19 de julho de 2006

Entrevista com José Bezerra

Foto: Alexandro Gurgel
José Bezerra: “essa roubalheira toda vai contribuir para criar uma vacina ética contra a corrupção”

Por Alexandro Gurgel

Eleito pelo PT em Janduís, município da região Oeste do Estado, distante 280 km de Natal, José Bezerra foi o primeiro prefeito do Rio Grande do Norte a fazer de sua administração um exemplo para todo país, derrubando antigas rivalidades coronelistas com um grande apoio popular: “foi preciso um mito, o de Salomão Gurgel, para vencer outro, o do coronel Onezimo Maia”, lembrou.

Durante a crise de 89/92, o então prefeito José Bezerra decretou estado de calamidade pública na cidade e contraiu empréstimos em seu nome para ativar um programa de emergência. Em sua opinião, o PT não tem dado a devida atenção ao município. “Janduís, pela miséria, por ser um município pequeno, incomoda o partido. Janduís é o retrato da maioria dos municípios brasileiros e o PT não pode deixar de ter propostas para essas cidades”, disse.

Candidato a governador por um partido com 84 anos de história política no Brasil, militando na política há quarenta anos na esquerda, José Bezerra começou sua vida política como líder estudantil aos 14 anos, durante o período negro da ditadura militar. “Naquela época, eu lutava por liberdade para garantir que o povo voltasse a viver o estado democrático”, ressaltou.

José Bezerra participou dos quadros do PMDB quando o partido era uma referencia de esquerda na política brasileira, no tempo em que havia a polarização com a Arena dos militares. Passou mais de 20 anos militando nos quadros do PT e saiu do Partido dos Trabalhadores por discordar de práticas adotadas pelo partido que ele não concordava. Voltou a filiar-se ao PCB para continuar exercendo sua atividade política como cidadão.

A convenção do PCB foi realizada no dia 24 de junho, Dia de São João, tendo seu nome conquistado a unanimidade do partido para ser o candidato a governador e tendo como vice-governador, Souza, militante do PCB há muitos anos e líder de movimentos comunitários. Para senador, Edgar Caldas, membro ativo do Movimento dos Sem Terras e dos Sem Tetos. Quatro candidaturas a deputado estadual e uma para deputado federal foram homologadas durante a convenção.


O que levou o senhor a ser candidato à governador do Estado do RN?
Devido a uma resolução do Diretório Nacional do PCB (Partido Comunista Brasileiro) decidindo que o partido teria candidatura majoritária onde fosse possível, dando visibilidade ao partido e contribuindo com o processo democrático. O PCB do Estado resolveu que meu nome seria uma boa opção. Sai do PT em 2004, fui o primeiro prefeito eleito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no Rio Grande do Norte, em Janduís. Relevando as condições do município, acho que tivemos a oportunidade de realizar uma das mais importantes administrações pública desse país, levando em consideração a ética, o trato com seriedade frente aos recursos públicos, a participação popular, combate rigoroso a corrupção e combate as práticas clientelísticas fisiológicas. Nossa administração chegou a ser divulgada nacionalmente por ser um município pequeno. Quero levar esse modelo de administração para o executivo estadual.

O que o senhor destacaria durante sua administração em Janduís?
Além de garantirmos o acesso ao cidadão, no município de Janduís, a saúde, educação, habitação, como um direito de cidadania e não como um favor – uma prática comum dos governantes do interior – a gente teve essa preocupação de oferecer esse direito aos cidadãos. O mais importante foi que a gente inseriu, na prática política no povo de Janduís, a participação popular e a democratização do poder. Um país onde o povo não participa, onde o povo não decide, onde o povo é enganado e manipulado, acho que nossa administração foi um grande avanço para uma terra que foi durante muitos anos governada por coronéis.

Como se deu a continuidade desse trabalho realizado em Janduís?
Eu não fui eleito, mas fiz o sucessor. Quando eu fui prefeito em Janduís, não havia o instrumento da reeleição. Eu sucedi Salomão Gurgel e Sebastião Gurgel ‘foi meu sucessor. Todos eleitos pelo Partido dos Trabalhadores.

O que aconteceu depois?
Começaram as mudanças. Ele (Sebastião) saiu do PT. Era uma pessoa de bem, mas não tinha nenhum compromisso ideológico para continuar trabalhando da forma planejada. Apesar de ser uma pessoa honesta, sua administração fechou-se para o povo, não acontecendo a participação popular como havia antes.

Como candidato a governador, o que o senhor traz de propostas novas para os eleitores do Rio Grande do Norte?
Minha candidatura representa um projeto partidário. A gente tem um sonho de um dia viver numa sociedade diferente, onde o cidadão possa desenvolver todas as suas potencialidades e tenha acesso a todos os bens concretos na vida como seus direitos. A gente sempre lutou para a consolidação da sociedade. O exemplo que nós tivemos com a União Soviética e o Leste Europeu fracassaram por repetir, na prática, todos os vícios e deformação do capitalismo que são os privilégios das elites e a corrupção, fatores principais que contribuíram para a derrocada dessas nações. Outra coisa, qualquer projeto político que chegue ao poder, ele tem que ser um projeto que tenha o apoio do grande conjunto da sociedade. Há um conceito clássico que diz que o Estado é um instrumento de dominação de uma classe sobre outra, mas os movimentos sociais e as organizações populares, com suas lutas e seus avanços têm democratizado esse Estado. O povo tem evoluído nas suas conquistas. O nosso objetivo fundamental não é nenhum projeto megalomaníaco e proporcionar ao cidadão os bens concretos da vida, como está na Constituição, passando pelo acesso à saúde de qualidade, a educação, a moradia, trabalho digno, salários dignos. Sonho que um dia o Estado deixará de ser um instrumento a serviço das elites dominantes. Queremos um estado voltado para a população e não Governo servindo como um instrumento de negócio para enriquecer políticos e permanecerem no poder eternamente. Queremos criar mecanismos para que o povo tenha um controle da administração pública com uma intensa participação. A corrupção é intrínseca do homem que vive no Estado Burguês que é corrupto por excelência. Então, se você entra com uma proposta radical de transformação, muitos conseguem se adequar, mas outros saem com um discurso para ganhar votos e, eleitos passam a governar seguindo as práticas daqueles que eles sempre condenaram. Então,

