25 de julho de 2006

Diógenes da Cunha Lima, o Poeta do Baobá


Por Alexandro Gurgel e Lívio Oliveira
Caricatura: Túlio Ratto

“Diógenes é capaz de qualquer loucura para atender aos desejos do coração. Ele tem a capacidade de ser grande nos gestos e largo como o baobá. Talvez, por isso, tenha o encanto de ser vasto em tudo, amplo no abraço e no olhar, inimigo das coisas mesquinhas, guerreiro de sonhos, vaqueiro de auroras, agrimensor de amores, colecionador de paixões, pescador de lirismo, advogado das causas da alma, tudo quanto quebrar a mesmice da vida. Ele não se parece com ninguém, a não ser com ele mesmo. Quem seria, como ele é, um homem-árvore?”

(Vicente Serejo, na abertura do livro “Um Sentido para a Vida”, sobre a biografia de Diógenes da Cunha Lima, escrito pelo jornalista baiano Antonio Júnior)

Diógenes da Cunha Lima nasceu em Nova Cruz, em 1938. Chegou a Natal no início da adolescência para estudar e com o propósito de conhecer o Mestre Câmara Cascudo, recomendação do seu pai. Em 1963, formou-se em Direito, tendo o privilégio de ser aluno do Mestre Cascudo, tornado-se seu amigo e discípulo por mais de vinte anos.

Com uma vida profissional exercida ativamente, ocupou cargos importantes relacionados à cultura e ao ensino. Foi reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, secretário de Educação e Cultura do Estado durante o governo de Cortez Pereira, presidente da Fundação José Augusto, professor do Curso de Direito e é, atualmente, presidente da Academia Norte-riograndense de Letras.

Diógenes tem se dedicado a produzir literatura, não somente poesia, mas também biografias e ensaios. Seu primeiro livro publicado foi “Lua 4 vezes sol”, em 1968, marcando sua estréia no rol de grandes poetas. Em 1975, recebeu o prêmio Othoniel Menezes de Poesia, com “Instrumento dúctil”, cujos poemas Câmara Cascudo considerou “legítimos de veracidade, cotidianidade e realismo mental”.

Em 1977, com o livro “Poemas do amor sem sossego”, Diógenes da Cunha Lima recebeu novamente o prêmio Othoniel Menezes e uma Menção Especial Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores. Alguns poemas do livro “Corpo Breve”, de 1980, estão traduzidos para o francês, com o título: Tendresse: poèmes d’un amour tourmenté.

Reunido com os acadêmicos da ANL, Diógenes comunicou o recebimento de uma carta do poeta nicaragüense Pablo Antonio Quadra, traduzido no Brasil por Manuel Bandeira, elogiando alguns dos livros do poeta potiguar. “É um dos maiores poetas das Américas”, esclareceu o poeta nicaragüense, e Américo de Oliveira Costa respondeu: “Esse poeta não tinha qualquer valor até elogiar os livros de Diógenes”.

De acordo com as escritoras Constância Duarte e Diva Cunha, no livro “Literatura do Rio Grande do Norte - Antologia”, o projeto poético de Diógenes da Cunha Lima é perceptível desde os primeiros livros e encaminha-se no sentido de condensação da tensão poética num mínimo espaço verbal.

Com 20 livros publicados e parceiro em dezenas de livros, a obra de Diógenes da Cunha Lima é merecedora de um estudo mais cuidadoso, destacando a sua força poética e sua importância no cenário da Literatura Potiguar.

Numa manhã azul de labuta, a equipe da revista Papangu foi recebida no escritório do poeta-advogado, na Avenida Hermes da Fonseca, para uma entrevista exclusiva.

O senhor saiu de Nova Cruz ainda muito jovem, quando migrou para Natal. O senhor mantém relações com a cidade? Quais as memórias daquela época?
Pra onde vou, eu carrego o Agreste nas veias. Nova Cruz e o Rio Curimataú andam comigo. Na minha infância toda, o menino que fui convive comigo. Eu tenho todas as memórias da infância. Creio que fui privilegiado com a memória, pois tenho lembranças muito antigas, as quais me emocionam. Aos oito anos, eu fiz o primeiro poema e com uma pequena arrumada do padre, saiu no jornalzinho da Casa Paroquial.

E suas primeiras letras em Nova Cruz?
Eu fui coroinha da igreja e estudava também no colégio das meninas. Uma revelação: meu pai conseguiu que o colégio das freiras, que só ensinava a menina, recebesse também rapazes. Então, eu fiquei numa turma com sessenta meninas e três meninos. Um dia, eu fui fechar a janela porque estava resfriado e disse que poderia vir um “ar de vento”, então ganhei o apelido de “Advento”, que eu mandava logo para a “puta que pariu”. Um dia, na frente da freira, foi gravíssimo. As meninas fizeram um coral pra me chamar de “Advento”...

O senhor se formou em Direito em 1963 e no final dos anos sessenta, o senhor lança um livro de poesia “Lua quatro vezes sol”. Em tempos de ditadura militar, como o senhor conseguiu conciliar a advocacia e a poesia?
Quando eu cheguei de Nova Cruz, eu era um sonetista, e o soneto, aqui em Natal, era considerado pela turma de vanguarda como ultrapassado, e era quase uma gozação quando eu mostrava. José Augusto Delgado, que foi meu colega a vida inteira, era um sonetista emérito. Então, começamos a tentar fazer poesia desvinculada com outros ritmos, estabelecendo outras formas poéticas de apresentação. Mas, eu não consigo viver sem poesia. A poesia me acompanha. Eu sempre digo que a poesia é muito próxima da advocacia pela economia verbal. O bom advogado é aquele que consegue dar maior efeito com o menor número de palavras. A poesia também. Então, há uma aproximação muito fácil. Fazer poesia também é afastar demônios. É uma maneira de tirar todas as coisas negativas da vida.

