28 de julho de 2007

Aviso compressivo

CRÔNICA
Por Leonardo Sodré

O primeiro a ver o aviso foi o jornalista Eugênio Meio Quilo, que chegou eufórico na mesa que dividíamos com o poeta mossoroense Antonio Francisco e o compositor Cabrito, no bar de dona Nazaré, que ultimamente e para alívio de muitos está sendo administrado pelo filho, Paulinho. Aquele mesmo que quando vai a praia bronzeia a língua porque nunca está calado. Pois bem, Eugênio leu e fez carreira para a mesa em busca de um cúmplice para roubar o papel, colado cuidadosamente para ser lido apenas por quem está de costas para o vaso. Aliás, ele era mesmo destinado a quem estivesse na função sólida, porque estava na porta do banheiro, e ninguém faz xixi olhando lateralmente.
O nariz de Eugênio apareceu do outro lado da minha cabeça quando sussurrou o plano no meu ouvido. No outro ouvido, eu sentia a sua respiração ofegante de menino quando vai fazer uma traquinagem. Topei de imediato, pois geralmente eu levo mesmo a culpa das brincadeiras do recanto mais disputado das adjacências do Beco da Lama, e fui surrupiar o aviso, para não sei o o quê. Ah! O aviso era com relação à eterna falta de água no bar e dizia assim:
“Senhores clientes, Pedimos vossa compressão, pois estamos com falta de água. Evite cagá. Agradece – Nazaré & Cia”.
O primeiro a se manifestar depois que o papel estava convenientemente instalado no meu bolso foi o autor intelectual do roubo, Eugênio Meio Quilo:
-Leo você tem que ver essa questão pelo lado social. Talvez o pessoal do bar tenha tentado pedir compressão mesmo, ao invés de compreensão. A falta de água pode ser devido a uma falha de bombeamento e eles precisam de algum tipo de pressão para fazê-la voltar a aparecer nas torneiras e descarga do vaso.
Disse isso e ficou bem sério olhando para mim enquanto Antonio Francisco recitava a poesia de introdução a Academia Brasileira de Cordel e Cabrito filmava tudo. Era uma seriedade relativa, que pretende explodir em gargalhada a qualquer momento. Mas eu fiquei sério. Queria colocá-lo num “oito”, quando disse:
-Se eles querem compreensão ao invés de compressão, porque pedem no aviso que os clientes evitem cagar? Como uma pessoa pode evitar de cagar, me diga pelo amor de Deus?
É incrível como Eugênio, magro de Biafra, consegue ser tão rápido com suas longas mãos. Quando ele se aperreia, costuma encostar todos os dedos rapidamente um no outro, como se fosse iniciar uma oração. Depois, ajeitou a bolsa no colo e esticou o pescoço feito um passarinho para dar ênfase ao que ia dizer, bem sério. Mas, os olhos sorriam quando argumentou:
-Ora, Leo... Todo mundo tem seu horário para cagar!
-Ah! Quer dizer que uma cagadinha compressiva, cheia de incompreensão, no banheiro de Nazaré seria apenas por esporte?
Cabrito fazia gestos como quem queria falar. Viramos-nos para ele, que encerrou a discussão:
-Amigos, calma! A paz voltou a reinar no banheiro de Nazaré. Tudo está no seu lugar e a compressão voltou de forma espetacular. Tivemos compreensão e agora estamos prontos para suprir nossas necessidades.
Rimos muito e quando comecei a me levantar para pegar uma carona na moto de Eugênio, ele falou baixinho:
-Leo, segure aí minha bolsa, pois de repente me deu uma vontade danada de ir ao banheiro...
Segurei a bolsa, o capacete e a chave da moto e quando Eugênio chegou à esquina oeste do balcão eu gritei:
-Essa é por esporte?!

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