19 de março de 2006

Vicente Serejo, o último cronista da Redinha


Por Alexandro Gurgel, Lívio Oliveira e Leonardo Sodré
Caricatura: Túlio Ratto


Vicente Alberto Serejo Gomes nasceu em Macau, no ano da graça de 1951, sendo filho de seu Severino Gomes Barbosa e dona Benigna Edith de Aguiar. Chegou a Natal aos nove anos, estudou no Ginásio São Luís e depois, no Atheneu Norte-riograndense. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde leciona no curso de Comunicação Social. É casado em primeiras núpcias com a jornalista Rejane Cardoso.
Ainda muito jovem começou a trabalhar no Diário de Natal, tornando-se um dos principais jornalistas da província. Sob o título de “Cena Urbana”, Vicente Serejo criou uma coluna no jornal onde publicava crônicas com um alto teor literário. Algumas dessas crônicas foram reunidas em seu primeiro livro “Cena Urbana”, publicado pela Editora Universitária da UFRN, em 1982.
Durante o veraneio de 1984, Vicente Serejo transformou sua estada na praia da Redinha, onde tem uma casa de varandas de frente para o mar, em cartas dirigidas ao editor do Diário de Natal. Nessas cartas, Serejo transforma a praia em sua Pasárgada e, em tom lírico, redescobre suas tradições, costumes, resgatando tipos humanos e acontecimentos do cotidiano da mais tradicional vila de pescadores do litoral potiguar.
Em 1995, aceitou convite para trabalhar na Gazeta do Oeste, em Mossoró, onde continuou a publicar sua coluna. Em 1997, a convite de Marcos Aurélio Sá, aceitou participar da criação d’O Jornal de Hoje, dando continuidade ao seu ofício de escrevinhador, trazendo ao leitor crônicas do cotidiano com requintes de lirismo.
“Em Natal, nos seus muitos anos de jornalismo, Vicente Serejo já decantou seu lirismo em centenas de crônicas, em textos que concentram uma alta voltagem poética”, escreveu o poeta e escritor Nei Leandro de Castro, na orelha do último livro de Serejo, “Canção da Noite Lilás”, editado pela Editora Lidador, em 2000, no Rio de Janeiro.
O livro tem 100 crônicas escolhidas da sua produçãoda década de 1990 e a editoração foi coordenada por Márcia Carrilho. “Em reuniões na minha casa, passei a ler algumas das suas melhores crônicas para meus amigos, enchendo a noite de encantos, de paixão, de desejo, de mar, de peixes, de estrelas e astros, de Redinha, de lembranças da Rua da Frente, de personagens tão ricos e tão humanos que Serejo nos oferece”, escreceu Márcia Carrilho na apresentação do livro.
Bibliófilo e dono de uma das mais completas bibliotecas sobre o Rio Grande do Norte, o Vicente Serejo é um estudioso da cultura potiguar e um especialista na obra de Câmara Cascudo. O cronista pertence à Academia Norte-riograndense de Letras, ocupando a cadeira número 27, que pertenceu anteriormente ao intelectual macauense Américo de Oliveira.
Na sua ampla biblioteca, numa tarde azul de janeiro, o cronista recebe um grupo de papangunistas para uma entrevista exclusiva à revista Papangu. Vicente Serejo fala das cenas urbanas e seus personagens, do seu tempo de menino na Rua da Frente e suas descobertas no outro lado do mar de Macau.

Quais são suas memórias da meninice e adolescência? Como foram suas primeiras letras?
Eu não nasci na Rua da Frente. Eu inventei, a Rua da Frente porque foi o território da infância. Eu nasci na Pedra do Mercado, onde moravam meus pais, e fui menino na Rua da Frente até 1960. Eu sou de 1951, então passei os primeiros nove anos da minha vida em Macau. Não fui um menino como os outros meninos da Rua da Frente. Era doente da garganta, sempre proibido de vadiagens no sol. Vivia observando as águas, com pequenas fugas até o rio Açu no seu encontro com o mar. A Rua da Frente ficava aberta para o rio, mas depois construíram à sua margem e fecharam a visão do rio. Na verdade, só descobri anos depois lendo Zila Mamede, era o riomar. Vivi uma vida comum e a monotonia só era quebrada quando a minha tia Edianeube chegava de Natal trazendo brinquedos, maçãs e uva. Eu sempre digo que tudo que sei, eu aprendi na Rua da Frente. O resto veio depois, naquele sentido camoniano do saber de experiências feito. As primeiras letras, eu fiz com Dona Nanu, uma das minhas perdas que não consigo lembrar o rosto, a não ser vagamente. Há algum tempo atrás uma professora estava fazendo um trabalho sobre a escola primária e pediu para que eu redigisse um depoimento. Eu ainda não consegui escrever. E já tentei algumas vezes. Ela era professora para o exame de admissão. Você estudava na salinha da casa dela até a carta que ela mandava aos pais avisando que encerrava ali seu ensino. Então, o Exame de Admissão era o limite do saber da professora Nanu. Depois, o aluno tinha que ir para Natal ou para o Colégio Diocesano, em Mossoró, fazer o ginásio. Era a maior satisfação daquelas famílias. Um dia a minha carta também chegou.

Qual a memória visual que você tem de Macau?
Eu acho que tenho dois universos de trabalho muito fortes dentro de mim: a Rua da Frente, que representa minha infância, e a Redinha. Ando pela Redinha, entre casas alugadas e minhas, há uns 30 anos. Ela repete a paisagem da infância no encontro do rio com o mar. Toda minha geração mais próxima foi embora da Redinha, só resta eu. Alguns poucos amigos e nada mais.

