Por Neide de Camargo Dorneles
Foto: divulgação

Tão triste me pareceu Xi Shun, o homem mais alto do mundo. Não uma tristeza assim dessas que vez ou outra todos somos acometidos por algum motivo. Uma tristeza maior, vinda do fundo da alma, que transparecia na sua expressão, nos seus movimentos lentos e estranhos de um quase gigante obrigado a viver em um mundo que não foi feito pra ele; que não se podia ver mas que se adivinhava nos seus olhos quase fechados de chinês e no seu sorriso que era um risco não muito elaborado na sua face enorme. Foi assim que o vi no programa do Jô, acompanhado de uma intérprete, também chinesa, que ao seu lado parecia quase uma miniatura de mulher. Não bastasse isso, havia ainda a barreira da linguagem, cujo esforço de tradução pela chinezinha parecia não conseguir sinônimos para os gracejos do entrevistador, que cá entre nós, dava a impressão de também não estar muito à vontade. E talvez porque eu estivesse muito comovida com a sina daquele homem, cujo desejo aos 55 anos - confessou durante a entrevista - é encontrar uma mulher para lhe fazer companhia (à sua altura, brincava um jornal de mau gosto), o espetáculo da sua exposição ao público me pareceu extremamente bizarro. Mostrava-se, no programa, as fotos onde acentuava-se a diferença entre Xi Shun e as pessoas “normais”. Não me sentia bem com o enfoque dado, senti pena daquele homem que dizia-se satisfeito com a fama, mas nada me comoveu mais e tanto do que vê-lo entoar uma cantiga que soou nos meus ouvidos como um estendido e triste lamento, traduzida pela intérprete como uma canção de amor, onde o cavalheiro diz estar pronto para receber a sua amada, ou algo assim. Ao vê-lo cantar aquela música naquela língua tão esquisita aos nossos ouvidos ocidentais, de uma maneira que me pareceu ainda mais triste, pensei no motivo da sua peregrinação pelo mundo todo, na razão que o fazia mover lentamente a cabeça, dirigindo o olhar para os lados e à sua frente: quem sabe um fio de esperança de encontrar o amor que não encontrou na sua pequena cidade na Mongólia Interior, nem no seu país, e que por isso ainda procura em todos os cantos por onde passa. Um homem solitário, aparentemente infeliz e assumidamente romântico, que acredita no amor. Chorei ao ouvi-lo cantar, enquanto em minha mente desfilavam outros personagens tão solitários, tão tristes e tão sofridos, talvez, como o próprio Xi Shun. Lembrei de Quasímodo, O Corcunda de Notre Dame, no romance medieval e uma das obras primas de Victor Hugo - o maior poeta romântico da França. Quasímodo e o seu amor impossível pela linda cigana Esmeralda, num clássico que atravessa séculos. Na tragédia francesa, o Corcunda que cuida de tocar os sinos da imensa catedral, filho de uma prostituta, está fadado à solidão de permanecer escondido na torre da igreja para não chocar as pessoas com a sua aparência monstruosa. A palavra quasímodo, que significa mal-acabado, resume o asco e o medo que causa a sua imagem que, no entanto, guarda no seu interior a mais doce e afetuosa e também carente das criaturas. Lindo, por dentro, Quasímodo. Triste quasímodo. Triste, também, não pode deixar de ser o príncipe enfeitiçado de A Bela e a Fera, do conto dos Irmãos Grimm, que vive enclausurado, escondido em seu próprio castelo e só tem o seu feitiço quebrado quando a filha do mercador passa a amá-lo por suas virtudes e não pela sua aparência. Era triste e solitário e causava nojo, medo e terror, também, o adorável Schrek – o ogro – antes de encontrar a sua Fiona, num conto de fadas moderno que conquistou o mundo todo.
Agora acompanho via internet a peregrinação de Xi Shun pelo mundo, o triste gigante da vida real, e torço, com todas as minhas forças, para que a sua vida se transforme num conto de fadas com final feliz. Que por uma obra divina ou do destino ou do acaso, ele encontre o seu amor, para que possa sentir-se menos inadequado, menos deslocado, menos estranho nesse mundo que fala em inclusão e promove espetáculos de exploração das diferenças.
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