4 de fevereiro de 2007

Um Inventário sob o signo da polêmica

Foto: Orf
Eduardo Alexandre, do Cedoc : “Fizemos um livro que tteve inclusive a coragem de denunciar as obras desaparecidas".

Em janeiro a Fundação José Augusto realizou uma cerimônia no Teatro de Cultura Popular para apresentar o projeto Patrimônio Cultural Potiguar em Seis Tempos, que nasceu com o objetivo de catalogar, registrar, além de desenvolver um banco de dados referente à riqueza cultural presente no estado. Foram catalogados os bens em seis áreas: artes visuais, patrimônio sacro, patrimônio museológico, patrimônio arquitetônico, bens móveis e integrados e patrimônio imaterial. Dentro do projeto de artes visuais, também foi lançado o Inventário - Catálogo do Acervo de Artes Visuais do Governo do Rio Grande do Norte, em uma outra cerimônia promovida no Palácio da Cultura (Pinacoteca do Estado).
O inventário traz todas as obras que encontram-se nos órgãos da administração direta e indireta, estando a maior parte no acervo da Pinacoteca. Tal publicação vem gerando algumas críticas por parte da classe artística (ver artigo na página 3), que reclama da falta de dados biográficos, informações erradas, obras de arte que desapareceram e ainda tecem comentários sobre a parte gráfica.
O livro catalogou 876 obras pertencentes ao acervo do Governo do Estado até novembro passado. Destas, 607 fazem parte do patrimônio da Pinacoteca, as demais estão em outros órgãos do governo. ‘‘Este inventário tem a marca do pioneirismo, e se estabelece como marco e referência histórica para o patrimônio da arte potiguar’’, afirmou a diretora geral da FJA, Isaura Rosado, no texto de abertura do livro.
As críticas mais severas são com relação a 49 obras de arte que sumiram das dependências dos órgãos estaduais e constam no catálogo. Ninguém sabe explicar onde foram parar nem se foram doadas, emprestadas ou até roubadas. Algumas têm valor não só monetário, como também grande peso histórico e cultural, pois tratam-se de obras do quilate do talento de Dorian Gray, Leopoldo Nelson, Newton Navarro, entre outros.
Também foram levantadas críticas quanto à falta de algumas informações ou dados errados. Algumas obras, embora estejam tombadas, aparecem no livro com o autor anônimo, outras estão sem título e existe ainda a falta de dados biográficos de alguns artistas, sem falar em dados errados, como no caso do artista Getúlio Araújo que já morreu, mas no catálogo continua vivo. Também foi criticado o fato de o inventário ter incluído nomes desconhecidos e sem comprovado valor artístico. Ainda foi questionado o fato do catálogo ter sido impresso em preto e branco, com fotos muito pequenas e em papel de pouca qualidade. E ainda, o índice da obra traz toda a equipe que participou do projeto, nela estão incluídas cinco pessoas que trabalharam na pesquisa bibliográfica, mas o livro não traz as referências bibliográficas.
Coordenadores defendem livro
Procurada para responder tais críticas, a diretora da FJA, Isaura Rosado, encontrava-se de licença do cargo. A defesa foi feita por Eduardo Alexandre de Amorim Garcia, coordenador do Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza (Cedoc) e integrante da coordenação executiva do catálogo, e Ana Neuma Teixeira de Lima, sub-coordenadora do Cedoc e responsável por dividir a concepção e a coordenação geral do projeto com Isaura.
O inventário partiu de uma vontade da diretora da fundação, quando ainda ocupava a coordenação do Cedoc, de registrar todo o acervo de artes visuais do estado. A partir disso surgiu a idéia do projeto Patrimônio Cultural Potiguar em Seis Tempos, que catalogou quase 5.000 bens culturais espalhados pelo estado e foi custeado através de um edital do Ministério da Cultura (Minc), com recursos da Unesco.
O custo do projeto foi de R$ 183 mil, sendo R$ 93 mil provenientes do Minc e R$ 90 mil como contrapartida do estado. Neste valor só não foi incluído o custo da impressão do inventário que foi de R$ 17 mil, para a tiragem de mil exemplares. As plaquetes que destacam os bens das seis áreas já descritas, o CD com todo o banco de dados das referidas áreas, além de um mapa que localiza pontos históricos da cidade formam um kit que terá a tiragem de cinco mil exemplares para serem distribuídos com alguns órgãos ligados ao turismo, ‘‘nós também vamos buscar outras parcerias para que possamos imprimir um número maior de kits’’, ressaltou Eduardo.