Quando chegou para morar em Natal, no início dos anos 60, qual era o clima político da cidade e, como um menino de 9 anos absorveu essa atmosfera?
Eu não conhecia multidão. Na primeira noite, na casa da minha avó, na rua Potengi, e onde fiquei alguns dias antes de ir morar na rua Pinto Martins, ouvi um rumor estranho. Fui ver. Era uma passeata de Aluízio Alves. Eu nunca tinha visto aquilo. Fiquei impressionado. No meio daquela multidão que andava levando galhos verdes, um caminhão com aquele homem magro, acenando um lenço verde e uma mulher cantando seu hino dizendo que ele vinha do sertão lá do Cabugi. Era Aluízio Alves e a moça era Luíza de Paula. Morreu há poucos anos. A geografia do meu olhar tinha o tamanho de uma pequena vila, quase uma ilha, à beira do mar. Aos meus olhos Natal era uma cidade grande. Em Macau, na primeira infância, minhas maiores descobertas fiz lendo os romances de José de Alencar que meu pai tinha completo numa velha edição da editora Melhoramentos. No primeiro dia que chego, vem uma passeata de Aluízio Alves, ele no auge da força, arrasando, devastando o adversário. E eu em êxtase sem entender como um homem era capaz de fazer tudo aquilo só com um lenço verde e sua voz rouca. Ali, descobri também que a coragem cívica é a coragem nobre dos homens de espírito e de gênio, dos homens de idéias. Macau era uma cidade muito violenta, até pela tradição, feita de homens cheios de coragem até os dentes. Mas o que vi em Aluízio, naquela noite, foi um homem frágil, magro, sem arma nenhuma, a não ser um gesto, uma canção e uma cor. Foi a primeira grande lição de política.

Foi então que nasceu o cronista político?
Acho que sim. Uma vez fiz uma crônica contando essa história e o próprio Aluízio teve a elegância de me ligar para agradecer. As crônicas ficam dormindo dentro de mim. Anos e anos. E eu achava que todas aquelas coisas que eu lembrava, que eu via e ouvia, que aquilo tudo nunca iria interessar a ninguém. A de Aluízio, por exemplo, escrevi anos depois de ser cronista. Um dia a crônica dispara. Acorda, sei lá...

Você foi aluno da faculdade Eloy de Souza de Jornalismo?
Fui. Eu causei uma grande frustração à minha família porque nasci pra ser bacharel em Direito. Ao final do 1º ano de Direito, conheci e namorei Rejane, que tinha um programa na Rádio Rural chamado “Música & diálogo”. A partir desse namoro, resolvi fazer jornalismo. Quando eu comuniquei à minha mãe que tinha trancado o curso de Direito e iria fazer vestibular para jornalismo, caiu uma barreira. Meu pai depositava em mim a esperança de ter no filho mais velho um bacharel em Direito. Um advogado, quem sabe um juiz ou até um desembargador, como o meu tio Mattos Serejo. Em fim, alguém que alavancasse aquela família simples. Lembro de uma frase que meu pai disse pra minha mãe, frase de um desespero consolado: “Jornalista não é profissão. É como vida de artista, não tem hora pra nada”.

Como foi ser um foca na redação do Diário de Natal naquela época? Quem eram seus colegas?
Se há uma vaidade que tenho é de ser bem nascido em jornalismo. Eu era foca de uma redação muito talentosa que tinha seu pai, Alexis Gurgel (pai do jornalista e Alexandro Gurgel), maior redator que conheci na área policial, mas que nunca quis ser um grande escritor de romance policial. Alexis trabalhava o real com um toque de literariedade. O poeta João Gualberto, Rubens Lemos, Djair Dantas, Jorge Batista. Aprendi com Berilo Wanderley, Luiz Carlos Guimarães, Cassiano Arruda Câmara, um titulista perfeito. A minha escolha foi a redação do Diário de Natal. Sanderson Negreiros fazia a coluna Quadrantes, era chefe de reportagem, discutia filosofia e literatura. Sou bem nascido. Devo ao bom nascimento o jornalista que sou.

De acordo com o professor Tarcísio Gurgel, no seu livro “Informação da Literatura Potiguar”, desde 1982, você se firma como o último representante de uma linhagem da qual fazem parte Sanderson Negreiros, Berilo Wanderley e Newton Navarro. Até que ponto essa representatividade é acentuada?
Eu acho que eles foram minhas maiores influências. Eu era leitor de Sanderson na sua coluna Quadrantes. Berilo escrevia uma coluna chamada Revista da Cidade, na Tribuna. Li Navarro na Tribuna do Norte e, às vezes, no Diário de Natal. Quando comecei a ser cronista, eu me transformei naturalmente no primeiro cronista diário. O que sou até hoje. Vou fazer 25 anos de crônicas agora em março. No começo, eu fazia uma coluna chamada “Extra Pauta” com os temas que eu não aproveitava na pauta, como pauteiro. Eram pequenas notícias que não davam matérias longas. Minha primeira crônica foi numa quinta-feira, depois do carnaval. Depois que terminei de escrever as notícias, entreguei a Marluce, que era a diagramadora. E ainda é. Ela então calculou e disse que faltavam 30 linhas para fechar a coluna. Como eu tinha ido conhecer o carnaval de Olinda, então pensei em descrever o carnaval olindense onde conheci o bloco Flor da Lira, um bloco de pau e corda. Achei aquilo muito bonito, nostálgico. Aqueles velhos tocadores de banjos antigos, ainda americanos, de quase um século, subindo e descendo as ladeiras de Olinda. Escrevi um texto sobre aquele bloco que acompanhei pelas calçadas. Nisso, Rejane telefona à procura de alguma coisa, e eu comentei: “Estou com um problema aqui. Acabei de fazer um texto e não sei que título colocar”. Ela então disse: “Coloque Cena Urbana”. E botei Cena Urbana apenas como um box à parte.

Quando escreve as crônicas do cotidiano, você utiliza certas doses de lirismo num estilo muito particular. Você se considera um modernista, pós-modernista ou um parnasiano (como sempre tem dito em suas crônicas)? Ou ainda há espaço vanguardista para um neo-parnasiano?
O homem gosta de rotular as coisas. Ele se sente mal quando não consegue classificar as coisas, quando não consegue sistematizar até suas próprias idéias. Mas, eu penso o seguinte: sou o resultado da velha crônica brasileira. Nem mais, nem menos. Aquela crônica que nasceu no final do século XIX, com Machado de Assis, França Júnior, José de Alencar, Lima Barreto, Olavo Bilac e João do Rio. Esse núcleo fundador da crônica, do pequeno texto. Eu acho que sou produto disso, que se estendeu e evoluiu ao longo do século XX no Brasil e teve momentos de brilhantismo – eu não quero dizer aqui que faço parte dessa geração – mas, de alguma forma, sou produto dela. Eu gosto muito de uma definição de Rubem Braga que diz que o cronista vive dos restos dos banquetes literários. Eu interpreto isso sempre dizendo que é como se terminasse um desses banquetes literários com todo mundo vai embora. As luzes se apagam e, aí, nós, os pobres ratos da literatura, subimos às mesas para colher as sobras dos bicos de pão, os nacos de carne, os grãos de arroz da alva literatura. Com estes restos, nós não fazemos romances, contos e novelas. Ou poemas. A gente faz as crônicas do dia-a-dia. Antônio Cândido deu uma contribuição muito grande. Ele fez a crônica entrar no mundo acadêmico. Levou a vida inteira sendo renegada pela universidade, pelo saber acadêmico. Quando Antônio Cândido faz aquele famoso prefácio no volume cinco da série Para Gostar de Ler, e escreveu que ninguém vai construir uma grande literatura somente com cronistas, mas que é a crônica é uma literatura de raiz, próxima do leitor, no dia-a-dia, ao rés-do-chão, sofrendo os mesmos impactos da vida, aí deu a licença literária que faltava. Vieram depois os grandes seminários dos mestres e doutores...

