17 de maio de 2007

E agora, meu Deus?

Caricatura: Leonardo Sodré
CRÔNICA

por Leonardo Sodré

Instado pelo editor do jornal Voz de Natal, Alex Gurgel, o fotógrafo Hugo Macedo foi obrigado a trabalhar no domingo, para cobrir a VI Parada Gay de Natal. Alex queria fazer uma ampla reportagem sobre o evento, já que uma grande polêmica tinha surgido diante de declarações do deputado evangélico Joacy Pascoal, que se colocou contra a ajuda financeira do governo municipal.

Hugo já estava de viagem marcada para Parelhas, sua cidade natal, onde iria terminar os últimos capítulos do seu livro sobre alguns personagens do município seridoense e ficou contrariado. Mas, imaginou que seria um experiência inusitada, interessante. Afinal, como Alex tinha dito, seria uma ótima oportunidade para apoiar uma minoria, colaborando com os direitos humanos. No domingo, logo cedo, o editor ligou:

- Vamos? Estou com tudo preparado.

- Agora? - retrucou Hugo, que havia acabado de acordar - Está muito cedo e para enfrentar o evento preciso de um “esquente”, aliás, de uma superesquentada alcoólica!

Quando Alex Gurgel fica contrariado sua voz, que normalmente tem um som similar a de um trator atolado, fica com uma rouquidão estranha que lembra um pato e até mesmo um papagaio fodido. Mas, de índole conciliadora, tossiu para afastar a raiva e ponderou:

-Tudo bem. Nesse caso vou lhe esperar na casa de Leozito, o relojoeiro, tomando umas. Falava e pensava economicamente: “lá é mais barato”.

Depois que Hugo Macedo lhe apanhou, muitos bares foram visitados e somente conseguiram chegar na Parada Gay no início da noite, encharcados de cervejas. O editor de caderneta na mão e o fotógrafo de máquina nova, ultramoderna a tira-colo, partiram em busca de entrevistas e fotos. Alex anotava tudo e Hugo fotografava beijos, peitos, agarramentos e bundas. Muitas bundas.

Vez por outra paravam e tomavam umas cervejas, até que o bloco do editor se esgotou e todo o equipamento do fotógrafo foi furtado por alguém fantasiado de arco-íris, conforme uma testemunha.

Aborrecido, Alex tomou o rumo de casa e Hugo, sem ter mais o que fazer, resolveu descobrir se no meio daquele meio mundo de gente havia alguma mulher que gostasse do bicho homem. Pensou: “Alex é um sacana, como é que ele diz que essa multidão é uma minoria?”.

As cervejas se sucediam e nada de aparecer ninguém. Até que de repente seus olhos se cruzam com dois pares em corpos diferentes. Uma loura e uma morena. Deu seu grito de guerra:

- O quê?!

E partiu para o “ataque”. Já havia perdido alguns milhares de reais com o furto do equipamento fotográfico e tudo o que viesse dali para frente seria lucro. Com uma de cada lado, acompanhando um dos trios elétricos da festa, muitas outras cervejas foram tomadas, até que chegaram no seu apartamento.

Ele havia escolhido uma delas para namorar, noivar e até casar, diante da cumplicidade das dezenas de latinhas de cerveja. No apartamento continuaram a beber até, que trôpego, foi ao banheiro. Quando voltou, paredes se movendo, chão que lembrava sua canoa do açude Gargalheiras, apoiou-se na mesa de jantar e olhando para as duas, que estavam sentadas no sofá, disse:

- Qual é a minha? E agora, meu Deus?

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