E como o senhor vê o uso da advocacia em versos por alguns advogados que fazem peças de Direito em cordel, como o ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima? Inclusive, há juízes que despacham também em versos.
Ronaldo é meu primo, mas é mais do que primo, é irmão. Nós fizemos a primeira comunhão juntos (mostra o retrato da primeira comunhão ao lado de Ronaldo Cunha Lima). Eu sempre digo que poesia é uma herança. Eu herdei do meu avô, João da Cunha Lima e minha avó, Maria José da Cunha Lima, que eram poetas e moravam em João Pessoa. Toda a minha família é paraibana. Talvez por isso, muitas vezes, eu fui acusado de ser paraibano, pois nasci na fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba. A família de minha mãe é da família Ramalho de Piancó e meu pai é dos Cunha Lima de Areia. Eu e Ronaldo fazemos poesia juntos desde meninos. Eu fiz também poemas no fórum. Eu sempre conto uma história simples: uma vez, meu amigo e irmão, Luís Carlos Guimarães era juiz de Direito de Lajes e eu fiz um requerimento em versos pra ele. Então, Luís Carlos despachou em versos. E depois, esse fato foi péssimo pra ele, pois ele estava indicado para ser desembargador e os desembargadores disseram: “esse cara está levando a função dele na gozação” e Luís Carlos Guimarães perdeu a promoção. Eu dizia que ele era juiz de Direito e poeta de fato. Mas, ao longo da vida, Ronaldo e eu trocamos correspondências e fazemos poesia brincando com a vida e ao mesmo tempo com muita seriedade.

No livro “Natal, poemas e canções”, o senhor faz uma declaração de amor a Natal. Qual a importância da cidade na sua geografia poética? E mais. O senhor moraria em outra cidade que não fosse Natal?
Impossível. Revelo também outro fato: quando eu era secretário de Educação do Estado do RN, fui procurado por um grupo internacional que me levaria para São Paulo e ganharia três vezes mais do que ganharia um secretário, com direito a apartamento e carro. Então, fui pra São Paulo, passei quinze dias e voltei porque não pude viver longe de Natal. Natal é meu destino, meu porto, minha emoção, meu encanto. É a minha vida, minha poesia. Meus filhos que aqui nasceram, todos os quatro, meus netos que aqui nasceram. É o lugar que apascenta meus olhos. Quando eu vim de Nova Cruz, com 13 anos, meu pai, que era um homem literato, um homem estudioso e também poeta, disse para mim: “olha, você vai para Natal e lá tem um rio chamado Câmara Cascudo e o resto é tudo riacho”. E até hoje, acho que ele tinha certa razão. Eu mesmo sou um riachinho dos menores.

O senhor, durante a vida, exerceu cargos importantes relacionados ao ensino e a cultura do Estado. O senhor foi reitor da UFRN, secretário de educação e cultura, e presidente da Fundação José Augusto. Quais as ações mais importantes que o senhor destacaria?
Na Fundação José Augusto, acho que houve alguns momentos interessantes. O primeiro deles foi o projeto de incorporação e restauração da Fortaleza dos Reis Magos, que estava abandonado e era vinculado à Secretaria de Educação. Outra ação que considero importantíssima foi a criação de 150 bibliotecas, em 150 municípios do Estado. Dessas bibliotecas, a maioria fechou, mas outras se agregaram as novas bibliotecas e colégios. Mas, o fato é que foi um atrevimento grande de fazermos isso. Cada coisa tem seu tempo. Lá na Academia (ANL) nós inventamos um programa que veio frutificar na UFRN. Carlos Lira e eu inventamos o programa “Memória Viva” que se fotografava porque na época não havia filmagens e gravávamos em gravador de voz, em fita K7. Nós gravamos grandes figuras como K- ximbinho, durante esse período de grandes personalidades. Foi um momento muito interessante na Fundação José Augusto.