Nas notinhas sarcásticas, o personagem “Indormido” é usado para alfinetar com sutileza. Numa entrevista, você declarou que já havia criado outro personagem na mesma linha, Jacinto de Campos. A criação de personagem é uma receita para dar uma “temperada” nas notinhas diárias?
Jacinto de Campos também foi uma idéia de Rejane. Eu queria homenagear Jacinto de Thormes, que por sinal morreu há poucos meses tempo, quase aos 80 anos de idade. Completamos com Campos porque “jacinto” também é uma flor. Havia outra razão. A coluna estava monótona. Eu não estava conseguindo fazer uma coluna informativa e terminava ficando parecido com a Roda Viva. Só que a Roda Viva tinha muito mais chances do que eu, era mais bem informada. Eu estava fazendo uma coluna pra pior. Então, coloquei o Jacinto de Campos para fazer algumas brincadeiras e deu grande repercussão. Mas foi apenas numa interinidade de Paulo Macedo durante o curso de cerca de dois meses que ele foi fazer na Escola Superior de Guerra. Fiz muita brincadeira com isso, mas o que causou maior repercussão foi a dos “joelhos”. Havia uma coluna coletiva chamada Bastidores, coordenada por Luciano Herbert, que dava o texto final. Eu era o editor geral do Diário de Natal e um dos colaboradores da coluna. Comentei com ele que iria criar a história dos joelhos, com muito cuidado porque a gente não podia identificar de quem eram aqueles joelhos. Na verdade, não tinha dona. Havia um amigo nosso, Emmanoel Barreto, que era um dos bons redatores da brincadeira, que de vez em quando esquecia e dava cor aos joelhos. Ninguém podia dizer que os joelhos eram morenos porque excluía os brancos. E se dissesse que eram brancos, deixava os morenos de fora. Mas, certa vez, aconteceu uma cena de ciúmes por causa disso. Um amigo nosso, cuja mulher trabalhava no Diário de Natal, um dia perguntou a ela se aquela brincadeira das crônicas dos joelhos era com os joelhos dela. Ela disse: “Olhe, pode até ser, mas não me disseram”. E foi um grande sucesso essa história dos joelhos. Depois, começamos a fazer só notas, durante vários meses, mas todos queriam saber de quem eram os joelhos. A pressão foi tanta que resolvemos matar os joelhos, numa quarta-feira de cinzas. Naquela época, o Diário de Natal era o único jornal que circulava na quarta-feira de cinzas e aproveitamos para acabar com a história dos joelhos. Já o “Indormido”, é o contrário da minha personalidade. Eu durmo a noite toda, não tenho insônia. O sujeito que tem insônia é um homem de sorte porque ele pode ler mais, ele estuda muito mais. Quem tem insônia é um felizardo. Daí o Indormido parecer sábio.

Qual a diferença entre fazer a Cena Urbana em Natal ou em outra cidade, como o Rio de Janeiro, por exemplo?
Eu acho que o cronista escreve sobre a província como um território literário universal. Esteja onde estiver. Eu participo da tese de que o provinciano é cosmopolita. Vive na província, mas sabe o que acontece nas grandes cidades, enquanto o homem da metrópole é apenas um metropolitano. Se você for conversar com um paulistano comum, vai observar que ele é um caipira metropolitano. O provinciano universal, não. Ele tem uma visão de mundo. O cronista tem uma geografia provinciana, mas uma visão universal. Essa relação com a cidade, no fim, é a relação de todo cronista com seu universo. E todo universo é sem limites. Tem o toque do cosmopolitismo imaginário.

Serejo, suas crônicas são consagradas na nossa literatura. Você escreve poemas e já pensou em escrever um romance?
Você sabe que uma cidade como Natal, onde há muitos poetas, o cara quando não foi poeta, desejou ser; quando não é, foi; quando não é e nem foi, quer ser. Há também uma verdade cravada por aquela quadrinha: “Rio Grande do Norte / Capital Natal / Em cada esquina um poeta / Em cada rua um jornal”. A gente tem esse deleitamento. Uma vez, eu fiz um poema e pago um alto preço por isso. Eu prefiro dizer estou naquela possibilidade de colocar pequenos poemas em prosa, fazendo uma prosa lírica.

De que maneira você convive com as personagens femininas nos seus textos? Afinal, quem é a mulher de lilás?
Quando escrevi ‘Mulher de Lilás’ - a cena é verdadeira na praça André de Albuquerque - estava aquela mulher de lilás, e talvez não esperasse por ninguém. Talvez a espera tenha sido invenção minha. Mas, eu não conseguiria ver uma mulher vestida de lilás, numa praça, não esteja esperando por ninguém. Se ela não esperava, eu completei a situação. Conto a história por um detalhe interessante: na manhã que a crônica circulou Newton Navarro ligou pra Rejane e disse: “Vista-se de lilás!”.

Você já publicou três livros de crônicas. Você pretende lançar mais alguma antologia?
Tenho um drama com esse negócio de seleção de crônicas e lançamento de livro. Primeiro, porque cronista tem uma característica: não escreve livro. Publica livros de coisas já publicadas. Eu nunca escrevi um livro e tenho três livros publicados. Todos os meus livros reuniram crônicas não inéditas. As crônicas apenas ganharam forma de livro. Eu agora vou completar 35 anos de jornalismo e 25 anos de Cena Urbana. De crônica diária. Realmente penso publicar uma seleção de uma 100 ou 50 crônicas. Vamos ver.

