4 de setembro de 2006

Eduardo Alexandre: de bobo da corte a comandante da cultura

Por Alexandro Gurgel
Fotos: Hugo Macedo

Eduardo Alexandre (Dunga) nasceu em Natal, no bairro do Tirol, no dia 09 de fevereiro de 1953, numa noite de eclipse lunar, e pelas mãos de uma parteira. Jornalista, poeta, artista plástico, boêmio, produtor cultural e ex-presidente da Samba (Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências), Dunga é o criador da Galeria do Povo, movimento cultural pioneiro na cidade e que incentivou a criação de outros eventos artísticos.

Como poeta, publicou o livro “Batman & Robin – Um poema concreto da abstração vivencial”, em 1982, em parceria com o poeta Carlos Gurgel e, dez anos depois, em 1992, publicou “Clip One”. Organizou e publicou uma importante antologia sobre o Grande Ponto, cujo título é “Cantões, Cocadas – Grande Ponto Djalma Maranhão”, onde estão reunidos poemas, crônicas, artigos, fatos e textos de alguns intelectuais do Estado sobre o mais famoso ponto natalense.

Atualmente, Eduardo Alexandre é o coordenador do Centro de Documentação Cultural da Fundação José Augusto, funcionando no Solar João Galvão, na Avenida Câmara Cascudo. Convidado pela professora Isaura Rosado, presidenta da Fundação José Augusto, Dunga assumiu o cargo no início de agosto, mês do folclore, e esteve a frente da programação cultural do XII Encontro de Folclore e Cultura Popular que aconteceu até o dia 1º de setembro, culminando com o I Cortejo Folclórico do Centro Histórico de Natal.

O Centro de Documentação Cultural (Cedoc) é responsável por todos os museus públicos do Estado, bibliotecas, Forte dos Reis Magos, Pinacoteca, Memorial Câmara Cascudo, entre outros centros importantes de cultura. “Sei que é uma responsabilidade muito grande, mas nesses primeiros momentos estou tomando ciência desse mundo. Fico muito feliz por esse novo desafio e também porque gosto muito de trabalhar com cultura”, ressaltou Eduardo Alexandre.
Eu e o fotógrafo Hugo Macedo descemos a ladeira da Ribeira para uma entrevista exclusiva com ele, realizada no alpendre do belo Solar João Galvão, uma construção do início do século XX, com seu frontão, típico da época, com cornijas e varandas laterais.

Dunga, como foi sua infância nos morros do Tirol?
Nasci na Rua Hemetério Fernandes, em casa e de parto normal, pelas mãos hábeis da parteira Adelaide. Quando eu tinha dois anos de idade, minha família se mudou para a Rua Mossoró. Depois, voltamos para o mesmo quarteirão onde nasci, na Rua Brito Guerra, onde estou até hoje. Minha infância foi muito feliz. O tirol era, praticamente, desabitado, onde as vacas pastavam e os cavalos passeavam e a gente tinha toda uma natureza em volta, muita fruta, meninos jogando bola em campinho de terra.

E suas aventuras adolescentes?
O que mais me marcou na minha adolescência foi o convívio com papai (José Alexandre Odilon Garcia). Ele era um desportista, tinha uma paixão imensa pelo desporto em si e eu o acompanhava nas jornadas esportivas pela cidade, acompnhando jogos de futebol de salão, basquete, corridas de carro, natação e atletismo. Esse exemplo que papai deixou foi muito marcante na minha juventude.

Como foi seu primeiro contato com o jornalismo?
Quando eu tinha seis anos de idade, estudava no colégio 7 de Setembro, em Petrópolis, e descia à Ribeira para pegar papai na saída do escritório, na Travessa Equador, que depois passou a se chamar José Alexandre de Amorim Garcia, meu avô, e meu pai ia até a Agência Pernambucana, que era a maior distribuidora de revista da cidade, onde eu pegava alguns gibis. Meu avô me ensinou a ler em jornal. Dizia que eu deveria ler muito e exercitar as leituras que eu fazia dos jornais do dia. Tinha ainda o exemplo de papai que era jornalista e eu achava muito bonito quando ele datilografava a velha Remington. Eu gostava muito do jornalismo que era praticado em Natal, onde tínhamos jornais como “O Galo Informa”. Meu primeiro contato como profissional foi como revisor do jornal A República. Nesse tempo, eu já fazia o curso de Engenharia Civil na UFRN e resolvi fazer Sociologia e mudar de cidade. Fui para Brasília, passei no vestibular de Ciências Sociais, na UnB, e fui ser repórte do Correio Brasiliense. Quando voltei á Natal, o Diário de Natal me acolheu de imediato. Procurei Cassiano Arruda que me apresentou a Luiz Maria Alves e fui contratado. A redação tinha uma equipe muito boa. Meu chefe de redação era Alexis Gurgel e ainda tinha Jânio Vidal, Vicente Serejo, Dermi Azevedo, Ricardo Rosado de Holanda, Albimar Furtado, João Neto, que era o editor, entre outros nomes consagrados do jornalismo norte-riograndense.