Esse material já virou livro? O que foi feitos dessas gravações?
Muita coisa desapareceu. Vou contar uma tristeza para vocês: quando estava na Fundação José Augusto, eu soube que João Alves, um velho fotógrafo, tinha feito um filme sobre Natal na década de 20 e 30. Esse material estava no fundo do quintal, numa lata enferrujada. Eu falei com João Alves e ele me disse que já tinha cansado de oferecer o material aos governantes, mas ninguém dava bolas. Então, eu comprei para a FJA por 500 qualquer coisa, não lembro a moeda da época. Depois, foi uma luta grande para tentar restaurar esse filme. Levei para São Paulo, Estados Unidos e nada. Eu estava já quase cansando quando encontrei um cineasta brasileiro chamado Aluízio Leite – não sei se está vivo ou morto – que levou e restaurou esse material no Rio de Janeiro. Então, eu deixei para a Fundação José Augusto. Imagine que esse filme tem as mulheres vestidas a caráter passeando na Avenida Tavares de Lira e os homens elegantemente vestidos de chapéu e o Zepelim passando sobre Natal, desfilando em cima do Palácio Potengi. Um filme preciosíssismo para a história. Mas, esse material desapareceu misteriosamente. Depois de muito tempo, eu procurei, insisti de todos os meios e nada. Recentemente, a mossoroense Isaura Rosado localizou esse material. Mas, só uma cópia porque os originais desapareceram. Como reitor da UFRN, fiz o projeto “Memória”, do qual participava o projeto “Memória Viva”. Como Secretário de Educação houve algumas ações interessantes. Uma delas foi em Mossoró quando eu abri no Estado, pela primeira vez, os convênios do Estado para colocar professores no Ensino Médio nos bairros. Na época, eu cheguei à Mossoró e fui visitar Dix-huit Rosado, por quem eu tinha uma grande admiração por seu talento fora do comum, uma cabeça diferente. E falávamos sobre poesia, literatura, então, Dix-huit, sem dizer uma palavra, me leva para ver dois colégios que estavam feitos, que tinha sido Vingt Rosado que conseguiu os recursos, mas sem funcionar porque a prefeitura não podia pagar aos professores. Eu fiz um convênio na hora. Eu disse para Dix-huit que se a prefeitura de Mossoró mantivesse os serviços gerais, o Estado daria os professores. Assinei o convênio, o primeiro do Rio Grande do Norte. Agora, todos os municípios têm, mas na época era uma novidade. Colocamos para funcionar imediatamente. Depois, Dix-huit mandou à Câmara Municipal, foi aprovado e eu recebi o título de Cidadão Mossoroense, que muito me orgulha. Outro momento interessante foi quando eu implantei o projeto de “Educação Especial”, tanto para os menos dotados quanto para aqueles alunos superdotados de inteligência, de criatividade, de capacidade esportiva e capacidade de empreender. Desses grupos, foram identificados garotos com talentos extraordinários. Esse foi um momento bonito da Secretaria de Educação. Além disso, na época, em grande parte das escolas do Estado só funcionava um expediente, que era durante o período da manhã. Então, colocamos as escolas para funcionar os três turnos. Com isso, a coisa funcionou bem nesse sentido. O governador era Cortez Pereira e ficou abaladíssimo quando eu disse que havia assumido esse compromisso lá em Mossoró. Falou que o Estado não tinha dinheiro e não poderia pagar, mas falou com Dix-huit e tudo deu certo. Como reitor, eu penso que houve algumas coisas muito importantes. Primeiro, eu diria que foi uma visão cultural na Universidade - naquela época a UFRN tinha uma visão muito tímida para certas coisas. A equipe que trabalhou comigo consegui dar um abalo na Universidade, criando o projeto “Memória” para resgatar os grandes feitos da instituição. Vou dar exemplo: Começamos com “Memória Viva”, que eu trazia da Fundação José Augusto. Foram mais de duzentas pessoas, dos mais diferentes níveis, entrevistados, dando depoimentos como matrizes dos seus pensamentos, entre artistas, políticos, poetas, etc. Ali, tem Dinarte Mariz, Aluízio Alves, Dom Helder Câmara, Câmara Cascudo, Hélio Galvão, dentre outras personalidades e intelectuais. Enfim, foi criado um acervo absolutamente fantástico na TV Universitária. Por sua vez, nós já tínhamos transformado a TVU, que transmitia em preto e branco e colocamos para transmitir em cores. Nós também fizemos um bom trabalho para recuperar a Música Popular Brasileira. Havia um pesquisador, Grácio Barbalho, professor de Medicina, mas que tinha o maior acervo do Estado sobre Música Popular Brasileira em 78 rotações, de 1927 a 1953. A gente gravou esse acervo e, nesse setor, é o maior documentário do Brasil. No período da Segunda Guerra, no Brasil, ele comentava a música popular que era cantada; “ai, ai, Cecília” era a Sicília, a ilha e não a mulher. Era a tomada da ilha na Itália. Ele comentava com muita proficiência. Fizemos a primeira Biblioteca de Cordel e a maior do país. Eram nove mil títulos e alguns tinham quatro ou cinco números. A segunda maior era a biblioteca da Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, que tinha quatro mil títulos. Imagine: só Veríssimo de Melo doou mais de mil exemplares de alta qualificação. Eu mandava gente para as feiras do Nordeste para comprar o que tivesse. Minha tristeza é que durante a passagem do Centro de Convivência para a Biblioteca Central Zila Mamede, o número de títulos foi reduzido a menos de quinhentos. A idéia foi tão boa que roubaram quase tudo. Além disso, fizemos uma documentação das teses de professores - isso foi um negócio fantástico! Quase quinhentos títulos foram editados. Na Música Popular Norte-riograndense, nós fizemos um projeto para gravar 10 discos pela Escola de Música da UFRN e gravamos 31 discos com autores, intérpretes, compositores, arranjos e tudo do Rio Grande do Norte. Isso foi um trabalho de Djair, que dirigia a Escola de Música, mas com apoio de professores que ficou um trabalho realmente muito bonito e único no Brasil. E o mais difícil era que a gente conseguia isso com o apoio da Federação das Indústrias, Federação do Comércio, Instituto Joaquim Nabuco, do Recife, Instituto Nacional do Folclore, enfim, com cada um, nós fazíamos uma parceria. Além disso, fizemos uma coisa também extraordinária que foi um laboratório de criatividade, reunindo intelectuais para ensinar aos mais jovens. Outra coisa interessante foi o Projeto Rio Grande do Norte, que hoje eu chamaria de Processo Rio Grande do Norte. O projeto era para que a UFRN usasse a preferência para as coisas do RN. Por exemplo: chegava uma professora para estudar serpentes, dentro do Departamento de Biologia, era estimulada a estudar sobre as cobras do Estado. Assim foi com plantas, petróleo, sal, camarão, enfim, tudo. Outra coisa que eu destacaria foi a duplicação da área física da Biblioteca Central Zila Mamede e o aumento do acervo livresco. Na época, a BCZM passou de menos de cem mil livros para duzentos mil. Compramos todos os livros que todos os professores queriam. Foi um momento rico da Universidade porque nós assumimos uma liderança nacional, ou seja, o presidente dos Funcionários das Universidades Brasileiras, Assis Cavalcante, era da nossa universidade e eu presidia o Conselho de Reitores. Então, nós tínhamos uma liderança nacional dentro de um momento muito difícil para o povo brasileiro, mas eu acho que consegui conviver bem com esse momento de ebulição. Quer um exemplo: a UNE era proscrita, era proibida pela ditadura militar de se manifestar e eu era o intérprete dos estudantes junto ao Ministério da Educação. Houve uma época em que os alunos vieram protestar na Reitoria, esculhambando com o sistema, com o reitor, com os professores, com tudo... E eu fui para a assembléia para discutir com os estudantes. No final, terminei levando umas palmas e vaias misturadas. Noutra oportunidade, eu cheguei ao aeroporto - isso ficou famoso aqui em Natal - e lá estava a UNE com um protesto tal no aeroporto Augusto Severo. Então, pedi calma, me deram o microfone e falei: “essa era a universidade que eu sonhei. Uma Universidade protestando, reclamando, gritando, clamando por justiça”.