Você se preocupa com o leitor jovem? Qual sua relação com esse novo público que está nos blogs, orkuts e lêem o jornal on-line?
Eu acho que estou chegando um pouco mais perto do leitor jovem, coisa que eu não tinha antes. Hoje, eu já começo a ter um leitor mais jovem. Um leitor chamado Jesus fez uma comunidade no Orkut chamada “Vicente Serejo, eu leio”, mas pelos participantes dessa comunidade, pode ser observado que os leitores não são tão jovens assim. A maioria está na casa dos 30, 35 anos. Uma pesquisa feita pela Consult para ‘O Jornal de Hoje’ há anos, mostrou que sou bem lido na faixa mais velha. Era praticamente a coluna mais lida, ou entre as mais lidas do jornal, sendo apenas um cronista. Talvez hoje, eu tenha mais um pouco de leitores jovens. O jovem não é ainda um leitor de literatura. Recebo poucos e-mails de leitores jovens, mas os que mandam pra mim, eu respondo e agradeço. E presto as informações que pedem, se as tenho. A crônica de cena urbana tem sido tema de trabalhos com mais freqüência do que antes.

Serejo, todo jornalista, sobretudo o cronista, tem que se policiar com seu texto?
Necessariamente não. Eu tenho muita sorte. Sou cronista há 25 anos, mas só passei por três jornais: no Diário de Natal, um ano e meio na Gazeta do Oeste e há oito anos estou n’O Jornal de Hoje. Luiz Maria Alves, diretor geral do Diário de Natal, nunca cortou uma só palavra. No dia seguinte, podia até discordar, mas não censurava. Canindé Queiroz nunca retirou uma nota. Marcos Aurélio respeita não só a minha, mas todas as colunas. E faz questão de só ler as colunas do jornal quando elas circulam. Mas, às vezes, o cronista deve se policiar. Ele tem um traço muito forte para o lado biográfico. Primeiro, porque ele conta as sensações que vive, mas principalmente joga sobre os seus ombros qualidades e efeitos que nem sempre tem, só para transformá-los em temas. O grande limite é o mesmo para todos, jornalistas ou não: a vida privada. É intocável. E quem fere a vida privada é condenado pelo leitor.

Há alguma história de redação interessante que você lembre?
Durante uma farra no Bar de Lourival, Alexis Gurgel disse que iria fazer uma nota sobre o “Quiri do Coroa” – ele chamava Luiz Maria Alves de Coroa – e o quiri era uma muda de uma árvore que Luiz Maria Alves trouxera do Pará. Mas lida como tal a frase tinha também um sentido carinhoso – ‘Quiri-do-coroa’. Então, Alexis fez uma proposta aos amigos na mesa do bar: “Se eu fizer a nota sobre o 'Quiri do Coroa' alguém paga uma grade de cerveja? Agora, se a nota sair e eu for demitido, eu pago as cervejas”. No dia seguinte ele mandou fotografar a planta e deu a nota do “Quiri do Coroa”. Alves riu com a história. E ele cobrou a dívida justa e merecida. Alexis só saiu do Diário de Natal morto. Jamais seria demitido por Alves. Ele era um redator excelente e um exímio datilógrafo, coisa que nós não éramos, porque todo jornalista, em geral, é dedógrafo.

Como foi sua passagem num talk-show da TV Potengi e, depois, a passagem pela Gazeta do Oeste, e o convite para a formação do Jornal de Hoje?
Quando saí do Diário de Natal, eu recebi dois convites: da TV Potengi e da Gazeta do Oeste. Fui pra TV Potengi fazer o programa Cena Urbana à noite, que era um programa semanal com uma longa entrevista de duas horas, onde entrevistava os políticos. Logo depois, a televisão me convidou para fazer um programa de manhã, onde eu lia algumas notícias, fazia alguns comentários, e finalizava com uma entrevista. A experiência da Gazeta foi muito interessante porque eu mandava a coluna por fax e, lá, a coluna era composta. Não havia internet. Eu não cheguei a morar em Mossoró. Eu fui lá algumas vezes para combinar tudo com o pessoal da Gazeta, principalmente Canindé Queiroz, e fui depois, no aniversário do jornal. Um dia, estou em casa e toca o telefone. Era Marcos Aurélio Sá dizendo: “Olha, eu tenho uma informação, mas gostaria que você mantivesse em segredo. Eu vou botar um jornal diário em Natal. Estou indo à São Paulo comprar uma máquina, e, na volta, eu converso com você”. Eu pensei que a coisa ia demorar, mas ele foi para comprar a máquina mesmo. Botou em cima de um caminhão e em três meses ‘O Jornal de Hoje’ estava circulando. Pra mim foi muito interessante, devido à experiência de começar um jornal do número um.

Como professor do curso de Jornalismo da UFRN e jornalista, como você vê o jornalismo cultural praticado hoje no nosso Estado?
O jornalismo cultural ainda está devendo. Os jornais estão atrelados a estruturas oficiais e não são polêmicos, críticos, questionadores. O jornalismo cultural tem uma grande característica: a polêmica, a contradição, a ruptura, a pedra na vidraça. Os jornais dificilmente vão dizer um não para aquelas estruturas vinculadas à Fundação José Augusto, Capitania das Artes ou a “A” ou a “B”. Então você vê um jornalismo muito manso que não questiona. Observe, por exemplo, o Auto de Natal que todo mundo sabe que houve problema grave de dramaturgia, monotonia que foi salvo pelo show de Fagner e de Alceu Valença. Quem viu pela televisão, dormiu. Mas, mesmo a dramaturgia sendo muito fraca, você não viu um jornal discutir, avaliar. Cadê o espírito crítico? Há uma ‘releasemania’ quase pejorativa. Um jornalismo muito domesticado. Eu acho que há muito jornalista bom, muita gente boa, mas parece que as editorias estão acomodadas. A opção pelo simples registro que divulga ou elogia a cultura oficial é a própria negação da cultura. Outra coisa que está precisando é um bom editor de cultura para pautar as questões, capaz de separar agenda de eventos de discussões e questionamentos necessários. Vivemos uma cultura de eventos pautando o jornalismo de eventos. Um repete o outro e vice-versa. Acontece um show aqui, você abre os jornais e vê as matérias iguais. Acho que o jornalismo econômico e político melhoraram muito mais do que o jornalismo cultural. Negaram aos leitores do Rio Grande do Norte, por exemplo, o grande fracasso que foi o I Encontro de Escritores. Pior: saíram matérias com mentira falando em multidão, quando em todas as mesas havia mais debatedor do que platéia. Foi público. E as editorias ainda deixaram de registrar presenças em Natal como Antônio Carlos Secchin, Marcus Accioly, Fábio Lucas, etc. Um horror. Não saiu nada nos jornais, nem uma entrevista, nem uma nota. Hoje, vivemos um jornalismo cultural de eventos.

