2 de agosto de 2007

Casa nova, odor novo

AG Sued
CRÔNICA

por Leonardo Sodré

O professor Hélio Marques, ou simplesmente professor Helinho, como é conhecido, batalhou durante algum tempo para poder comprar um apartamento que tivesse uma vista bonita. Procurou muito até conseguir ver um que era voltado para o Rio Potengi, na altura do Viaduto do Baldo, onde foi o Cabaré de Maria Boa.

Foi uma correria danada para preencher papéis, dar entrada no banco, validar certidões e todas as manobras burocráticas que todos conhecem quando se quer comprar um imóvel, principalmente quando ele é financiado. Depois, pintar o apartamento nas cores escolhidas pela família compra de móveis novos, decoração, etc.

Nos últimos dias Helinho não tinha tempo nem para ler jornal. Queria se mudar logo para apreciar o Potengi da ampla janela da sala do apartamento, primeiro atrativo que o fez escolher aquele imóvel. Preocupou-se com os mínimos detalhes para o primeiro dia na nova morada, não esqueceu, sequer, de comprar um garrafa de aguardente Samanaú, para brindar o pôr do Sol espelhando as águas do rio. Ele somente não sabia do desastre ecológico dos últimos dias que matou toneladas de peixes e crustáceos no velho Rio Salgado.

A mudança foi realizada durante o dia todo. Tudo estava impecavelmente no lugar e ele, como havia planejado metodicamente, tomou um banho demorado, fez a barba e vestiu-se como se fosse sair. Não ia. Mas queria ficar quase a rigor para brindar o pôr do Sol da exclusiva janela, com um caldinho verde preparado por sua esposa, um poema na memória e uma dose generosa da aguardente especial.

Abriu a janela. Segurava a taça com uma das mãos enquanto o caldinho aguardava numa mesinha ao lado, especialmente posta para esse fim. Viu o pôr do Sol, lindo! Levantou a taça para sorver o líquido inaugurativo de sua nova casa, quando a podridão de toneladas de bichos mortos entrou de janela adentro.

Da cozinha, sua esposa ouviu barulho de vidros quebrados na sala e o som abafado de quem se senta rápido num sofá. Correu para onde o professor Helinho estava e o encontrou sentado de olhos arregalados, amarelo de fazer pena, as bochechas inchadas como se estivesse retendo o ar. Não precisou perguntar nada, pois o professor olhou para ela suplicante e disse:

-Minha filha, o Potengi peidou...

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