Que fato marcou sua vida como repórter do Diário de Natal?
Era por volta de 1975, no tempo em que os jornais eram obrigados a trabalhar com a figura de um censor dentro das redações. O repórter era proibido de divulgar até algumas doenças como a meningite, uma doença contagiosa que afetava o povo brasileiro. Então, quando voltei à Natal aconteceu um fato que marcou minha vida de repórter que culminou com minha saída do jornal. Eu estava passeando com uma namorada na Praia dos Artistas, de Fusca, e um pouco adiante ia um carro da polícia e alguns meninos que estavam no Caravela Bar vaiaram os policiais. Eles voltaram com metralhadores em mãos, perguntando quem tinha vaiado. Aquilo me deu uma revolta muito grande porque eram jovens e um descuido com um gatilho de uma arma daquelas poderia provovar uma tragédia. Era um domingo e, nessa época, o Diário de Natal circulava na segunda-feira. Cheguei à redação e contei o fato à Alexis Gurgel e ele me permitiu escrever a matéria. No outro dia, a matéria foi capa no jornal da segunda-feira. Nesse mesmo dia, fui pautado para ouvir o secretário de segurança e Jânio Vidal foi designado para ouvir o comandante da polícia. Quando Jânio voltou do comando da polícia, ele disse: “Dunga, o comandante da polícia disse que era tudo mentira do jornal e aquilo não tinha acontecido”. Quando fui entrevistar o secretário de segurança, ele virou pra mim e disse: “Olhe garoto, isso tudo é invencionice da imprensa”. Eu virei para o coronel e disse que tinha visto o fato e que não era invencionice da imprensa porque eu vi com esses olhos. O coronel foi ao Diário de Natal e falou com Luiz Maria Alves e eu disse à Alexis que se a matéria não saísse, o jornal teria que me demitir. No outro dia, a matéria não foi publicada e eu provoquei a minha demissão.

Foi nessa época que surgiu a Galeria do Povo?
A Galeria do Povo surgiu com essa revolta da censura aos jornais. Então, eu pensava o seguinte: “se eu não posso dizer nos jornais, vou dizer no muro”. Daí surgiu a concepção de trabalhara arte, através de artigos de jornais, fotografias, artes plásticas, poemas e tudo mais que pudesse ser pendurado no muro para fazer grandes exposições espontâneas, sem nenhuma previsão de como seriam as exposições. A primeira exposição na Galeria do Povo aconteceu porque eu passei seis meses trabalhando um acervo com alguns amigos, no quintal da minha casa, onde pintávamos, escrevíamos e fazíamos oficinas de literatura. Então, no dia 1º de outubro de 1977, juntei esse material e fiz a primeira exposição da Galeria do Povo, no contorno da Ladeira do Sol. Na semana seguinte, fiz uma exposição somente com poemas e uma das filhas do dono da casa, cujo muro era usado para as exposições, leu os poemas e quis me conhecer. Nessa época, a turma se reunia na Praia dos Artistas, praticamente em frente a casa dela. Então, ela me procurou, disse que pintava e me convidou para conhecer seus quadros. Seu nome era Dulce e aceitou meu convite para fazer parte da Galeria do Povo, que acontecia no muro da casa dela. Começamos com os quadros de Dulce, de Luiz Carlos de Freitas Júnior, de Novenil, poemas de Carlos Gurgel, meus, e outros artistas foram chegando e a Galeria do Povo cresceu. A gente passou a expor todo final de semana e o movimento aumentando em torno daquele muro até que o pai de Dulce chegou de Macau, onde trabalhava, para passar a época natalina. Ele chegou e não permitiu mais que a Galeria do Povo ficasse no seu muro, acabando com esse primeiro momento. Mas, algumas semanas depois, descobrimos um novo muro e retomamos o movimento, levando a Galeria do Povo, na Praia dos Artistas, por mais nove anos.
Eduardo Alexandre sendo entrevistado pelo jornalista Alexandro Gurgel

Quais foram seus primeiros alumbramentos poéticos?
Comecei a escrever poemas no momento que surge o jornalismo. Quando era repórter, conheci Deífilo Gurgel que estava veiculando um concurso de poesias. Então eu disse: “vou participar desse concurso”. Fiz alguns poemas e participei. Desde então, tenho escrito poemas. Agora, não sou um poeta muito freqüente. Quando escrevo versos, escrevo muito. Mas, também passo meses sem escrever nada. Isso acontece também na pintura. Mas, estou sempre retomando.

