20 de novembro de 2006

Texto e foto: Plínio Sanderson

Alda, Pedro Pereira e Dunga, curtindo o Pratodomundo, no Beco da Lama

Ainda no desbunde dos Festivais de Arte do Forte, explorava os corredores da fortaleza em companhia do jornalista Moura Neto, quando esbarramos numa barraquinha do Atelier Central e lá estava aquele rapaz vendendo licores naturais e um inusitado retrato do poeta João da Rua - óleo de Alcides Sales. Ficamos pasmos, da rua ao cosmo, João nosso contemporâneo já virara estrela? Porém, o que nos chamou mais atenção foi o cara franzino que se dizia poeta. Trocamos rápidas figurinhas e para surpresa geral o bendito (e feito, pois já havia lançado um livro com o musicista errante Wlamir Cruz) poeta sobe ao palco e começa a recitar suas poesias com seu peculiar jeito interiorano e cognição incipiente. No entanto, havia ritmo, pureza, uma força de vontade excepcional; era uma preciosa pedra bruta e gutural, com um brilho intrínseco, carecendo o polimento do tempo e da verve. Assim, as Moiras do destino nos revelaram o Pedro Pereira, caba nó cego!

Encontramos-nos depois em vários locais, eventos, ele fazendo road e back vocal na banda Cabeças Errantes, e principalmente, nos chás da cinco no boteco "Verso & Prosa" do Dunga. Passei admirar o Peralta pela sua determinação e incessante alegria de viver. Na época, ganhava a vida como sargento de proletariado em uma empresa de construção civil. Mas, pulsava arte por todos os seus poros, como sina ou catarse.

Convidei-o para uma coadjuvância no 3º Festival de Poesia e Música da UFRN (86) e ele rufou os tambores na performance "Vis lumbrancias pó te guares", arrebatamos os prêmios de melhor poesia e melhor apresentação. Em 88, devolvo a gentileza, fazendo a claque na sua apresentação no Circo da Cultura durante o concurso de poesia da Candelária, quanto também se sagrou campeão com "Pós-Lennon" - dois laureados pimentas do planeta.

Inauguramos uma parceria que marcaria espetaculosamente os happenings/performances posteriores na capital do futuro. Foram inúmeras participações nas comemorações do Dia da Poesia, sempre um Dom Quixote e/ou Sacho Pança do outro. Nossas vidas se fundiram ao ponto de marcar a arte na terra de Poti com teimosia, criação e práxis. Via de regra, gastando romanticamente os últimos trocados que nos arranhavam os bolsos, pegando no pesado para viabilizar a celebração da musa dadivosa. Quando não realizavá-mos nada e o branco do papel suplantava o santofício, a maledicência nos imputava na fogueira das veleidades, ossofícios.

Predestinado, Pedro, corajosamente foi além. Deixou sua função na construção civil, dedicou-se de alma, troncos e membros à labuta artística. Derrubando a idéia do "dom", provou que na arte o determinante é o movimento corpo/mente. Lembro quando morando na vila de Ponta Negra, lançou-se sem volta nos percalços da plástica. Exercitando, imolação, penitência até desabrochar na primavera de 90 em um estilo próprio e instigante - conceituei de florense. O Artista Pedro, eclodia oriundo das próprias entranhas, sempre rebuscando novas linguagens, suportes (arte camiseta), novas formas de expressão. Reconhecido, ganhou vários prêmios, tornando-se persona obrigatória em exposições e vernissagens. Heroicamente, sobrevivendo de Arte (e pela Arte) nessa cidade tão ríspida e desmemoriada com seu patrimônio cultural e humano. In memorian, o desabafo do Rei-Vassalo prof. Melquíades: quem quiser me prestar uma homenagem que seja em vida. Deixarei escrito e registrado em testamento e cartório que não poderão usar meu nome para grupo escolar, de logradouro ou rua, ficando proibido a minha alma baixar em centro espírita e/ou terreiro de umbanda!

Não, essa não é uma homenagem moribunda! É um suspiro, um lampejo de vida. Lutando o bom combate, guerreiro aguerrido, Pedro vai contradizer a filosofia fatídica de Augusto de Campos: "Arte longa vida breve". "Tu es petrus et super hamc petram aeclesiam meam aedificabo". Pedros Est, ele está no meio de nós. E, testemunhará com arte os muitos caminhos que ainda iremos trilhar, todos juntos, numa pessoa só. Pedro Pereira, poeta peripatético, plástico pintor, peralta prático, pajé pai-d’égua, perito praxista, professor performático, Passa e Fica.

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