27 de outubro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte III

Prédio onde funciona o "Tributo à Criança", na Avenida Bernardo Vieira.

Natal, 19 de setembro de 2006.

“O professor é aquele que segura a sua mão,
abre sua cabeça e toca seu coração”.
(provérbio hindu)

O “Tributo à Criança” funciona num prédio de dois andares alugado pela Secretaria Municipal de Educação, através da Prefeitura do Natal, situando às margens da Avenida Bernado Vieira, onde antes funcionava uma loja que vendia kits de gás veicular, cuja placa, apagada pelo tempo, ainda pode ser observada na lateral do imóvel.
Na área térrea há uma recepção guarnecida por um porteiro e, ao lado, numa área isolada, há um grande salão usado para jogos e recreação das crianças e dos adolescentes. No primeiro andar, o prédio abriga 06 salas de aula, com porta para um extenso corretor sem janelas, além de 02 banheiros (masculino e feminino).
O segundo andar abriga um salão utilizado para refeições e aulas de recreação, a sala da direção, sala dos professores, cozinha, dispensa para material de limpeza, 2 banheiros (um feminino e outro masculino) e um corredor ligando todos os cômodos. A A secretaria da escola divide espaço com a direção na mesma sala.
Todas as salas de aula têm as paredes riscadas e alguns cartazes semi-rasgados e ilegíveis, deixados por antigos trabalhos dos alunos. Em algumas salas, pode ser visto um cartaz ao lado do quadro negro com um contundente aviso: “Não cuspa no chão”. A ventilação e a luminosidade das salas são garantidas por enormes janelas laterais. Um bebedouro do tipo “gelágua” no corredor, atende a sede de todas as crianças.
Grandes lances de escadas, com dezenas de degraus, ligam os aposentos do prédio. Não há a mínima estrutura física no imóvel para abrigar alunos portadores de necessidades especiais, sobretudo os cadeirantes.
De volta à sala de aula, me deparei com o tema do corrente mês: “sexualidade”. O professor Ari falava sobre a diferença entre sexo e sexualidade para uma audiência de cinco alunos, totalmente desinteressados pelo assunto. As duas meninas, uma aparentando dezesseis anos e a outra na casa dos seus treze, permaneceram deitadas com suas cabeças sobre os braços por longos períodos. Os três rapazes eram mais participativos, apesar das conversas paralelas atrapalharem a explicação do professor a cada instante.
A aula não era de gramática ou literatura. O professor discorria sobre a prevenção de doenças sexualmente transmitidas e a importância do uso da camisinha na relação sexual. Os rapazes tratavam o assunto com muita propriedade, mas admitiam não ter dinheiro para comprar o preservativo e não se sentiam preparados para ir até o posto de saúde da comunidade para adquirir gratuitamente a camisa-de-vênus. Entre galhofas e respostas jocosas, os rapazes interagiam na aula, enquanto as meninas permaneciam de cabeças baixa, num mundo alheio.
Minha presença acordou as meninas e causou curiosidade aos meninos. Entrei na discussão quando solicitado, tecendo pequenos comentários, procurando ser o menos didático possível e tentando criar um clima mais confiante. Procurei ficar observando o esforço do professor Ari para conter as constantes interrupções à sua aula. Alunos de outras salas embiocavam (entrar sem pedir a devida licença) de sala adentro para conversar com os alunos que estavam participando da aula.
O ápice de interação entre alunos e professor aconteceu quando Ari mostrou a forma que o homem deve usar uma camisinha, empregando uma banana verde para simular o órgão genital masculino. Mais saidinhos, os mancebos falavam com propriedade sobre o uso correto do preservativo e a importância de exigir do parceiro o mesmo comportamento. Dissimuladas, as duas mocinhas escutavam atentamente toda a discussão, mas se mostravam envergonhadas com a grotesca cena da camisinha vestindo a banana.
Por volta das quatro horas da tarde, o som estridente de uma sirene anunciava o intervalo e o final daquela aula pouco empolgante, apesar do tema ter o poder de prender a atenção de adolescentes. Em meio a uma grande balburdia, uma fila indiana era organizada pelos professores com seus respectivos alunos, encaminhando-os ao espaço destinado para as refeições/recreações.
Enquanto os adolescentes se dirigem para o refeitório, os professores se reúnem na “sala dos professores”, em volta de uma grande mesa. Além da mesa, a sala dos professores abriga quatro armários de arquivos, algumas carteiras escolares e uma televisão. A mesma refeição servida aos alunos também é oferecida aos professores, excetuando um cafezinho após a comilança.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá!
Através do blog do amigo Jotta Paiva acabei descobrindo o seu. Vim confeir e adorei o conteúdo. Por isto seu link já está no nosso: www.gersonlopes.zip.net.
Quando puder, faça-nos uma visita. Um abraço.