Quando você começou a fazer artes plásticas?
Foi a Galeria do Povo que me fez pintar. Eu comecei a fazer meus quadros para a Galeria do Povo. Iniciei fazendo arte figurativa, mas logo parti para o abstracionismo. De lá para cá, eu amadureci minha técnica. Hoje, minha pintura é totalmente abstrata e quando eu falo em voltar para o figurativo, a galera reclama. Na próxima semana, vou organizar uma exposição coletiva durante o XXII Congresso de Folclore. O curador da pinacoteca, Vatenor, está organizando o acervo para que a gente faça essa mostra de arte popular com nossos artistas consagrados.

Dunga, o que significa o Beco da Lama na sua vida?
O Beco da Lama foi um momento muito legal na minha vida porque me deu, enquanto diretor executivo da Samba, a oportunidade de fazer um trabalho profícuo em defesa do Centro Histórico de Natal. Essa passagem vai ficar marcada pelo resto da minha vida. Construímos uma sociedade de confrades que ficará na cidade pelo resto da vida. Fico feliz por ter consolidado a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (Samba), podendo reunir pessoas importantes em favor de um mesmo ideal.

Como aconteceu o convite para coordenar o Centro de Documentação Cultural?
Foi uma coisa muito imediata. Eu estava em casa, no memento de muita falta de esperança de vida e de produção artista. Eu não estava bem. A professora Isaura me ligou, perguntando se eu topava administrar o CEDOC e eu aceitei. No outro dia, eu já estava nomeado. O fotógrafo Karl Leite me ligou me dando a notícia que meu nome havia saído no Diário Oficial e eu estava nomeado.


Projetos do Centro de Documentação Cultural

Projeto Estação Central de Cultura Popular, administrado por Rogério Dias, um museu que vai funcionar dando apoio aos artistas do Estado. O prédio da velha estação de trem das Rocas será a sede do projeto que vai ser usado para aulas de artes plásticas, oficinas de literatura, exposições temporárias e permanentes dos artistas norte-riograndense, além de videoteca, hemeroteca e cordelteca. O projeto também contempla a culinária natalense, resgatando a carne assada do Lira, a galinha a cabidela da Casa de Mãe, entre outros sabores. Com o projeto assinado pelo arquiteto Haroldo Maranhão, o prédio passa por uma profunda reestruturação e deve ser inaugurado até o final do ano.


Trícia Rosado está dirigindo o Projeto Patrimônio Cultural Potiguar em Seis Tempos, que tem como meta inventaria o patrimônio cultural norte-riograndense em seis tipologias: arquitetura, arte sacra, museologia, bens imaterial, imóveis integrados e artes plásticas. O projeto está em andamento, com equipes fazendo o trabalho de campo, fazendo o levantando, em cada cidade do Estado, de todo o patrimônio existente nas seis áreas citadas. Todas as informações colhidas formarão um banco de dados que ficará em vários pontos da cidade em forma de “totens” digitais com informações sobre toda a cultura potiguar. Até novembro, todas essas informações deverão estar disponíveis na Internet e nos totens.


Poemas de Eduardo Alexandre

O bobo da corte

Eu, o bobo da corte
menino vadio
perambulador
sorrio da vida
me afogo na dor
Divirto a platéia
zombo
do governador
Sou rico
e sou pobre
amado
chutado
amante, eu sou.



Uma rainha para Engady

Hoje ganhei um presente

Como nunca imaginei.

Um presente imenso, digno de cortefeito não para um bobo

mas para um rei

Sem que eu esperasse

Ela me fitou e passou às minhas mãos

um calhamaço E disse:- É seu. Cuide dele.

Abri o envelope pesado

Estava lá, como se a escritura fosse

um processoconfirmando o que ela dizia.

Sim. O castelo mudara de mãos

e caberia a mim agora zelar por ele Logo eu, o bobo

O Castelo de Engady

aos meus cuidados

Todo meu.

Agora, refeito do sustoda surpresa, pergunto

devo levar ao castelo uma rainha?

E acho que sim.

Vou buscar uma rainha para Engady...

Um comentário:

Marcilio disse...

Bons tempos, bons momentos, tempos que não passam. Cultura plantada para sempre e nada pode apagar. Felicidades.