Apesar de passar por cargos tão importantes, o senhor não tinha aspirações políticas? A política nunca o atraiu?
Eu sempre fui um namorado da política sem intenção de noivar. Eu gosto e tive o privilégio de ser amigos de grandes políticos do Rio Grande do Norte e advogado da maioria dos políticos da minha geração. Então, isso me trouxe uma coisa boa. Sou o resultado de cinco homens que influenciaram diretamente a minha vida: meu pai, matuto e estudioso de Nova Cruz; Câmara Cascudo, meu mestre durante 20 anos; Onofre Lopes, quem me fez reitor e fundador da UFRN; Dinarte Mariz, de quem fui amigo pessoal e biógrafo; e Djalma Marinho. Eu biografei três desses grandes homens: meu pai, Dinarte e Djalma. O livro de Dinarte está na segunda edição, o de Djalma vai para a segunda edição também e o livro do meu pai saiu agora. Mas, eu quero dizer que sempre fui ligado a política. Dinarte me usava como uma espécie de espoleta. Cada vez que ele queria fazer uma onda, ele dizia: “o candidato a governador é Diógenes”. Ele anunciava e isso criava um ambiente confuso nos seus adversários. Depois, ele fazia a composição que queria. Ele me lançou ao senado mais de uma vez. Deu-me todo o apoio para eu entrar na Universidade. Dinarte era uma figura notável. Djalma era aquele queridinho, aquele que dava um talento maior ao parlamento brasileiro e que me deu toda uma visão política. Agora, a política não me seduz para que eu atue. Mas me seduz pela capacidade de aprender e ouvir. Então, eu ouço todos, converso com todos e pela ordem, sempre em favor do Rio Grande do Norte. Hoje, sou extrapartidário - não vou dizer suprapartidário porque fica importante - (risos) - no sentido de que meu voto é daqueles que considero mais qualificados em qualquer partido.

O perfil político do poeta Diógenes da Cunha Lima é de um intelectual importante, com o pensamento político definido, estratégico, com uma visão sempre para o futuro. Por que o senhor, até o ano de 2006, ainda não participou ativamente dos conselhos da OAB-RN e também nunca foi candidato à presidência da Ordem?
Eu estimo muito a OAB e acho que é um órgão extremamente importante na vida do país. Fui conselheiro da OAB e tive o privilegio de ser o primeiro a lançar a idéia da “delegacia de carreira” para os delegados de polícia no Estado. Lutamos muito e conseguimos implantar. Algumas vezes fui convocado para ser candidato à presidência, mas nuca me atraiu. Acho que é uma coisa interessante, mas não chegou a hora de uma participação efetiva. Penso que é possível porque sou uma pessoa voltada para o social e não chegou a hora. Eu sempre digo que há duas lições na vida: a lição da pedra e a lição da água. A lição da água é a seguinte: você tem que ser simples, transparente e natural. A lição da pedra é: você tem que ser simples, forte e disponível. Dessas duas lições que aprendi com a água e com a pedra, você pode tirar qualquer conclusão. Sou disponível, sou simples, procuro ser natural, sou transparente nas minhas coisas, dizendo aquilo que penso e de que sou capaz de fazer, procurando imitar a água e a pedra.

O senhor sempre demonstrou apego às nossas tradições folclóricas, literárias e religiosas e para ter um lugar temático que possa apresentar a cultura potiguar, o senhor teve a idéia de criar o “Presépio de Natal”. Como surgiu o projeto e quanto tempo demorou até que saísse do papel?
Isso foi uma invenção quando eu ainda estava na reitoria já faz mais de 25 anos. Convidei Niemeyer (o arquiteto de Brasília) para fazer o projeto. Ele esteve aqui e fez, mas não havia condições de desenvolver o projeto na época. Depois, levei a idéia para a Academia e os imortais aprovaram. Contratamos Niemeyer com riscos porque se o projeto não ‘passasse’ no Estado, nós teríamos que pagar. E agora, depois de 25 anos, o Presépio está inaugurado com assinatura dele e do acadêmico Dorian Gray, que fez o painel interno. Um trabalho longo, mas com êxito. Gosto de trabalhar com a colaboração do tempo.

O que fez o senhor comprar o terreno em Natal, onde está localizado o Baobá e que hoje é uma atração da cidade, conhecida como o “Baobá do Poeta”? Qual a fascinação que essa árvore africana milenar carrega e como o senhor se sente sendo dono de um dos vinte Baobás espalhados pelo Brasil?
Eu me sinto muito gratificado e feliz com isso. Eu acredito na energia das árvores. Todo dia de manhã, eu tenho que tocar numa árvore. Isso não é superstição. Eu sinto boas energias. Acredito que pessoas e bichos têm energia positiva e negativa. Uma barata não é negativa só porque ela pode trazer mal, mas porque ela causa uma energia negativa, assim como o rato e o escorpião. A árvore só dá boa energia e tenho paixão por isso. Não tenho medo de dizer e nem pense que sou doido... (risos). No Bosque dos Namorados (Parque das Dunas), todo dia de manhã eu toco na Umbaia Doce, uma árvore com uma energia enorme. Quando eu era menino, vindo de Nova Cruz, jogava futebol com a garotada no terreno perto do Baobá e ficava espantado com aquela árvore extraordinariamente grande. E mais ainda, se dizia que era o Baobá do Pequeno Príncipe, o livro de Saint Exupéry - que toda miss, hoje em dia, tem que ler. Eu tenho 60 edições dele em diferentes línguas. Eu sabia que essa árvore era protegida pelo deputado Brilhante, de goianinha. Um dia, ele ofereceu à venda e eu fiquei apavorado que cortassem, até porque o Baobá toma a frente do terreno quase todo, ele tem 19 metros de circunferência. Eu fui até ele e falei sobre a importância de conservar a árvore e que ele não podia vender a qualquer pessoa. Na época, ele queria muito dinheiro e para piorar, um jornal do Recife publicou que eu tinha comprado a árvore por 100 mil dólares. Foi uma onda enorme. A verdade é que troquei o terreno com o Baobá numa casa que eu tinha em Búzios, no litoral sul de Natal, e ainda voltei algum dinheiro. Essa história saiu nos jornais do mundo inteiro. Eu tenho recortes do Clarim, um jornal de Buenos Aires, tenho de Turim, na Itália, La Stampa e outros jornais. Mas o Baobá ficou preservado e agora, vai ter uma novidade. Eu comprei o outro terreno para ampliar e dar mais espaço ao Baobá. Uma área para exposição sobre o Pequeno Príncipe. Agora, Baobá não dá em todo lugar não. Há muita árvore parecida, muitos primos. Outro dia, me disseram que lá perto de Nova Cruz, em Pedro Velho, havia uma árvore que era um Baobá e eu fui bater lá. Quando cheguei ao lugar, vi que era uma árvore linda e grande que merece ser conservada, mas não era um Baobá. Baobá chama-se Adansonia Digitata porque sua folha tem formas de cinco dedos. No Estado temos um em Nízia Floresta, em São José do Mipimbu e em Natal. Esse número ainda está pequeno, mas, hoje, já tem dezenas de Baobás no Rio Grande do Norte porque eu plantei.