Serejo, é notória a debandada de aliados do governo Wilma de Faria. Como observador da cena política local, como você analisa o atual quadro político?
Eu acho que Wilma venceu cinco ex-governadores e foi a grande zebra, mas uma zebra com o crivo de uma retórica de renovação e uma inegável boa prática administrativa em dois mandatos e meio de prefeita. No segundo turno, fez uma aliança com José Agripino para chegar ao governo. Todos os aliados tiveram participação dentro do governo dela. Mas, ninguém foi até agora um aliado de fato. Falta articulação política e alianças de fato. Ela errou quando não fez a reforma aos dois anos de gestão. E errou muito mais quando rompeu a aliança com José Agripino, um aliado natural. Principalmente que Agripino era um líder em decadência. Hoje ela enfrenta situações estranhas. Como a pesquisa publicada na coluna de Alex Medeiros apontando uma rejeição de 32%. Isso não é comum na carreira política de Wilma. Penso que o governo está sendo muito familiar e concentrador, apesar de tantos partidos aliados. A derrota em Macau foi um referencial negativo. Mas há fatos positivos como a pesquisa que aponta sua posição em segundo lugar e a boa campanha das obras aos três anos. Uma coisa é preciso reconhecer: apesar de tudo, Wilma não é uma liderança capaz de deixar ex-governador nenhum ficar de férias. Garibaldi sabe que precisa lutar. A disputa será forte e não acredito que Agripino venha a ser aliado de Garibaldi Filho. Será vice ou disputa o governo. Dividindo por três, a projeção muda. E Agripino manterá sua posição de fiel da balança.

E essa queimação toda em cima de alguns assessores, como é o caso das denúncias de escândalos envolvendo a publicidade do governo Wilma?
Wilma vive uma crise política. Claro que Wilma está tendo problemas que não tinha tido até então. Primeira coisa, o governo é muito maior que a prefeitura e Wilma só veio constatar isso depois que pegou o governo de frente, por inteiro. Agora, ela estava contracenando com uma esfera maior, não com 21 vereadores. O jogo é mais alto e muito mais no interior. Com deputados que são verdadeiros pequenos caciques eleitorais, além de deputados federais e senadores. Muitos interesses. Depois, Wilma governou a vida inteira sem o problema dos filhos na política. É uma variável que complica. Ela teve um grande problema quando certas acusações ficaram em aberto. Não podiam provar sua culpa, nem ela a sua inocência. Mas, esta fase passou. A oposição não teve mais como trabalhar em cima da dúvida, da cobrança, da reflexão, das especulações. Daqui pra frente, Wilma só terá um alvo: Garibaldi. E eu não sou garibaldista, mas não nego: Garibaldi é um campeão de votos e o único político invicto no Rio Grande do Norte. As circunstâncias ainda estão fugindo do controle da governadora Wilma. Ela não teve um bom líder, uma boa articulação política. Não tem um governo ruim em obras, realizou muita coisa no Estado todo, mas ela pensou que bastaria vencer a batalha do marketing. Ela venceu, mas tem perdido a guerra da opinião pública. Ao ampliar seu exército ela permitiu muitos mercenários. Wilma é extremamente competente, mas, no poder, tem sido insensível a certas críticas que antes ela transformava em pontos positivos. Mas, o calor da luta sempre ajusta.

Você se considera um cascudiano incurável? E por que é preciso ler Cascudo?
Eu acho Cascudo um gênio. Cascudo nunca foi um provinciano incurável. Ele repetiu isso por charme. Ele era o mais cosmopolita de todos nós. Só os tolos acreditaram que ele um provinciano. Cascudo escreveu a História da Alimentação, escreveu dois volumes de Civilização e Cultura, e o Dicionário do Folclore e só esses três títulos já formam um continente como obra estrutural. Ninguém escreveu para o mundo melhor do que Cascudo. Ninguém foi mais cosmopolita do que Cascudo. Eu acho que Cascudo não foi à Academia Brasileira de Letras porque tentou o salto por aclamação. Ele subestimou a ABL como o mais valioso atestado de consagração. Mas terminou consagrado da mesma maneira. Ou mais. É preciso ler Cascudo para compreender o Brasil e o brasileiro. Acho que da geração de Cascudo o intelectual mais vaidoso foi Gilberto Freyre. E Gilberto disse: “Sou rival de Pedro Álvares Cabral, eu também descobri o Brasil”. Cascudo, genial, não fez por menos e declarou que havia descoberto o brasileiro. É impossível compreender o homem brasileiro na sua normalidade cultural, econômica, antropológica e etnográfica, nas superstições e costumes, sem ler Cascudo. É rigorosamente impossível.

Qual a diferença entre “cascudófilo” e “cascudólogo” citado pelo foclorista Deífilo Gurgel, durante um debate na TV U, em 1998, no qual você participou ao lado do professor Hermenegildo e do professor Tarcísio Gurgel, reprisado recentemente na semana Câmara Cascudo?
Se você analisar no sentido radical da palavra, os “cascudólogos” seriam os estudiosos de sua obra; os “cascudófilos” seriam os admiradores. Nesse sentido, sou apenas um grande admirador. Há quarenta anos. Desde 1966, como atestam as datas dos primeiros títulos adquiridos, tento ter e dominar, como simples leitor, a obra de Cascudo. Não sou um estudioso. Mas também não encontrei Cascudo outro dia, levado pelo modismo, pelas facilidades dos financiamentos de pesquisas acadêmicas. Louvo a descoberta e os estudos da UFRN. Já era tempo. Mas, minha dimensão é outra. De leitor. Sem prêmio e sem glória. Leio Cascudo ou qualquer outro autor por absoluto prazer. Eu lhe digo uma coisa, tenho 54 anos, quase 55, e só leio o que gosto. Abro um livro, e se gosto, vou até o fim. Se não gosto, fecho. Sem remorso, sem culpa e sem mágoa.

