13 de fevereiro de 2007

Entrevista com Crispiniano Neto

Fotos: AG Sued
Crispiniano Neto é o novo presidente da Fundação José Augusto

Por Alexandro Gurgel

Joaquim Crispiniano Neto, natural de Santo Antonio do Salto da Onça, é o novo presidente da Fundação José Augusto. Engenheiro Agrônomo, Advogado, Jornalista, violeiro, repentista, escritor de cordel e ex-candidato a prefeito de Mossoró pelo PT, publicou entre outras obras, o importante livro “A verdade é prá ser dita”, em 1981 e é o autor da peça teatral “Auto da Liberdade”, em Mossoró.

Indicado pelo PT após uma conturbada rodada de entendimentos entre a governadora Wilma de Faria, intelectuais e militantes, ele assume o cargo ocupado desde o ano passado pela professora Isaura Rosado.

Encontrei Crispiniano Neto na manhã do último sábado, durante o lançamento da nova programação da Rádio Rural de Mossoró. Com o gravador ligado, conversamos por breves instantes sobre os rumos da cultura potiguar, as perspectivas do poeta frente à FJA, entre outros temas.

Crispiniano, como você recebeu a indicação para presidir a Fundação José Augusto?
Com muita satisfação porque essa luta em prol da cultura a gente vem fazendo há muitos anos, independente de estar em cargos públicos. Lutamos pela recuperação da literatura de Cordel, da cantoria de viola, um teatro para Mossoró, pela Lei de cultura municipal, pela Lei estadual, trouxemos o Projeto Seis e Meia para Mossoró, trabalhamos com editoria de livros, de folhetos, de artes, de poesia, além de cursos e treinamentos. Há mais de 30 anos, eu tenho uma história dentro da área cultural. Hoje, chegando ao posto mais importante no Estado como gestor, na política cultural, é uma responsabilidade muito grande e uma satisfação enorme.

Você que sempre teve sua história ligada à cultura mossoroense, o fato de ser presidente da FJA vai incrementar mais o processo artístico em Mossoró?
Meu compromisso é fazer cultura no Estado inteiro. No caso específico de Mossoró, há uma dinâmica própria na cidade que anda um pouco mais rápido do que os demais municípios. Essa posição foi construída pela lutas dos artistas mossoroenses. Depois de muito tempo de luta cultural intensa, houve o despertar das autoridades de Mossoró, independente de partidos, que passaram a construir teatros, fazer espetáculos e criar uma fundação de cultura. Cabem as forças artísticas de outros municípios conquistarem seus espaços com a organização dos artistas de demais agentes culturais, mesmo quando se trata de cultura não-artística.

Antes de a sua nomeação ser efetivada, houve uma celeuma muito grande em torno da sua indicação pelo PT. Alguns setores da intelectualidade natalense chegaram a criticar essa indicação. Como você recebeu essas apreciações?
Com muita naturalidade. Sou um homem com uma formação democrática. Faço com a frase de Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma palavra que você está dizendo, mas vou defender o direito de você dize-las”. Aqueles que não concordam comigo e aqueles que queriam a continuidade de Isaura têm o direito de expressão. Como no ditado popular “dei calado por resposta” aqueles que me criticaram. Não porque não tivesse resposta, não porque não gosto da polêmica (que enriquece a cultura e a democracia), mas porque entendo que não existe campanha para cargo de confiança. Então, eu não podia entrar numa campanha onde tinha apenas uma eleitora que decidiria quem seria o presidente da Fundação José Augusto.