Como o senhor define sua poesia e sua poeticidade?
Penso que os poetas são espécies de lanternas. A palavra poeta, antigamente, tinha o mesmo sentido de profeta. Isso não quer dizer que eu seja profeta. Mas, o poeta vê longe, vê mais. A poesia é uma comunicação através da lanterna. Você acende a lanterna e vê quem quer. É uma forma de estar próximo ao outro e acreditar nos valores superiores do espírito. Ver que a vida deve ser olhada no plano mais alto, que faz você olhar até o horizonte e não apenas as coisas mais imediatas, dramaticamente negativa na sua vida. A poesia é uma comunicação de tal forma que a poesia não é feita por mim, ela nasce a cada vez q ue uma pessoa lê. Ela nasce e renasce em cada leitura porque o leitor faz a poesia.

De acordo com o professor Tarcísio Gurgel, no livro “Informação da Literatura Potiguar”, o senhor segue uma tradição que remonta o alumbramento com o fato de se considerar um poeta. Até onde o professor tem razão?
Acho que ele tem toda. Outra coisa que penso, mas não há nenhuma comprovação científica, mas acho que a poeticidade é genética. A poesia é uma condição que vem dos seus antepassados. Meus avós eram poetas... Em cada família - são sete famílias - há pelo menos uns três poetas. A poesia é uma dimensão especial. Ela tem a largura, a altura, a profundidade e o tempo. Uma coisa é você ver sob o ângulo poético que é muito diferente do ângulo prosaico.

Referindo-se ao livro “Os Pássaros de Memórias”, de 1994, Gilberto Mendonça Teles diz que o senhor é um dos poetas mais expressivos na poesia nordestina. Como o senhor se sente com essa referência?
Eu fico muito feliz com essa declaração porque Gilberto é professor de doutorado de literatura. Ele é um poeta dos maiores. Eu fico muito feliz com essa afirmação e me agrada ver o reconhecimento. Recentemente, um professor da Universidade de Roma traduziu alguns textos de escritores brasileiros que falaram sobre Roma. Entre esses escritores estão Cecília Meireles, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros, e eu. Ele vai lançar durante a feira do livro de Roma e me convida para eu ir para lá para fazer um discurso no evento. Como eu sou muito bairrista, apaixonado totalmente pelo Rio Grande do Norte, considero uma participação do meu Estado em solo italiano. Eu tenho um livro de poesia publicado na França e para mim é um encanto. Quem poderia imaginar um poeta de Nova Cruz chegar a esse ponto?

O poeta chileno Pablo Neruda escreveu a obra “Libro de las Preguntas” e o senhor escreveu o “Livro das Respostas”, oferecendo um diálogo literário lúdico. Como surgiu a idéia de responder às perguntas do poeta chileno?
Neruda foi meu encantamento. Em minha opinião, ele foi o maior poeta das Américas de todos os tempos. Houve um fato interessantíssimo: Chico Cortez era gerente do Banco do Brasil, em Estocolmo, quando Neruda ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Chico gravou uma entrevista de Neruda numa rádio de lá e mandou pra mim. Isso foi um choque tremendo, eu ouvir a voz de Neruda. Talvez eu seja a única pessoa do mundo a ter essa gravação porque a rádio jogou no ar e, provavelmente, ninguém mais tenha gravado. Posteriormente, eu fui homenageado pela Universidade do Chile. Na época em que Neruda era proibido por lá, no período de Pinochet, eu quis mostrar esse livro, mas não permitiram. Alguns professores e o reitor me levaram a um apartamento e mostrei para pessoas especiais, que eram nerudianos que se encantaram e quiseram uma cópia. E isso ficou girando na minha cabeça, a proibição do maior poeta das Américas dentro do seu próprio país e eu louco para mostrar a importância de Neruda. Aconteceu que Veríssimo de Melo veio na minha casa e disse: “Diógenes, você conhece o ‘Libro de las Preguntas’ e eu gostaria que você respondesse três perguntas para que eu fizesse uma crônica”. Comecei a escrever e me senti quase como se Neruda baixasse para ter um diálogo comigo. No final, sairam mais de trezentas respostas. Esse negócio foi tão emocionante que virou peça de teatro com o título “Diálogo de Nuestra América” que já foi apresentado em Natal, Maceió, João Pessoa e outras cidades. Há um grupo paraibano liderado por Altimar Pimentel que transformou esse diálogo numa peça de teatro. Ultimamente, eu tive uma grande alegria porque dois amigos meus, Aluízio Ferreira e Assis Câmara, estiveram na casa de Neruda, chamada “Ilha Negra” e tiraram fotografia porque viram, entre as obras básicas de Neruda, o meu livro entre tantos outros.

Houve algum receio em responder algumas questões “irrespondíveis” porque alguns poetas deixam perguntas para não serem respondidas?
Na verdade, Neruda dizia que essas são perguntas líricas e emocionantes que não seriam respondidas. Um amigo meu me disse: “quem é você para falar de Neruda?”. Ao longo da minha vida, eu colhi todas as alegrias e todas as tristezas. Já fui vítima de agressões, das mais sujas que você possa imaginar. Não é fácil você ser o que é. Por exemplo, é dificílimo ser advogado em Natal e ter um êxito - que acho que tenho até hoje - porque era levado ao ridículo. Para algumas pessoas, eu não era advogado, eu era poeta. Um poeta é como um bicho-de-pé, uma coisa negativa. Então, as pessoas não aceitavam que eu fosse advogado e boêmio. E eu sempre lembrando da história de Vinícius de Morais, quando ele era adolescente e um grupo de amigos dele se reúne e diz: “você vai ter que deixar de fazer poesia porque isso é coisa de veado...” (risos). Então, isso é um risco que você sempre corre quando escreve poesias.

