29 de outubro de 2006

O sertão encantado das caraubeiras

Alexandro Gurgel

A casa grande da Fazenda Sabe Muito foi erguida em 1868, em Caraúbas.

Caraúbas, Passargada dos meus oito anos,
Terra dos meus primeiros alumbramentos,
Tão pequena que eras, mas tão grande,
Na minha geografia de menino.
(Deífilo Gurgel)

Os versos do poeta são as mais perfeitas traduções que expressam a beleza parnasiana, desse recanto de um sertão encantado. Caraúbas causou-me “alumbramentos” instantâneos, quando visitei, recentemente, a região do Médio Oeste potiguar. A beleza rústica e acolhedora da cidade foi encantando-me, enquanto catalogava dados do município. Caraúbas, com seus 134 anos de história, entra, definitivamente, para a apreciação dos amantes das terras potiguares.
Conheço muito bem sobre meus descendentes da família Gurgel, radicada em Caraúbas desde os tempos de Dona Quitéria Ferreira de São Luís, filha do Coronel Vicente Gurgel, vindos de Aracati, no Ceará, e de tradicional família daquela região. Mas, descobri que também sou “Caboco”, o que muito me honrou. Caboclo é a miscigenação de índios com brancos, mas, Cabocos são os descendestes de Leandro Bezerra, fundador de Caraúbas.
Segundo o historiador Raimundo Soares de Brito, em seu livro Caraúbas Centenária (editado pela Fundação Vingt-Un Rosado), Leandro Bezerra era sobrinho do Tenente-General Francisco de Souza Falcão, da Província do Cabo, em Pernambuco. Essas famílias edificaram terras na fazenda “Cachoeira” e em breve tornou-se uma comunidade de pessoas vinda do Cabo, portanto, “Cabocos”.
A origem do nome da cidade deu-se por ter existido ali uma densa mata povoada por “Caraúbas”, árvore de casca amarga e folhas amarelas. Manoel Dantas, em 1924, escreveu em seu livro Homens de Outrora: “Á margem de um dos afluentes do rio Mossoró, eram tantas as caraúbas que davam sombra e ostentavam um cerne gigantesco que os viajantes, nas suas jornadas, marcavam sempre um ponto de descanso na várzea das caraúbas, nome que passou a município e a cidade que hoje se ergue, com seus casarios regulares e bem tratados, no meio de extensos tabuleiros.”
Caraúbas tem um potencial turístico muito promissor e pouco explorado, pois é roteiro alternativo para aqueles aventureiros que querem descobrir as belezas dos sertões, fazendo eco-turismo. Na região já há uma intensa exploração pelo que chamam de “turismo sertanejo”, como acontece em Martins e na Chapada do Apodi, com dezenas de agências levando, na sua maioria, norte-riograndenses que querem descobrir o próprio Estado, fazendo uma espécie de “turismo interno”. A cidade de Caraúbas deve despertar, imediatamente, para essa atividade tão lucrativa.
A Estação Ferroviária, construída em 1929, deve ser utilizada para o desenvolvimento da cultura local, onde os artistas pudessem mostrar, em teatro próprio, a essência da arte popular caraubense. O Mercado Central, construído em 1917, bem preservado e com uma intensa vida comercial, nos remete a um passado glorioso quando Caraúbas começou a ser arrabalde. Era na calçada do mercado que nasciam as idéias políticas entre os caraubenses mais ilustres, enquanto degustavam uma talagada de pinga na mercearia de Tiãozinho, um antigo comerciante do mercado. As casas do “Quadro”, conhecido espaço onde tradicionais famílias caraubenses moram, em frente à igreja de São Sebastião, as casas bem cuidadas do “Beco Velho” e os casarios da praça Reinaldo Fernandes Pimenta, completam o conjunto arquitetônico secular da cidade.
O Olho D’água do Milho, a 6 km do centro urbano, há um hotel que dispões de excelentes serviços de hospedagens. A fonte termal, que lá existe e jorra permanentemente de um lençol localizado a 200 metros de profundidade, é límpida, incolor e não tem cheiro. O banho nestas águas pode curar os males do corpo e da alma.
Próximo ao hotel, no meio da caatinga, há um sítio arqueológico com inscrições rupestres. Provavelmente, as escrituras foram deixadas pelos primeiros Payacús, nação indígena que habitou esse berço de sertão, os quais deixaram suas impressões gravadas nas pedras de um serrote. O povo do lugar conhece a região por “Pedras dos Índios”.
A fazenda “Sabe Muito” é o coração da cidade de Caraúbas, a qual teve origem no século XVII, quando vieram para o Brasil alguns portugueses, oriundos da Vila de Faral, província do Douro. Segundo Epitácio Fernandes Pimenta, em um artigo escrito no livro Caraúbas Centenária, onde diz que um índio Payacú, amigo do antigo dono, Antônio Coutinho, havia encontrado um olho d’água, nas imediações da fazenda.
Antônio Coutinho, ao perguntar se o índio sabia mesmo onde se achava água, o mesmo respondeu: “Eu sabe muito”. Coutinho, como todo bom português, conhecia um pouco de sua língua, achou interessante a maneira do Payacú falar e daquele dia em diante deu o nome dessas terras de Fazenda Sabe Muito. A casa grande é a maior casa do município e parece uma fortaleza, com suas possantes paredes de quatro enormes tijolos.
Ao entardecer, é notório o aroma selvagem das Juremas, planta nativa da caatinga, enquanto o vento do oeste vem mansamente amenizando o calor intenso do meio dia. Cadeiras na calçada dão vida às conversas de amigos, uma tradição viva que tio Dôdo faz questões de preservar. Por toda parte pode ser visto fragmentos de uma beleza bucólica, onde o folclorista Deífilo Gurgel, um dia, fez deste chão sua oficina de poesia, brotando lembranças da sua geografia de menino.

Nenhum comentário: