1 de dezembro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte Final

Prefeito de Natal, Carlos Eduardo, participa das comemorações do “Dia da Criança”, no 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente.

Natal, 10 de outubro de 2006.

Parte Final

“Há aqueles que não podem imaginar um mundo sem pássaros; há aqueles que não podem imaginar um mundo sem água; ao que me refere, sou incapaz de imaginar um mundo sem livros”.
Jorge Luís Borges

Quando cheguei ao 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente encontrei bolas multicoloridas ornamentando todo o prédio e, nas paredes, cartazes anunciavam o “dia das crianças” no “Tributo à Criança”. Era dia de festa. Uma atmosfera diferente pairava no ambiente devidamente preparado para receber o mantenedor oficial do programa.

Cabelos cuidadosamente tratados por profissionais, brincos discretos e trajada com um elegante vestido branco, Dona Graça recepcionava os convidados com um largo sorriso e muita simpatia. Nessa tarde, a voz mansa da diretora nem de longe lembrava aquela rigidez costumeira no trato com as crianças assistidas pelo programa municipal.

Alguns professores se prepararam para o evento festivo e outros, como eu, apareceram por lá sem saber que naquela tarde haveria a presença do senhor prefeito de Natal em pessoa. Por volta das 4 horas, o prédio estava lotado de gente, onde funcionários, crianças, adolescentes, pais, professores, monitores, autoridades, assessores e políticos suportavam um calor infernal, esperando o chefe do poder executivo natalense.

Muito simpático, cumprimentando as pessoas (maioria assistida pelo programa educacional do município), o prefeito Carlos Eduardo chegou ao 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente com o relógio apontando a casa das 5 horas. O prefeito de Natal veio acompanhado da secretária municipal de educação Justina Iva e técnicos da Secretaria Municipal de Educação para participar das comemorações.

Para minha surpresa, as professoras prepararam um grupo de alunos para uma apresentação de dança. Com desenvoltura, articulação, ritmo e técnica, os alunos encantaram a platéia com danças de rua do tipo “hip hop”. Sob aplausos do prefeito, os alunos agradeceram felizes aqueles momentos de catarse, estampados em seus rostos, como se as palmas fosse o estipêndio necessário para estimular novos shows de dança.

Para as mães, além de sorteio de brindes, algumas cestas-básicas foram distribuídas para amenizar a fome. Como é costumeiro em véspera de eleições, ações político-eleitoreiras assistenciais têm intenções de trazer resultados eleitorais nas eleições vindouras. Rapidamente, funcionários públicos entregaram mais de 80 cestas-básicas.

No seu pronunciamento, o prefeito Carlos Eduardo fez duas importantes revelações para aquele povo faminto de promessas: Em 2006, vai aumentar o valor da bolsa do “Tributo à Criança” e inscrever mais 500 mães que há muito tempo vem esperando oferta de vagas. “Vamos brincar, vamos dançar, mais vamos estudar também, e a vida inteira, porque a gente só cresce na vida estudando para ter uma profissão no futuro”, declarou o prefeito.

A adolescente Marília Ilda, 14, estudante da 7ª série da Escola Municipal Celestino Pimentel falou ao microfone para confessar que antes pedia esmolas na rua e agora não pede mais porque é assistida pelo 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente onde é auxiliada pelo projeto “Tributo à Criança”. Marília agradeceu ao prefeito pela oportunidade que a fez aprender muito com a vivência dentro do programa.

Ao meu lado uma senhora com os olhos mareados de lágrimas, depois de ouvir o depoimento da adolescente, tentava uma conversa comigo. Decobri que se tratava da dona de casa Sônia Dias de Morais, 38, separada e mãe de três filhos. Ela me revelou que sobrevive apenas com a bolsa de R$ 120,00 que recebe mensalmente por ter os filhos inscritos no Programa. “Abaixo de Deus, só o ‘Tributo à Criança’ onde estão os meus filhos, porque se não fosse essa renda eu não saberia como sobreviver”, disse emocionada.

Enquanto comemoramos o “Dia da Criança” no 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente, faço uma despedida silenciosa dos professores, de dona Graça, dos funcionários e dos alunos. Ainda dentro do prédio, tenho a sensação de que minha estadia no projeto “Tributo à Criança” criou uma visão superficial do programa. Embora tenha participado de experiências pedagógicas e educacionais dentro da disciplina “Pratica de Ensino de Língua Portuguesa e Literatura”, fazendo um diagnóstico pessoal do programa governamental de assistência social, utilizando critérios acadêmicos teóricos como orientador do estágio, dificilmente essa prática poderá ser aplicada em escolas “normais” de ensino Fundamental e Médio.

Considero muito satisfatória a experimentação como “professor amador” dentro de um contexto diferente, fora da realidade educacional tradicional implantada nas escolas públicas e particulares. Utilizar a Literatura de Cordel como ferramenta de ensino foi muito salutar porque serviu como um fio condutor para estudar a linguagem, enquanto era observada a oralidade dos poetas e, no mesmo afã, ler os folhetos escritos por cordelistas potiguares, que cantam nossas tradições e costumes.

Conversando com minha colega de Letras, Concita, há dois anos participando como bolsista do programa “Tributo à Criança” e atuando no 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente, eu tentei compreender os sérios problemas sociais que envolvem as famílias beneficiadas, em sua maioria habitante de favelas e comunidades carentes. Mas, confesso que evitei, por várias oportunidades, abordar ou dar ênfase a problemática da violência no seio desses conjuntos populacionais que tem seus reflexos sentidos na instituição de ensino.

O estágio vivido no “Tributo à Criança” me trouxe a convicção que a educação pública está falida por falta de compromisso dos nossos governantes que só pensam no seu próprio projeto político. Será necessário fazer uma revolução educacional nos próximos 20 anos para se chegar a níveis aceitáveis de intelectualidade dos alunos que são “beneficiados” pela educação oferecida pelo Estado.

Enquanto os responsáveis pela Educação não entenderem que o crescimento de um país está diretamente ligado à educação de seu povo, a população carente, que tem menos oportunidade à escola, está predestinada a continuar convivendo com a miséria e a pobreza, se colocando na parte inferior da pirâmide social. E as conseqüências dessa situação são trágicas.

Conscientes que a disciplina comandada pela professora Daniella Lago daria oportunidade para ministra alguns aulas durante cinco ou seis semanas – apesar do tempo de observação do funcionamento escola e o preenchimento de intermináveis fichas com entrevistas –, eu e Concita preparamos um plano de aula com intenções de estimular a leitura entre os alunos. Nossa proposta era que enquanto discutíamos aspectos sociais, históricos, geográficos, estávamos observando a tradição do povo durante o tempo em que estudávamos a linguagem através da oralidade e a variante da fala.

Na primeira parte desse pequeno caderno de anotações pedagógicas, coloquei uma epígrafe de Monteiro Lobato dizendo: “um país é feito de homens e livros”, exatamente com intenções de promover a leitura usando a Literatura de Cordel como veiculo pedagógico. Agora, recorro às palavras do escritor Jorge Luís Borges para corroborar a idéias de que sem os livros não há mundo lá fora.

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