Cascudo escreveu sobre assuntos referentes: Antropologia, Etnografia, Sociologia e História. São quase duzentas obras publicadas, entre livros, plaquetes, outras publicações, traduções, etc... Mas era como professor que ele se identificava. Até que ponto a magistratura contribuiu na sua obra?
Cascudo começou como professor de História, na época, como professor do Atheneu Norte-Rio-grandense. Ele defendeu duas concepções originais: uma sobre o mais antigo marco colonial, o Marco de Touros, que ele apresentou como tese; e a outra, muito moderna para a época, foi sobre a intencionalidade do descobrimento do Brasil. Então, com essas duas teses, ele se transformou num professor catedrático. Foi historiador em toda sua plenitude. De Natal, do Rio Grande do Norte, de Mossoró, de Santana do Matos, das Paróquias; e biógrafo de nomes nacionais como O Conde d’Eu, Marquês de Olinda e Lopez do Paraguai, assim como figuras próximas como Pedro Velho, Henrique Castriciano, Auta de Souza, João Câmara, Jerônimo Rosado, para citar os principais.

No mesmo documentário da TV U, Cascudo falou da importância literária que os americanos trouxeram para Parnamirim Field, com uma carga de 40 mil livros e ainda declarou que depois da passagem dos americanos em Natal, ele próprio ficou trocando correspondências com alguns deles. Há alguma influencia norte-americana na cultura potiguar?
Acho que há influencia sim. Primeiro, no universo vocabular. Eu ainda alcancei minha sogra usando termos americanizados e isso é uma presença norte-americana. As irmãs Jacira, Ivone e Zuleide Barbalho foram figuras da cidade. Dona Jacira era casada com Carlos Filgueira, vice-cônsul da Espanha aqui em Natal; e dona Zuleide foi secretária do governador Aluízio Alves e tradutora oficial de inglês. Elas faziam o “Peru à Califórnia”, que seria o encontro do doce com o salgado, mas aprenderam com os americanos. O peru ao forno servido com compotas. Outro detalhe: os americanos fizeram o asfalto direto de Parnamirim a Natal, sem interrupção, como uma pré-estréia da free way que não temos até hoje. Era uma legítima avenida nos moldes norte-americanos.

Em sua opinião, quais os momentos mais importantes na Literatura Potiguar?
Vários ao longo de um século de literatura. O nosso século literário, por excelência, é o Século XX. A fundação de A República; as conferências de Eloy de Souza e Manuel Dantas; as crônicas sobre a vida da cidade, de Henrique Castriciano; a antologia de poetas de Segundo Wanderley; o primeiro livro de crítica literária de Cascudo, o Alma Patrícia; as cartas sertanejas de Eloy; a visita de Mário de Andrade; o Livro de Poemas, de Jorge Fernandes; a poesia concreta, o poema processo; o eco do tropicalismo nos nossos festivais, muitos.

Atualmente, quem tem lhe chamado a atenção nas Letras Potiguares?
Acho que é a nova geração e é a grande lição que está ficando. Nós temos grandes poetas, temos grandes prosadores, mas a nova geração está tirando nossa literatura da mesmice que ficou se repetindo nos últimos trinta ou quarenta anos. A nova geração está realmente reinventando, re-inaugurando a nossa literatura, e tentando projetar essa literatura para fora. Eu acho que depois da experiência isolada de Cascudo, as pessoas estão tentando vencer os umbrais. A nova geração parece que vai conseguir. Estamos aqui diante de Lívio Oliveira, uma grande revelação de poeta. Acho sua poesia da melhor qualidade.

De acordo com a historiografia local, nosso Estado produz muito mais poetas em cada esquina do que romancistas pelos becos. A que você atribui essa “tradição literária”?
O professor Mário Moacir Porto gostava de dizer que o Rio Grande do Norte produziu grandes poetas e a Paraíba grandes prosadores. Ele tinha uma certa razão. A começar de José Lins do Rego. E de A Bagaceira, livro que embora sem grandes méritos literários tem a glória histórica de ter deflagrado o regionalismo. Um conceito discutível, mas de qualquer forma um marco, um enclave.

Um dos maiores poetas potiguares, Jorge Fernandes, exerceu uma literatura modernista, praticamente no auge do movimento modernista. É natural, os autores (poetas e escritores) potiguares seguirem o estilo literário de sua época?
Não. Eu acho que não. Eles evoluíram muito. Hoje, estamos com uma qualidade literária que talvez não tenhamos tido na geração passada. Pelo menos tão intensamente. Essa nova geração é mais numerosa e mais consciente. Agora, nós estamos com problemas na área de ficção. Nós nunca tivemos muitos ficcionistas. Estamos à espera de novos romancistas e contistas. Fizemos pouco depois de Nei Leandro, Carlos de Souza e Tarcísio Gurgel. Tarcísio deu a melhor contribuição sobre a produção e a vida literárias entre nós. E sempre tivemos bons poetas.

Como você está vendo um clássico da nossa literatura, “As Pelejas de Ojuara”, de Nei Leandro de Castro, em fase de execução, explodindo no cinema? Você acredita que incentivará a novos leitores a procurar a ler nossa literatura?
Acho Ojuara uma experiência única e da melhor qualidade na nossa literatura. Com uma força literária muito grande. É claro que o modelo em si não é moderno, vem desde Macunaíma, mas acho que Ojuara é forte e tornou-se um roteiro cinematográfico à espera de um diretor. Tem personagens fortes, tem um humor picaresco, de fácil transposição, com sua linguagem quase cinematográfica. Já foi transformado em peça teatral e foi premiada na Paraíba. Acho que é a melhor coisa que produzimos. Com todo o respeito aos outros. Mas, em prosa, é a melhor coisa produzida nas últimas décadas. E olhem que tenho certo pendor pelo Dia das Moscas. Acho uma bela sacada.

