29 de novembro de 2006

Cascudo no Planeta Hemp


Por Franklin Jorge

Antenado com o saber culto e popular, o escritor Luís da Câmara Cascudo sempre viveu à procura do conhecimento. E, aberto a toda e qualquer indagação do espírito, nada do que é humano lhe foi desconhecido. Assim, sua pesquisa sobre a maconha nos mostra um Cascudo interessado num tema desde o início colocado sob suspeição pela sociedade de seu tempo.

Cascudo sabia que o estudo não é popular. Por isso, foi buscar, na pesquisa e no conhecimento científico, os elementos necessários ao reconhecimento efetivo de temas restritos a guetos, como a maconha, uma droga então associada a rituais de magia ou consumida por excluídos e marginais, como os catimbozeiros e xamãs de cultos afroameríndios.

Desde o início, Cascudo apercebeu-se do prestígio da maconha e a estudou em vários escritos, inclusive em “Civilização e Cultura”, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, e em “Dicionário do Folclore Brasileiro”, dois de seus livros capitais.

Escravos africanos colocaram o Brasil na rota da maconha, depois que a erva chegou à América Central, de onde irradiou-se para o México e Estados Unidos, grandes consumidores, apesar da contumaz repressão policial.

A princípio, a maconha teve função nos cultos religiosos e no tratamento de dores, porém a malandragem a adotou como estímulo à coragem e ao relaxamento físico e mental do estresse provocado pelas tensões da vida cotidiana.

É provável que Cascudo tenha conhecido a maconha ao tempo em que estudou medicina na Bahia, nome pelo qual a cidade de Salvador era universalmente referida, ou no Recife, endereços ligados à sua formação. Em seus anos loucos, o jovem Cascudo terá colocado em prática o conselho de Mário de Andrade, de voltar-se para o estudo dos mundos inferiores da cultura, tão distantes da sua inclinação primeira para a valoração do aristocracismo provinciano. E mergulhou, a partir de então, numa Natal secreta, em busca da alma boêmia da cidade. É por essa época que se interessa pelo catimbó e passa a freqüentar os terreiros do Alecrim e Redinha, bairros conhecidos pela prática desses rituais periféricos, tolerados pelo patriciado.

Tendo-se mudado para Natal, no limiar dos anos vinte, o escritor, antropólogo e técnico em agricultura Nunes Pereira, profundo conhecedor dos costumes indígenas, terá influenciado Cascudo, de alguma forma, no estudo da maconha. Juntamente com o poeta e dramaturgo Jayme Wanderley, formavam uma trinca inseparável que percorria a cidade, parando em lugares sobre os quais pairava uma aura de suspeição.

Data dessa época, não resta dúvida, o começo de sua proveitosa e extensão relação com catimbozeiros e prostitutas, boêmios e marginais, fontes primárias de pesquisas urbanas que constituiriam a obra futura, muito diversa dos exercícios literários iniciais realizados sob o influxo de um gosto estético decadentista, condenado sem rodeios pelo pai de “Macunaíma”, romance tecnicamente um tanto forçado através do qual Mário de Andrade quis decodificar a alma do povo brasileiro.

Bem informado, como sempre, Cascudo escreve que no Nordeste do Brasil existem grandes plantios regulares e secretos da erva e que a maconha sempre foi vendida “clandestina e abundantemente sob a forma de cigarros”. A repressão terá surgido, de maneira mais constante e eficaz, com a implementação de uma indústria do fumo, patrocinada, em grande escala, pela Cia. Souza Cruz.

Segundo o mestre da etnografia, o prestígio é da maconha, “doadora de sonhos inimagináveis e não do prestante cânhamo, fornecedor de cordas e sacarias pelas fibras liberianas”.