Gostaríamos que o senhor falasse sobre a dualidade de ser poeta e advogado, que são duas atividades aparentemente distintas, mas ambas lidam com um instrumento único que é a palavra. O advogado visa à conquista através da palavra e a poesia é outra forma de conquista que utiliza o mesmo instrumento. Essas agressões sobre as quais o senhor falou eram porque não se poderia exercer as duas atividades ao mesmo tempo? Até o próprio Vinícius deixou de ser diplomata por causa de tantas agressões que sofreu por ser um poeta.
A advocacia é uma ciência eminentemente, moral. Na poesia, é preciso ter a força dos bons costumes para mantê-la. Para o poeta, tudo é difícil. A publicação já é complicada. É mais fácil publicar um livro de história do que um livro de poesias. Mas, antigamente era muito pior. Quando você levava um livro de poesias para vender nas livrarias, era quase uma gozação. Hoje, já se vende muitos livros de poesias de autores do Estado, uma coisa inovadora. Os leitores sabem que você está oferecendo um produto que é parte da sua alma. Então, as duas consciências moral se aproximam. Você tem que manter a rigidez, só aceitar a crítica que constrói. A poesia não dá nada a ninguém. Eu estive conversando com um dos maiores poetas do Brasil, Afonso Romano de Sant’Ana, que dizia que a poesia não serve pra nada. Mas também serve para muita coisa. Ela serve para construir o homem. Vou dar um exemplo: se você examinar a religião cristã, toda sua base foi feito em poemas, três poetas foram reis: David, Salomão e Jesus. Toda a trajetórias desses reis foram relatadas em poemas e passados de geração a geração. Não conheço poema maior do que o Sermão da Montanha. E esses homens são construtores de alma e a poesia é o veículo. Ao mesmo tempo em que a poesia não serve pra nada, ela serve para tudo. Portugal não existe sem Camões, a Inglaterra não seria grandiosa sem a poesia de Shakespeare. E tudo começou na Grécia com a Ilíada e a Odisséia, de Homero. No Brasil, a história da libertação dos escravos começa com a poesia de Castro Alves.

O senhor considera que a poesia tem uma ética, uma responsabilidade?
A poesia tem uma responsabilidade ética e social. Até quando se faz “nonsense” já está ensinando alguma coisa. Há alguns poemas meus que o Raro Sabor colocou lá e já houve gente que me procurou dizendo que decorou alguns versos. Há um sobre o bêbado que diz assim: “o bêbado sobe o monte / mijando estrelas / na linha do horizonte”. É um poema ‘nonsense’ que cria uma mensagem moral dentro do quadro, uma respeitabilidade para aquele que faz. Se Jesus defendia as prostitutas, que dizia que elas chegarão aos céus antes de vocês (risos), imagine um bêbado o quanto é agredido!

Como surgiu a inspiração para escrever canções?
Uma das minhas duzentas manias é fazer melodias. Cada filho meu, cada neto e algumas pessoas ligadas a mim eu faço uma canção de ninar. Meus filhos foram embalados com uma canção de ninar específica para cada um deles. Primeiro para Leila, depois para Diógenes Neto, pra Cristine e pra Karenine... E também fiz para os filhos e netos da minha irmã. Algumas dessas melodias já foram publicadas. É muito diferente uma criança ser embalada com uma canção de ninar que foi feita para ela. E isso me retempera das angústias que a vida lhe traz. Às vezes, quando você aparece muito na mídia, você paga um preço muito alto com pessoas tentando queimar você por trás. Figuras como Sanderson Negreiros, Nei Leandro, Paulo de Tarço, Luís Carlos Guimarães pagaram um preço muito alto pelo exercício da poesia. Agora, é nosso destino.

Afinal, Câmara Cascudo era um brasileiro feliz?
Era. Ele fez tudo o que quis e o que ele queria era compreender o Brasil e os brasileiros, dedicando sua vida a esse propósito, mas sem perder a humanidade. Cascudo era um farrista, um boêmio, um homem que gostava de brincadeiras, um sujeito que conversava com crianças. Com 13 anos de idade, eu cheguei à casa de Cascudo e disse: “eu sou um estudante que quero conhecer o senhor porque meu pai recomendou”. Ele me recebeu e a partir desse encontro criou-se um elo muito forte entre a gente. Quando levei o livro “Cascudo, um brasileiro feliz” para mostrá-lo, ele disse: “não gostei do título. Você está chamando milhões de brasileiros de infelizes. Só eu que sou feliz?” Tempos depois, ele passou a dizer: “sou o que Diógenes falou, um brasileiro feliz”.

O senhor teve uma relação muito estreita com o Mestre Cascudo, mais de 20 anos de convivência. Quais são os grandes momentos dessa amizade?
Eu era uma espécie de ‘sparring’ para Cascudo. Ele me elegeu como aluno predileto dele. Eu também prestava alguns serviços pra ele. Fui seu advogado, por duas vezes ou mais, ia buscar o dinheiro dele no banco e outros serviços corriqueiros. Ele também me mandava fazer pesquisas... Como por exemplo, quando chegou ao Brasil um dos maiores pintores do mundo, chamado Albano Neves, um português que morava em Angola, para conhecer Cascudo. Você já imaginou o que é isso? Então, Cascudo me manda ir com Albano para que ele veja vaquejadas para poder pintar e minha obrigação era pegar os termos e expressões da vaquejada para Cascudo fazer um glossário. Outro momento inesquecível foi no Clube dos Inocentes - eram inocentes nos defeitos alheios e cientes nas virtudes alheias - e eram 13 membros e o símbolo era o galo. Se lembre que 13 é o número do galo no jogo do bicho. Geralmente, nós nos reuníamos na casa de Cascudo para conversar ao sabor de muita bebida. Uma vez, ele me fez ajoelhar numa almofada vermelha e com uma espada na minha cabeça dizia: “jura, promete e honra ser rei de todos e escravo de cada um?”. Isso ficou registrado na minha cabeça como um momento de grande alegria. Ele também condecorava a gente com medalhas que ele recebia. Nesse dia, eu fui condecorado com a medalha de São Gregório, que ele havia recebido do Vaticano. Cascudo também fazia questão que eu estivesse presente em momentos maiores, como por exemplo, quando foi visitado por Juscelino Kubitschek e eu participei da conversa. Ele quis minha presença quando José Américo de Almeida foi visitá-lo. Há também momentos dramáticos quando me pediu que eu providenciasse a roupa que usaria para o próprio sepultamento e pediu também que seu corpo saísse da Academia de Letras Norte-riograndense, de onde saiu para sua última morada.