A professora Isaura não poderia continuar no cargo, já que vinha fazendo um bom trabalho?
Não era uma questão de um ser mais competente, ágil, dinâmico ou honesto do que o outro. Caberia ao PT, partido ajudou eleger Wilma, a indicação do nome para presidir a Fundação José Augusto e era natural que não fosse a professora Isaura. Nesse caso, seria eu ou outro nome do PT. Quando a gente foi para a votação dentro do Partido, terminei como candidato único. Foi uma unanimidade. Se fosse da cota pessoal da governadora, mesmo ela não tendo nenhuma restrição contra meu nome, a governadora já teria nomeado Isaura, que vinha fazendo um bom trabalho. A discussão é política, não é de mérito ou competência. Eu e Isaura temos uma longa amizade, já fizemos várias parcerias na área cultural. Bom seria se tivesse ficado os dois.

Você sabe que algumas Casas de Cultura são verdadeiros elefantes brancos e a revista Preá está arquejando, correndo o risco de não sair mais. Você vai manter esses projetos funcionando?
Em relação à revista Preá, houve uma licitação e a empresa que ganhou fez a última edição com uma qualidade inferior ao esperado. A revista ficava soltando as páginas internas e o pessoal da FJA tendo que grampear as páginas. Rescindimos o contrato com essa empresa e abrimos outra licitação. Como é um processo muito burocrático, está demorando, mas a revista Preá vai voltar a circular normalmente com o maior incentivo da minha parte. Do ponto de vista editorial, eu acho que a revista Preá tem uma qualidade muito boa. Nós temos hoje 45 Casas de Cultura: 24 prontas e 21 em andamento. Já constatei que em 4 Casas as obras foram paralisadas e já enviei para o setor jurídico da FJA para reincidir o contrato e abrir nova licitação para que outra empresa conclua. Agora, as casas que já estão prontas têm tido algumas atividades, mais muito aquém daquilo que é o papel das Casas de Cultura. Nossa grande preocupação no momento é concluir essas 21 Casas e colocar as 45 para funcionar.

Então, na sua gestão a cultura potiguar continuará sendo interiorizada, reafirmando a proposta das Casas de Cultura?
A palavra “interiorização” é muito usada, até porque ela está no Regimento da Fundação, onde diz que é papel da FJA interiorizar a cultura. Eu não gosto dessa palavra porque quando você diz “vamos interiorizar a cultura” a sensação que a gente tem é que não existe cultura no interior e tem que trazer tudo de Natal ou, no máximo, ser bonzinho e levar de Mossoró. Eu diria “vamos intercambiar” a cultura, levando do interior pra Natal, trazendo da capital para o interior e fazer circular grupos de Mossoró, de Natal, de Macaíba, de Janduís, etc... Uma filarmônica, como a de Cruzeta é cultura da melhor qualidade e deve circular pelo Estado. Você chamou de “elefantes brancos” e eu não gostaria de chamar porque como gestor público fica desagradável. Mas, numa reunião que eu tive com o pessoal do meio artístico, uma companheira falava: “vamos transformar todos os elefantes brancos da cultura em casas de sonhos”. Esse é o sentimento que nos move nesse momento. Qualquer prédio, seja Casa de Cultura, seja teatro, seja museu, seja centro de documentação, a Cidade da Criança, o Forte dos Reis Magos, a gente tem que transformá-los em ambientes aonde o cidadão chegue e sinta emoções positivas, se sinta feliz, absorvendo nossa cultura.

Crispiniano, você assume a FJA no memento pós “foliaduto”, onde todos estão de olho no erário, sobretudo no orçamento da FJA. Você terá dinheiro para desenvolver seus projetos?
Dinheiro tem. Agora, é preciso a gente ter muito mais cuidado com as coisas. A professora Isaura vinha adotando uma prática que todo o processo que era feito na FJA, ela estava mandando ao Ministério Público, sem a exigência do órgão. Eu quero continuar fazendo isso e que cada obra da FJA tenha um “comitê de acompanhamento”. Por exemplo: Eu quero nomear uma comissão de cinco pessoas para acompanhar as obras da Casa de Cultura de Tenente Ananias e dizer à eles: “amigos, a FJA não tem como ficar acompanhando tijolo por tijolo, façam isso porque é o dinheiro de vocês. E essa Casa, se ficar boa ou ruim, ela será da cidade”.