A maconha e seus nomes, segundo Cascudo: “Maconha: Diamba, liamba, riamba, marijuana,rafi, fininho, baseado, morrão, cheio, fumo brabo, gongo, malva, fêmea, maricas --Canabis sativa--, cânhamo, herbácea de origem asiática, vinda para o Brasil com os escravos negros africanos, segundo a maioria dos estudiosos. Ópio do pobre, fumam as folhas secas como cigarros, morrão, com dois gramas, baseado com um e setenta, fininho com um grama. Há também o maricas, que no Maranhão chamam boi, cachimbo feito com uma garrafa, um cabaço –lagenaria—ou feito de barro cozido, como tenho visto, com recipiente para água, lavando a fumaça, como o narguilé turco. Estimulante, dando a impressão de euforia, deixa forte impressão, a lombra, que só desaparece com super-alimentação, a planta tem seus segredos e técnicas até na colheita. Há os pés machos e fêmeas. Os machos de nada servem. “Colhê-las, assoviando, ou na presença de mulher mesntruada, troca o sexo da planta, a planta fêmea macheia e perde as virtudes” –Garcia Moreno, “Aspectos do maconhismo em Segipe”, dez, Aracaju, Sergipe, 1949. A maconha é estimulante, fumada pela malandragem para criar coragem e dar leveza ao corpo. Não há conhecimento de ter a maconha algum cerimonial secreto para ser inalada. Como sucede no México, onde a dizem marihuana, grifa, somadora, oliukqui entre cantos de louvor. Nos catimbós usam rara e sempre ocultamente, o óleo da liamba nos trabalhos difíceis. Nos xangôs e candomblés não há prova do seu uso. É mais de predileção de gatunos e vagabundos. Bibliografia essencial: José Lucena, “Os fumadores de Maconha em Pernambuco”, e “Alguns Novos Dados Sobre os Fumadores de Maconha”, Arquivo da Assistência a Psicopatas de Pernambuco, ano IV, I, 53, 1934, e 1-2, 197, 1935, Recife; Rodrigues Dória, “Os fumadores de maconha”, Bahia, 1916, Garcia Moreno, acima citado; Jarbas Pernambucano, “A Maconha em Pernambuco, Novos Estudos Afro-brasileiros”, 187, Rio de Janeiro, 1937; R. Cordeiro de Farias, “Campanha Contra o Uso da Maconha no Nordeste do Brasil”, Rio de Janeiro, 1942, etc. Mário Ypiranga Monteiro, “Folclore da Maconha”, Revista Brasileira de Folclore. No. 16, Rio de Janeiro, 1966” – in “Dicionário do Folclore Brasileiro”, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1984.

Escritor curtia um bom charuto

O escritor Luís da Câmara Cascudo considerava o ato de fumar, “um vício gostoso”, e o cultivou por toda a vida. Desde muito moço, já curtia um bom charuto.durante anos, costumava comprá-los, primeiro, na loja do português Manoel Machado e, depois, fechado o seu comércio, na Confeitaria Delícia, que ajudaria a torna-la conhecida e famosa, como um dos principais endereços da boemia natalense.

Em sua obra monumental “Civilização e Cultura”, escreveu um capítulo de muita erudição e bom humor sobre o fumo, conhecido relaxante utilizado para o alívio de quase todos os males, desde a mais remota antiguidade. Panacéia antárctica, erva de todos os males, erva santa, em mil65oito o Dr. Wil Piso – “De Indiae Utriusque re Naturali it Medica” – assombrava-se coma expressão domnadora, “de sorte que agora, como o vento hibernal, fumo do tabaco cicia o urbe universal”.

Já velho, Cascudo tinha o hábito de fumar sozinho, cismando, na ampla de jantar do casarão da Avenida Junqueira Ayres, sentado na cadeira de balanço que pertencera ao seu coronel Francisco de Oliveira Cascudo, seu pai. Se algum dia chegou a fumar maconha, não ficou nenhum registro dessa experiência. Certa vez, interessado na pesquisa do tema, entrevistei o escritor José Melquíades, amigo e companheiro do mestre, que se saiu com a seguinte cabalística resposta: “Quem fuma, fuma de tudo...”

Um comentário:

Delafonte disse...

Isso é interessantíssimo.