A cidade de Mossoró promove três grandes autos durante o ano: “Chuva de Bala no País de Mossoró”, em junho; o “Auto da Liberdade”, em 30 de setembro; e o “Oratório de Santa Luzia”, em dezembro. Natal, timidamente, produz espetáculos como o “Auto de Natal” e “Um presente de Natal”. Você acha que o teatro potiguar está sendo valorizado e exerce a função de passar adiante nossas tradições culturais?
Abri uma discussão na I Conferência Estadual de Cultura quando levantei a tese de que é bom não confundir teatro, que é um clássico na sua expressão, com espetáculo de rua. Esse modelo de espetáculo tem sua força mobilizadora, gera negócios, as pessoas vivem a partir daquele pólo e vendem, trocam, negociam em torno do evento. Agora, o que pode acontecer, se não se cuidar mais seriamente, é um processo de “espetacularização” cultural. O processo pelo espetáculo. Mossoró tem uma boa tradição de teatro e precisa pensar nisso. Hoje, Mossoró é uma cidade que tem cinco teatros. Então, eu não acho que necessariamente isso seja um modelo a ser repetido a cada data. Acho que Mossoró tem que mexer naquilo e tem que tentar transformar, assumir aquilo como espetáculo turístico. Agora, não se pode perder de vista a necessidade de fazer um bom teatro. Eu digo sempre que a gente tem que ter muito cuidado com Lampião. Eu fiz as contas e ele estava com 106 anos e já não agüenta mais atacar Mossoró cinco vezes por semana. Brincando numa crônica, encontrei Lampião em Aracati e ele disse: “Professor Serejo, o senhor conhece o povo de Mossoró?” E eu disse: “Conheço”, respondi. “O senhor diga lá que eu não tenho mais saúde pra enfrentar Mossoró”. No fim, eu acho que Mossoró joga bem quando assume a luta, quando ocupa um espaço na área cultural. Nisto Natal perde. Seu “Auto de Natal” ainda não encontrou a forma. Paga pela mudança de ‘donos’, o que atinge a dramaturgia. Eu queria ver um auto sem Fagner e sem Alceu Valença. Na hora que se coloca um grande artista, se interfere na capacidade de mensuração do efeito teatral do espetáculo. No Auto de Natal, eu não sei se o povo iria só para ver o nascimento de Cristo. Ou se o que houve foi um grande show.

Natal sempre teve uma tradição jornalística e, agora, nós temos três revistas culturais de qualidade comprovada: A revista Preá, editada pela Fundação José Augusto; A revista Brohaha, da Capitania das Artes; e temos a revista Papangu, editada por um grupo de jornalistas mossoroenses independentes. Como você analisa essa fase?
Nunca o nosso Estado conseguiu manter três publicações como essas revistas. É verdade que de um lado há duas revistas mantidas pelos cofres públicos. A outra, é a Papangu, mantida pelo próprio talento e seus leitores. A revista Preá parece muito mais um modelo profissional , bem mais tocado. A brohaha, me parece uma coisa boa para ensinar o prefeito de Natal a chorar (bruáááá...), mas tem seu valor. Só precisa ser da cidade e não de um dono que dita a pauta, aprova e proíbe pessoas e temas. A revista é muito mais do presidente da Capitania das Artes do que do povo de Natal. Um controle de informação. Um modelo antigo, conservador e concentrador. A revista Preá é mais aberta, mais ambas ainda não contam conselhos editoriais indispensáveis em publicações institucionais. A própria Revista da Academia não tem conselho editorial. Isto é uma prática perigosa. Se François Silvestre, por exemplo, tivesse tendência de mandão, já tinha implantado um coronelismo cultural. Ainda bem que ele tem uma sólida formação de democrata. A grande experiência de renovação é, sem nenhum favor, a revista Papangu. Uma revista de humor é uma conquista maravilhosa, enriquecedora. Primeiro que é uma coisa de louco, mas já dizia Cascudo, ele que só acreditava nos loucos. Uma revista de humor, irônica e crítica, tinha que nascer numa cidade como Mossoró. Por isso ela desmontou o jogo da mesmice. Numa cidade de porte médio, com três universidades, sob o julgo secular de uma só família que produz o governo, a oposição e até a dissidência! É a única cidade de porte médio onde o PT sequer elege um nome. Lá é Rosado contra Rosado. A família se dividiu e reinou. A Papangu sobrevive porque apostou no humor como a única forma de repetir na prática a imagem da pedra na vidraça. Ou chutava o pau da barraca ou não sobrevivia. Se a Papangu tivesse sido “sandrista”, “larisista”, “rosalbista” ou qualquer “ista” desses, teria naufragado. A revista mossoroense é um belíssimo exemplo da consagração da grande lição no jornalismo inteligente que usa o humor como um condutor de idéias. O humor é contra. A favor é graça, gracinha, gracejo. Não vale nada.

Você tem uma das maiores e mais completas bibliotecas do Estado. Qual o alumbramento que os livros causam?
A pessoa que não nasceu em berço de ouro, não teve família importante para as iniciações rituais da vida; não nasceu alto, moreno e bonito; não nasceu herdeiro de um curral eleitoral ou de uma fortuna, só tinha um caminho: a conquista de um espaço intelectual. Ou no jornalismo, que é o meu caso, e é de acesso mais fácil; ou o espaço intelectual mais formal, no sentido da universidade, do mundo acadêmico, de ser professor, de ser mestre, de ser doutor; ou, mais difícil ainda, o espaço de criador. Eu sou um homem sem títulos. Eu não tenho sequer currículo. Nasci em Macau e vim pra Natal, e acabou o currículo. A não ser o curso de Jornalismo que fiz sob pena de não poder exercer uma profissão para viver. Outros, mais felizes do que eu, nem o curso de Jornalismo precisaram fazer. Casei aos 23 anos. Filhos, família... Não pude me ausentar pra estudar lá fora. Então tomei esse gosto pelos livros. Esse gosto que eu digo é carregar esses milhares de amigos que estão aqui. Você vai e puxa um, puxa outro, convive com eles. Livro não incomoda. Não chateia. São silenciosos, aguardam, esperam. É uma convivência prazerosa. Então, pra mim, os livros representam a necessidade de vencer as minhas curiosidades. Sempre fui muito curioso. Lembro que perguntei à minha mãe, olhando para o mar, lá em Macau, o que tinha do outro lado do oceano. Ela disse: tem outras terras que um dia você vai conhecer. Quando cheguei a Portugal, a primeira vez, fui cumprir três compromissos da agenda da alma: conhecer o Gigante Adamastor, molhar as mãos no Tejo e entrar no mar de Nazaré. Hoje devo ter qualquer coisa em torno de 13 mil volumes. Foi a felicidade que me coube. Deixo uma herança que não tive.