Como era o Cascudo poeta e tradutor de Whitman?
Recentemente, Vicente Serejo registrou que Cascudo foi o primeiro tradutor brasileiro, de importância superior a Gilberto Freire, que traduziu Whitman. Ele procurava primeiro as traduções do que queria e se achasse insuficiente, ele ia traduzir. Ele era tão cauteloso e sério que procurava um professor de inglês ou um americano para testar a tradução. Ele traduziu e fez um livro sobre o dialeto toscano, uma língua antes do italiano. Ele estudou isso como ninguém e, ainda hoje, é objeto de estudo pelo mundo. Cascudo era um muito bom poeta, mas ele achou que era um caminho onde produziria menos, já que na terra havia poetas melhores. Cascudo não se permitia que ele fosse o melhor em cada setor. Ele só se metia no assunto para ser o melhor.

Outro grande poeta e tradutor importante era Luís Carlos Guimarães, que teve uma relação muito forte com o senhor. Como foi essa convivência?
Luís Carlos era um encanto de pessoa, foi meu companheiro de escritório quando trabalhou comigo durante muito tempo e foi companheiro de poesias de todas as horas. Era um crítico da minha poesia e eu também me atrevia em dizer alguma coisa sobre a poesia dele. Nós dois, juntos com Nei Leandro, formávamos uma amizade “inafastável” e ilimitada. Penso que ele escolheu, para sua despedida, a nós dois. A história foi a mais dramática possível. Era uma segunda-feira, ele me telefona e diz: “olha, venha tomar uma taça de vinho comigo”, e eu disse: “vou não porque eu tenho que trabalhar”. Então ele reforçou: “estou com Nei Leandro”, e eu repliquei: “é outro vagabundo igual a você”. Bom, eu fui. Ali, a tarde inteira, ele passou a limpo a história da nossa vida. Deu-me conselhos, como deu a Woden para acabar com a briga, porque eu estava meio brigado com Woden. Então, Luís Carlos deu um carão em mim e outro nele. Enfim, foi uma despedida fantástica, de brincadeira, de emoção, parecia até que ele sabia que ia morrer. Antes, ele vendeu a casa e comprou um apartamento para Leda ficar, escreveu a morte de Lula Capeta, que era o apelido que ele tinha.

Luís Carlos Guimarães é um desses imortais insubstituíveis?
Há algumas pessoas que eu diria que são insubstituíveis. Seria preciso fazer uma adequação. Por exemplo, quando Cascudo morreu, eu fiz um acordo com a Academia para nuca preencher o lugar de Cascudo porque tinha uns trinta candidatos, cada um mais fraco do que o outro, para o tamanho intelectual de Cascudo. Depois de cinco anos, apareceu um nome que o próprio Cascudo aprovaria, Oriano de Almeida, um amigo de Cascudo que era apaixonado pela música de Oriano. Agora mesmo, vivemos um problema semelhante com Vingt-un, um gigante. Eu penso que Mossoró deveria fazer um monumento ao livro, homenageando a obra de Vingt-un. Apareceram uns duzentos candidatos para a vaga de Vingt-un e eu os desencorajei porque não posso admitir um negócio desse. Não posso colocar no lugar dele, um sujeito que tenha um livrinho de má qualidade. Ele era um homem que valorizou a cultura brasileira partindo de uma cidade do interior, e isso é uma coisa única.

Durante algum tempo, o senhor vivenciou uma “arenga literária” com o doutor Vingt-un, quando ele reclamava que a Academia estava muito natalense e era necessário mais espaço para Mossoró, Caicó e outras cidades do Estado que produzem literatura. Como foi esse episódio?
Vingt-un não era uma pessoa, era uma “força da natureza”. Eu nunca tive coragem de resistir a Vingt-un e a tudo que ele queria. Um dia, eu me senti agredido. Eu estava muito triste com a morte de Aluízio Azevedo, a família chorando, eu fiz o discurso emocionado na Academia e fui para o meu escritório. Com um pouco de tempo, toca o telefone e era Vingt-un dizendo: “olhe, eu quero seu voto e seu apoio para Fulano de Tal” e eu disse: “Vingt-un deixe o homem esfriar”. Então, ele ficou magoado e disse que a Academia estava contra sua indicação e que tinha virado natalense. Coisa que não era verdade, visto que havia gente importante de Mossoró na Academia. Depois, encontrei com ele e fizemos as pazes. Ele também fazias umas coisas do tipo “olhe, é o último pedido que lhe faço porque vou morrer”. Vingt-un era a maior expressão de força de vontade intelectual do Rio Grande do Norte.

De que forma o nome de Nei Leandro foi cogitado para assumir uma vaga na ANL?
Nei é um nome para estar em qualquer lugar, até mesmo na Academia Brasileira de Letras. Agora mesmo, Luís Carlos Barreto está fazendo um filme sobre o romance de Nei, “As Pelejas de Ojuara” e ele me disse o seguinte: “há três personagens importantes na literatura nacional: Macunaíma, de Mário de Andrade; Vadinho, de Jorge Amado e Ojuara, de Nei”. Então, não precisa dizer mais nada. Acho que inventaram que ele disse algo sobre a ANL e ele ficou queimado entre os membros.

Numa entrevista à revista Papangu, o escritor e poeta Moacy Cirne disse que só aceitaria entrar para a Academia Norte-rio-grandense de Letras se, durante sua posse, todos os acadêmicos fossem nus para a solenidade. Como o senhor avalia essa declaração?
Ele é um rei e o rei está nu (risos).

Todo dia 14 de março, os poetas comemoram ativamente o Dia Nacional da Poesia, com apoio da Capitania das Artes. Por que a Academia Norte-rio-grandense de Letras não participa das comemorações e não incentiva prêmios literários?
A Academia não quer concorrer com os organismos do Estado. A Academia é uma entidade privada e vive sem verba nem apoio. Ninguém recebe dinheiro para ser acadêmico, pelo contrário, às vezes fazemos cotas. Nós apoiamos e estimulamos, mas ficamos, muitas vezes, na sombra. Mas, os planos da Academia são grandiosos. Estamos trabalhando para trazer um encontro dos poetas do mundo para Natal e tem faltado apoio de governo que promete e na hora não acontece. Agora mesmo, foi acertado com Salustiano, responsável pela Bienal do Livro de Natal, para que a gente possa fazer algo grande com esse encontro de poetas.

