14 de abril de 2007

O engenho da palavra nos versos de Antoniel Campos

Foto: AG Sued
Antoniel Campos recebe o prêmio Othoniel Menezes de Poesia das mãos do prefeito Carlos Eduardo Alves.


Por Alexandro Gurgel

Menino sertanejo de Pau dos Ferros, Antoniel Campos chegou à capital para morar na periferia, construindo sua formação intelectual em escolas públicas. Canguleiro das Rocas, o poeta estudou na Escola Estadual Isabel Gondim. Tempos depois, entrou na ETFRN (CEFET atual) “e de lá, para a UFRN”, diz o poeta, carregando o brio dos simples.

Engenheiro civil por formação acadêmica, Antoniel escreve versos por diletantismo. Porém, o poeta não esconde que ainda acalenta o sonho de se tornar um poeta por tempo integral. Como um cartesiano afeito às idéias claras e procedimentos rigorosos, o vate confessa ter as coisas muito bem divididas, compartimentadas, de maneira que poesia e engenharia convivem independentemente, ou raramente se misturando.

Entre os títulos, Antoniel Campos coleciona o primeiro lugar no Concurso Literário Eros de Poesia Sensual, com o poema “é como se as paredes respirassem”, segundo lugar no concurso literário de Piracicaba, com o poema “Contracanto”, além de menções honrosas nos concursos literários Othoniel Menezes e Luís Carlos Guimarães. Também obteve menção honrosa Prêmio Cidade do Recife, com o livro de poesia “A Esfera”.

Ano passado, o poeta foi homenageado no projeto “Poéticas e Prosas Potiguares”, idealizado pela livraria Siciliano, no shopping Midway Mall, em Natal. O sarau poético foi intitulado “de cada poro um poema”, cujo tema é o título do segundo livro de poesias de Antoniel, lançado em 2003. Antes desse, o poeta já havia publicado “Crepes e Cendais”. A terceira obra dele, “Esfera”, foi lançada em 2005.

Pela qualidade dos versos, Antoniel já tinha reconhecimento garantido nas tertúlias literárias nos quatro cantos da cidade. Mas, no último 14 de março, Dia Nacional da Poesia, o vate conquistou o disputadíssimo concurso de poesia, “Othoniel Menezes”, promovido pela Prefeitura de Natal, com a obra “Dialeto interdito no palato”, livro ainda inédito.

Depois de uma década participando do concurso, o poeta confessa que não pensava em participar, esse ano, do prêmio “Othoniel Menezes”, depois de tantas tentativas buscando o primeiro lugar. Faltando menos de uma hora para o encerramento das inscrições, o bardo resolveu imprimir seus versos e leva-los à Capitania das Artes.

No apagar das luzes, Antoniel ainda encontra o poeta Marcos Ferreira e o escritor Clauder Arcanjo, vindos de Mossoró para fazer as inscrições dos seus trabalhos. Ainda na calçada da Capitania das Artes, o escritor Clauder Arcanjo profetiza: “o primeiro lugar vai ficar entre esses dois poetas”. Marcos Ferreira ficou com menção honrosa na prosa e na poesia.
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Dialeto interdito no palato

Antoniel é enfático quando afirma que não houve uma decisão pessoal para tornar-se um poeta. “Escrever versos é uma coisa que acontece naturalmente”, declara o poeta, falando sobre a necessidade de interagir com a literatura e apontado alguns livros que levaria para uma temporada de 66 auroras no país de São Saruê: Eu, de Augusto dos Anjos; Os Lusíadas, de Camões; Sonetos de Shakspeare; As Flores do Mal, de Baudelaire; Missal e Broqueis, de Crus e Sousa; e outros tantos...

Apreciador de uma linguagem dominada pela elipse, por orações reduzidas e fusões vocabulares, os versos de Antoniel fogem do discurso derramado dos românticos. Sua poesia inclui também o uso de arcaísmos (palavras fora de uso) e outras invenções pessoais: metáforas complexas, aliterações, onomatopéias e criações gráficas. Trata-se de um poeta em plena evolução, que surge como uma promessa de ser um fenômeno poético dentro de sua época literária.

Conforme Antônio Lázaro de Almeida Prado, professor de Língua e Literatura na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, Antoniel Campos viaja pelo espaço-tempo heraclitiano em que os extremos se tocam e o que se preserva é sempre o olhar encantado, que dispensa as lentes das regras definitivas e inamovíveis. “Eis que o poeta se reflete no brilho próprio de seus versos, que embora rítmicos (triunfalmente rítmicos), parecem estruturalmente plásticos”, escreveu o professor, em artigo literário sobre o poeta.

Antoniel Campos ressalta que durante seu processo de criação literária não gosta de fazer “poesia intelectualizada” e revela que é um poeta experimental quando refaz a rima, busca a métrica, jogando com as palavras em cada verso. Com fortes influencias simbolistas, a poesia de Antoniel cria um intento de “revestir as idéias de uma forma sensível”, isto é, traduzi-las para uma linguagem simbólica e musical. Pouco a pouco, este intelectualismo se converte numa aventura anti-intelectual, numa negativa à possibilidade de comunicação lógica entre os homens.

O teórico francês Roland Barthes afirma que as palavras têm sabor quando se trata de reinventar a linguagem, explorar suas possibilidades, recriar palavra após palavra, à procura de imagens originais e envolventes. A poesia de Antoniel consiste em não-dizer, não-declarar, não designar as coisas pelos seus nomes triviais. Sua verdadeira poesia está em insinuar, dizer figuradamente, sugerir. Nos versos premiados do poema “dialeto interdito no palato”, o vate alcança o estranhamento, dando tempero às palavras e emocionando os leitores.

ALFABETO
Antoniel Campos, Natal RN

Inexato objeto deixo escrito,
esquisito, incorreto e caricato;
sem extrato, abjeto e contradito,
em conflito e em completo anonimato.

De formato maldito o seu projeto,
dialeto interdito no palato,
seja hiato o seu grito e o seu trajeto
incompleto e ao finito cognato.

Pois vomito no prato em que eu habito,
no não-dito e abstrato me concreto,
no que eu veto retrato o que acredito.

Circunscrito, sem tato e circunspeto,
rarefato, sem teto e adstrito,
seja exato em seu rito esse alfabeto.

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