Livro aborda obras sumidas

Com relação as críticas sobre as obras que estão tombadas, fazem parte do catálogo, mas não constam suas fotos pelo fato de estarem sumidas, Eduardo respondeu: ''elas estão desaparecidas, ou foram doadas, ou estão em algum órgão e ainda não localizamos. Achei que essa foi uma atitude corajosa de Isaura de denunciar que essas obras estão desaparecidas'', ressaltou. ''Alguns obras já reapareceram depois da publicação do livro'', complementa Ana Neuma. Com relação aos dados incompletos e errados, eles afirmam que foi realizada uma pesquisa de um ano que envolveu profissionais de diversas áreas do conhecimento. ''Nós pesquisamos em livros de artes, em catálogos de exposições, na internet, no acervo da Pinacoteca e em outras repartições, mas tem artista que nós não encontramos nenhuma referência. Alguns dos quadros não estão assinados e em alguns casos existe a assinatura mas nós conseguimos reconhecer. Essa não é uma obra acabada, até porque é muito difícil registrar o patrimônio todo, mas pretendemos lançar outras edições posteriormente e corrigir os erros. inclusive alguns artistas já ligaram para complementar informações'', diz Eduardo.
Quanto ao fato de ser um livro impresso em preto e branco, e com reproduções pequenas, que em alguns casos não é possível visualizar com nitidez a obra, eles respondem que tiveram como base o Inventário - Catálogo Geral do Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, datado de 2002, e que é uma das casas de cultura que serve de referência para outros museus no país. A jornalista e editora Marise Castro, responsável pela editora Una que fez a parte gráfica do catálogo, enviou para as redações um texto, junto com o inventário, que também traz algumas explicações quanto a esses questionamentos. ''Evidenciamos que este trabalho não tem e nem deve ter aspectos gráficos de uma publicação considerada livro de arte. É apenas um catálogo, inclusive sem ISBN e sem sumário (pois catálogo não requer ISBN nem sumário). O tamanho das reproduções (todas em preto e branco) condiz, inclusive, com as reproduções do catálogo do Museu de Arte de São Paulo (que tivemos como modelo), ou seja, são reproduções para registrar e não para proporcionar uma apreciação minuciosa das obras. Uma reprodução maior e em cor (se a obra for colorida) é função de um livro de arte, não de um catálogo. O papel pólen (do miolo) escolhido aplica-se a livros instrumentais, ensaios e obras gerais, portanto, aplica-se também a catálogos. A tradição de usar papel couché em catálogos já foi rompida há muito tempo, a exemplo do excelente catálogo do MAM de São Paulo. O tamanho da publicação, 16 x 23 cm está totalmente em consonância com o que está sendo feito nas artes gráficas mundiais, vide os catálogos vendidos no MOMA, de New York''.
Eduardo Alexandre admitiu que houve falha em não publicar as referências bibliográficas, ''mas iremos corrigir esses erros em edições posteriores'', garantiu. Quanto ao fato de ter incluído todo o acervo das artes visuais do estado, mesmo aquelas obras sem valor artístico, a própria diretora da FJA faz referências a esse assunto na abertura do catálogo, afirmando que em um primeiro momento optou em incluir todos as obras que fazem parte do acervo, ''No entanto, em seguida uma curadoria selecionaria as obras mais significativas do nosso acervo para uma monumental exposição, onde a ''jóia da coroa'' das Artes Visuais do Governo do RN ilustraria, em policromia, um outro catálogo histórico, onde o critério qualidade técnica seria o eixo identificador''. Quem quiser adquirir o inventário ele está disponível na Pinacoteca ao preço de R$ 20.

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