Como o senhor avalia o atual momento literário no Rio Grande do Norte? Quem o senhor destacaria como poeta e como prosador?
É muito difícil a gente destacar alguém. Mas, há uma ebulição muito interessante. O concurso Câmara Cascudo de prosa foi criado por idéia minha quando eu dirigia a BBC, que hoje é a Capitania das Artes, e o então vereador Eugênio Neto fez o projeto criando o prêmio. Recentemente, nessa última versão do prêmio, fui convidado para participar da comissão julgadora e escolher entre mais de vinte trabalhos. Tivemos muita dificuldade para a escolha de um nome, mas ficamos com um rapaz que fez um estudo sobre Cascudo. Um rapaz humilde que escreveu sobre as lendas de Arês. Um trabalho muito interessante.

O senhor tem outro diálogo poético no prelo? Como será este novo projeto?
Meu amigo Cristóvão Buarque, ex-governador do Distrito Federal, fez também um outro livro chamado “O Livro das Perguntas” e eu brinquei e fiz o “Livro das Respostas”. Mandei dizer a ele que só apresentava quando o livro estivesse pronto. O livro está pronto.

Em 2003, o jornalista baiano Antonio Júnior fez uma biografia autorizada do senhor. Como o senhor se sente sendo biografado em vida? Há o risco de esse livro ficar ultrapassado? Até porque o senhor continua produzindo.
Antônio Junior disse que ia fazer outro livro porque aquele já estava superado. Naud (apelido do jornalista) é um dos melhores poetas desse país e com sua vivência cigana, porque mora uma hora em Barcelona, noutra em Salvador, Londres ou Paris, chegou dizendo que iria morar definitivamente em Natal. Ele resolveu fazer uma entrevista e essa entrevista ele transformou em livro. Eu fiquei feliz. Ele me fez umas sacanagens quando eu abri todos os meus arquivos. Ele ouviu Nei Leandro de Castro e outros colegas, que contaram umas safadezas minhas e ele publicou. Uma delas era que na época de Maria Boa, eu fazia poemas para as “meninas” porque não tinha dinheiro para pagar. (risos)

Como o senhor vê o jornalismo praticado pela revista Papangu?
Com muito encanto. Primeiro, quando a revista surgiu, eu pensei que sairia um ou dois números e fechava. Teria uma vida efêmera como uma flor que nasce e desaparece logo, como as xananas nos canteiros de Natal, que nascem nessa época do ano e logo em seguida, morrem. Mas, ela está provando a vitalidade e é indiscutível a qualidade intelectual existente em suas páginas.

Hoje, há um movimento de revitalização da Ribeira e do Centro Histórico de Natal, sobretudo com a ebulição dos movimentos culturais resgatados pelas pessoas que freqüentam o Beco da Lama. Como o senhor está acompanhando essa efervescência cultural?
Minha vida toda foi ligada à boêmia. Poucas vezes estive no Beco da Lama. Minha vida boêmia era a Ribeira, minha paixão é a Ribeira e o poema da minha vida é a Ribeira. Meu encantamento começa na Fortaleza dos Reis Magos, passando pelo Canto do Mangue e Ribeira, subindo até o Convento Santo Antônio, sem passar pelo Beco da Lama. Acho um movimento que está chamando a atenção. É um grupo interessante de poetas e intelectuais. Há alguns amigos meus da maior grandeza que freqüentam o Beco e sou um admirador dessa boêmia.

Como o senhor poderia definir Diógenes da Cunha Lima?
Há um poeminha meu antigo, publicado no meu primeiro livro que diz assim: “ Sou menino que comia coração de beija-flor / Sou um rapaz que recitava versos lindos de amor / Sou um homem cansado de pássaro de estrelas / A menos que a mulher esteja a vê-las / O umbigo da mulher é uma estrela”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa tarde!

Primeiramente, gostaria de parabeniza-los pelo conteúdo do site.

Meu nome é Jéssica Amaral, sou responsável pela área de links do site (www.imoveiscuritiba.com.br) e tenho interesse em enviar uma proposta em relação a inclusão de links. Gostaria de encaminhar a Proposta de Negócios de Nossa Empresa, caso haja interesse, por favor informe o endereço eletrônico do responsável pela área comercial/marketing.

No aguardo, agradeco desde já.

Atenciosamente.

Jéssica Amaral
Imoveis Curitiba - área de links
Fone: +55(41) 3356-5683 - ramal 211
email: jessica@planetaimovel.com - www.imoveiscuritiba.com.br

Ernesto Moraes disse...

Eu tinha Diógenes da Cunha Lima como mais um rico da cidade que não esta nem aí para o resto que não sejam também ricos... Feliz ilusão essa minha, eu lendo um comentário postado logo no inicio do blog, onde o escritor Alexandro Gurgel descreveu Dr. Diógenes com uma analogia muito pertinente “Ele tem a capacidade de ser grande nos gestos e largo como o baobá.”, entendi naquele momento que era isso mesmo que eu gostaria de ter dito dele nesse rascunho muito humilde que dirijo a um grande homem como ele, e descobrir que a gente para ser grande ter que ter sucessivos atos pequenos no sentido de humildade nata, e ele ao que me parece os tem. Num gesto inesperado hoje pela manhã, Dr. Diógenes, acompanhado de uma personalidade impar aqui no Estado, em visita ao seu baobá, em meios de repórteres e outras personalidades de peso como o padre José Mário da paróquia de Ponta Negra, (Grande homem de Deus), “puxava” para o seu lado e também para perto do sobrinho do escritor do Pequeno Príncipe o engenheiro François d'Agay, três agentes de trânsito que gerenciavam ali naquele momento o trânsito, para tirar fotos com eles diante do baobá, uma foto, sem dúvidas, histórica que marcará a vida de todos no futuro.
Parabéns Dr. Diógenes da Cunha Lima