Você já se deu conta qual é o orçamento da Fundação José Augusto?
A FJA tem R$ 21 milhões, com 87% desse dinheiro sendo destinado à folha de pagamento. É uma instituição inchada com muitos funcionários e quase todos eles estão desestimulados, com a maioria, tecnicamente, desatualizada. Como eles têm estabilidade e não vou chagar lá para cortar a cabeça de ninguém, nós vamos ter que pegar essa massa crítica que está adormecida e capacitá-la tecnicamente para que entenda a missão da FJA. Se a gente não fizer cultura, o povo vai pedir para fechar a FJA. Quero implantar a cultura de controle social dos recursos da FJA porque não é a boa-vontade ou a honestidade do gestor que evita problemas. Eu, pessoalmente, acredito na honestidade de Jenuíno e na honestidade de François. Agora, somente a Justiça pode fornecer um veredicto. Isso tudo nos ensina a sermos mais cuidadosos.

Quais serão os seus projetos a frente da FJA e qual será a marca de Crispiniano Neto como gestor cultural?
Se eu fosse desfiar o que estou pensando daria muita coisa. Eu quero mesmo é que a FJA produza cultura e faça parceria com quem produz. Não precisa ser estatal, necessariamente. Agora, de tudo que estou pensando, eu preciso confrontar com o orçamento. Preciso ver o que a governadora Wilma de Faria colocou no seu programa de governo sobre cultura porque eu tenho que cumprir aquilo que ela prometeu. Os projetos devem se submeter ao crivo de cada segmento. Se estou pensando em algo para cinema, tenho que fazer reunião com quem faz cinema no Estado. Inclusive, já marquei uma reunião com o pessoal do “pólo de cinema” que está se configurando em Natal pra a gente discutir o que vamos fazer na área de cinema. Poetas já disseram que querem me fazer uma visita para me parabenizar. Vou aproveitar essa visita para fazer uma reunião e discutir o que precisamos fazer pela poesia do Rio Grande do Norte. Da mesma forma vou fazer com o pessoal do teatro, dança, literatura, música, etc. Depois disso, nós vamos ter o que Crispiniano pensa com o que pensa toda a classe cultural do Estado. Assim, após essas rodadas de reuniões, nós vamos ter um quadro do que faremos nos próximos quatro anos.

3 comentários:

Bira disse...

Eu quero ilustrar um cordel de Crispiniano Neto.
Vc poderia passar meu contato pra ele?
biradantas@globo.com
www.fotolog.com.br/bira2009
Valeu

Anônimo disse...

Estou com muita saudades desse "cabra da peste". Aqui em São Paulo, conversando com o grande baiano cordelista Flanklin Machado, falamos das coisas boas; do seu primeiro livro que me foi enviado alguns e divulgamos aqui pelo Sudeste. Se possível passe os meus contatos para essa ilustre pessoa.
Geraldo Potiguar do Nascimento
E mail: kimbira@yahoo.com.br
Orkut: Geraldo Potiguar do Nascimento ou geponas@gmail.com
Menseger: geraldonascim48@hotmail.com
Blog: http://casadopotiguar.blogspot.com

Abraços,
Crispiniano.

Jacinto Alegria disse...

Destaco o trecho:

"Se fosse da cota pessoal da governadora, mesmo ela não tendo nenhuma restrição contra meu nome, a governadora já teria nomeado Isaura, que vinha fazendo um bom trabalho. A discussão é política, não é de mérito ou competência. Eu e Isaura temos uma longa amizade, já fizemos várias parcerias na área cultural. Bom seria se tivesse ficado os dois." -

Crispiniano Neto


Vejam que mudança de atitude
Aqui ele a Isaura elogiou
e agora tem se demonstrado rude
Depois que do poder se retirou
agora que se sente ameaçado
insinua ter um dossiê guardado
se tem, por que ainda não mostrou?