando vamos ver os desejos pessoais se sobressaírem em relação à racionalidade? E, principalmente, ao erário? Até quando vamos esperar um homem ou mulher com sangue no olho para traçar um planejamento em médio ou em longo prazo para a cultura do nosso estado? Até quando vamos esperar um corajoso ou corajosa que crie um fundo estadual de cultura? Até quando teremos que pedir permissão para mendigar apoio cultural através de leis meia-boca? E até quando a subserviência será critério de competência?
E lá se foi mais uma Preá, perdida na toca das veleidades...
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