Quais as obras mais importantes que você destacaria na sua biblioteca?
Devo ter alguns conjuntos singulares, como dizem os bibliófilos. Mário de Andrade nas edições originais e subseqüentes. Outra grande coleção que tenho é a Cascudiana, pela loucura que foi adquiri-los ao longo desses anos todos. Não é fácil comprar isso hoje em dia. É preciso levar uma vida inteira. Acho que tenho o melhor e mais completo acervo de revistas literárias aqui no Estado. De crítica impressionista e universitária . Seria impossível começar agora. São quarenta anos.

Como é ser imortal? Como é sua relação com a Academia Norte-rio-grandense de Letras? Qual a função social da academia?
Quando eu fui me casar, Rejane me fez três pedidos e um deles é que não gostaria de me ver imortal. Ela é anti-acadêmica total. Apaixonado, tive que aceitar as condições. Não pertenço a sociedades secretas – ela não queria que eu fosse da Maçonaria. Mas terminei abrindo o acordo. A primeira vez que fui convidado por Diógenes da Cunha Lima para a vaga de Newton Navarro. Estava praticamente eleito. Rejane teve uma reação duríssima. Desisti. Luís Carlos Guimarães não queria, por conta de um pacto com Nei Leandro, mas terminou aceitando para atender a Diógenes. Na segunda vez, houve um erro ao meu favor. Um imortal declarou que se eu fosse candidato, ele me derrotaria, apoiaria um nome para me derrotar. Reagi. Não aceitei ser desafiado numa eleição, mesmo difícil, com um eleitorado de quarenta votos. Rejane ainda quis manter a posição, mas minhas filhas ficaram do meu lado. Foi uma luta estranhíssima porque o outro candidato foi Vitória, filha do professor Américo de Oliveira Costa, de quem disputava a vaga. Ele era macauense, daí meu interesse. Foi uma luta danada, mas venci por 27 a 5. Aconteceu uma coisa muito interessante. No dia da eleição, eu tinha 19 votos nas mãos, estava eleito, e fui lá às 11 horas da manhã depositar os 19 votos. Eu tive oito votos a mais, mas com os 19 eu já estava eleito porque eu tinha a metade e mais um dos votos, como determina o regimento. Os jornais, baseados nas declarações do imortal adversário, noticiaram que a disputa seria voto a voto, imprevisível. A Academia é uma confraria. Agora, quem me deu uma definição de Academia foi um político: é uma instituição que pode emitir atestado de inteligência. Será?

PAPO CURTO SEREJIANO

Para que serve a poesia?
Pra nada. E graças a Deus!

Qual o verdadeiro sabor das palavras?
O sabor das intenções.

O que não pode faltar numa crônica?
As grandezas e misérias da vida.

Quais os livros que você levaria para uma temporada de 66 auroras no país de São Saruê?
Se a valise fosse pequena: D. Quixote para enganar o desespero; A Comédia Humana para manter a vida sublime e ridícula, como sempre foi; Em Busca do Tempo Perdido, revivê-lo; Fogo Morto, para manter acesa a chama da melancolia; Poesia completa de Manuel Bandeira para as noites de tristeza e solidão; e Macunaíma para acreditar na magia da vida.

A Literatura Potiguar ainda será reconhecida nacionalmente?
Não é fácil. Hoje não se tem só um público leitor a ser conquistado. Há um mercado, com seus produtos e produtores, mandando em tudo. Só o talento vence. É nossa única esperança.

Qual o segredo para se penetrar na alma feminina?
Bater, antes de entrar. Com a palavra.

Quando é necessário parar o mundo para ouvir uma boa música e qual o cenário perfeito para esse deleite?
Quando o patrão ameaça roubar a noite.

Qual o seu pecado predileto e por quê?
Comprar livros como se fosse rico.

Como você convive com os seus desafetos?
Uns, com indiferença. Outros, lamentando em silêncio que tenhamos nos perdido.

Qual a filosofia do ócio?
Ser avô.

Qual o encanto de Natal que o turista não pode deixar de conhecer?
As águas mornas do seu mar.

Há crepúsculos além do Potengi?
Meninos, eu vi!

3 comentários:

Anônimo disse...

Alex,
Nota 450000. E que trio, einh? Essa entrevista deve ter sido uma farra!
Abraço!!!
Meire

Anônimo disse...

E você, Alex ... Quando vai reunir suas entrevistas e publicar?

Anônimo disse...

LENDO O JORNAL DE HOJE, FICO MUITO TRISTE EM VÊ QUE OS JORNALISTAS USAM UMA MAQUINA TAO PODEROSA, PARA ASSEDIAR O LEITOR, PESSOA COMUM COMO EU E TANTOS OUTROS, OU SEJA QUEREM FAZER A GENTE INGOLIR AS INFORMACOES QUE ELES GANHAM PARA PUBLICAR, SEI QUE ESTAO GANHANDO, MAS NAO E JUSTO QUERER FAZER OS LEITORES DE IDIOTAS, PERDOI A ESPRESSAO MAS É COMO ME SINTO, VOU DIZER A MATERIA QUE LI: "DOS MORTOS ABANDONADOS" ELE FALA QUE NAO ESTAO GUARDANDO OS MORTOS KKKK PODIA FALAR EM GURDAR OS VIVOS, NAO SERIA MELHOR? ATE PORQUE VISITEI OS CEMITERIOS E NAO DEIXA NADA A DESEJAR!!! FALA NOS NOMES DE MORTOS FAMOSOS KKKKKKKKKK FULANO, FULANOS E FULANOS> SERA QUE E POSSIVEL ENCHER OS CEMITERIOS DE VIGIAS PARA GUARDAR OS TUMULOS DESSES FAMOSOS, JA QUE SERIA CEMITERIO PUBLICO, TERIA QUE GUARDAR TAMBEM O DE BRINQUEDO DO CAO, ETC, ETC, SERA QUE ESSE TAL VICENTE CONCORDARIA, VAMOS SER SERIO... A MENTALIDADE DO LEITOR TA MUDANDO. PAREM COM IPOCRISIA.