Como está a militância do PCB em prol da sua candidatura?
O Partido Comunista Brasileiro é um partido que tem 84 anos de história e que cometeu erros, cometeu equívocos na sua história, isso é indiscutível. Aqui mesmo no Rio Grande do Norte, teve alguns dirigentes do PCB que foram oportunistas, aventureiros, figuras que usaram o partido como sigla de aluguel, apenas garantindo cargos e espaços no governo para seus familiares. Hoje, o PCB voltou ao seu eixo histórico com suas propostas transformadoras. Voltei ao PCB e pude perceber que a juventude do partido está com um propósito de ajudar na sua construção, alavancando o debate político para ser uma alternativa para a sociedade do Rio Grande do Norte.

No âmbito nacional, o PCB apóia a candidatura de Heloisa Helena, do PSOL. Como o Partido Comunista Brasileiro vai se comportar no Rio Grande do Norte?
Infelizmente, no nosso Estado não deu para se fechar alianças com o PSOL e com o PSTU. Eu, inclusive, sugeri que outros partidos colocassem nomes para somar e, se estiver dentro do nosso propósito de trabalhar na construção partidária. Os dois partidos se uniram e saíram com candidatura própria. Temos o apoio do PCR (Partido Comunista Revolucionário), que não é um partido legalizado, mas o partido de Emanoel Bezerra, que deu a sua vida pela causa do socialismo. É um apoio importante porque aqueles companheiros têm um trabalho nos movimentos sociais e sindicais.

De acordo com as pesquisas de opinião pública, a disputa deve ser polarizada entre o senador Garibaldi Filho e a governadora Wilma de Faria. Se caso o senhor não chegue ao 2º turno das eleições, o partido pensa em fazer alguma aliança para apoiar algum candidato?
As pesquisas de opinião pública apresentam apenas duas candidaturas. É o quadro ideal para os dois candidatos. Quando estas pesquisas foram feitas, já haviam seis candidaturas postas através da imprensa. Muitos ou poucos votos eles vão ter. Mas, na hora que parte para a pesquisa espontânea, a gente vê que mais de 50% dos entrevistados não têm candidato. A eleição estaria decidida se as pesquisas estimuladas correspondessem a realidade, colocando todos os candidatos. Eu acredito que vai ter 2º turno, mas não acredito que o quadro de hoje estará do mesmo jeito daqui para o dia das eleições. Nós não temos ilusões de achar que a disputa eleitoral se dá no campo do debate político, na qualificação dos candidatos e na apresentação das melhores propostas à sociedade. A eleição é definida pelo poder econômico, pela corrupção, pela compra do voto e pelo uso da máquina pública. Nós temos muita clareza, mas apostamos numa possibilidade real que essa bandalheira, que estamos vendo nacionalmente, não vai durar muito tempo. Esses derramamentos de recursos públicos eram para estar garantindo a escola das crianças e saúde com mais qualidade para as famílias de baixa renda. Enquanto muitas instituições estão fazendo em greve justa, reivindicando melhores salários, o dinheiro que falta para pagar os servidores está saindo pelos ralos dos esquemas de corrupção que estão sendo denunciados publicamente. Eu acredito que essa roubalheira vai contribuir para criar uma vacina ética. A grande maioria dos cidadãos vai procurar outras alternativas. Na hora que aparecer um candidato vão querer saber quem é esse cara, porque ele quer ser candidato e qual é a história dele. O povo do Rio Grande do Norte é muito generoso com os nossos políticos ladrões, com os corruptos e com os desonestos. “Eles” têm passado pela vida pública ocupando cargos importantes, muitas vezes de gestores dentro do Estado, desviam recursos e depois, muda o discurso, muda o partido, muda os aliados, aparece com um novo cargo para poder continuar mandando e manipulando o povo. Mas, eu acredito que muitos dos nossos cidadãos estão sendo vacinados eticamente para não votar nesses candidatos. Representamos uma alternativa para ir ao 2º turno. Eleição não é como “peru de natal”, que morre de véspera. Mesmo sabendo das dificuldades de uma campanha, principalmente de um partido comunista.

Como candidato à governador, como o senhor vê essa aliança entre duas forças com divergências história entre José Agripino Maia e a família do ex-ministro Aluísio Alves, sobretudo no interior do Estado, que se juntaram para enfrentar a governadora Wilma Maia, uma força emergente na política do Rio Grande do Norte.
Eu não vejo nenhuma novidade. Um grupo tal se juntou ao outro e se fortaleceu? Eu acho o contrário. Os dois grupos que tiveram a hegemonia política no nosso Estado estão tão francos que não há coragem de disputar a eleição sozinho. As elites são muito sábias, elas disputam as posições entre elas, mas quando vêem que podem perder esse espaço, elas se unem. Mudam o discurso, muda os aliados, muda o partido para continuar no poder. Acho que é esse o caso.

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