5 de dezembro de 2007

A Cidade Natal de Cascudo

Foto: Joacy
por João da Mata
professor da UFRN
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Há 60 anos era lançado um livro pioneiro sobre a Cidade do Natal, a “História da Cidade do Natal”, de Luís da Câmara Cascudo. Terminada a II guerra mundial, Natal havia se preparado para a guerra e serviu de trampolim da vitória para os aliados. Muitos Americanos na cidade. A cidade se modernizava e muitos natalenses aprenderam a falar inglês. “Parnamirim Field” foi um lugar estratégico e decisivo na vitória do aliados.
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O Presidente americano Roosevelt, juntamente com Getúlio Vargas, estiveram em visita à cidade do Natal. Artistas famosos americanos vieram fazer shows para os militares. A importância estratégica de Natal foi ressaltada pelo general americano Charles Gerhardt (1895- 1976), que disse: “Natal teve mais importância na vitória desta guerra do que qualquer outro lugar" (História da Cidade do Natal 3ª ed. 1999, pg 424).

A primeira edição do livro - com belas fotos da cidade de Natal - foi uma edição da Prefeitura da Cidade do Natal, e uma iniciativa do prefeito Dr. Sílvio Piza Pedroza, a quem o livro é dedicado. O livro contém grande parte dos assuntos já tratados por Cascudo em outras obras, e outros temas que o escritor desenvolveria mais detalhadamente em obras subseqüentes. O livro é parte do índice de sua bibliografia sentimental.

Foi grande a bibliografia consultada por Cascudo para escrever essa história, muitas vezes trágica e lacunosa: extermínio dos índios, enforcamentos, escravidão, miséria, falta de saúde e educação, etc. Até o século XVIII a cidade praticamente não existia. As poucas informações conhecidas e registradas são a dos viajantes e exploradores. No alvorecer da cidade de Natal, o período holandês é o melhor documentado. Essa ampla bibliografia existente do período nassoviano é consultada por Cascudo que escreve detalhadamente sobre o assunto na história de Natal, do RN, e em outros títulos específicos.
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O Henry Koster – “o exato Koster” para Cascudo - é a principal fonte de informações etnográficas e históricas do início do séc. XIX. Do Koster H., Cascudo traduziu e comentou o importante livro “Viagem ao Nordeste do Brasil” (1816). Cascudo também perguntou muito através das “cartas perguntadeiras”, e utilizou todas as informações que lhe chegou às suas mãos e ouvidos até o dia de finalizar a sua História da Cidade de Natal. Uma história incompleta, mas imprescindível.

É comum um determinado assunto está contido em várias obras e, num mesmo livro, em capítulos diferentes. Os assuntos estão muito correlacionados e, Cascudo, é um historiador apaixonado pela história da qual quer ser protagonista. Uma história de culto à personalidade e à tradição.

Algumas festas religiosas descritas por Cascudo; Serração da Velha, Dia de São Bartolomeu, já não são mais praticadas. Entre as festas populares, a do “Outeiro”, era um das mais festejadas. Tinha ares literários de festa floral, de jogos de inteligência.

No século XIX, um baile qualquer podia ser interrompido quando aparecia o temível busca-pé, uma espécie de foguete solto. Era o terror da moçada, informava o prof. Panqueca, um dos grandes informantes de Cascudo.

Foram os jesuítas que ensinaram o Brasil menino. Cidade quase sem nenhuma escola até início do séc. XIX. O Atheneu Norte-Riograndense, que formaria a elite da cidade, foi fundado em 03 de fevereiro de 1834, por Basílio Quaresma Torreão. Cascudo ensinou nesse colégio e, em 1961, publicou um livro sobre esse importante educandário da cidade do Natal. Natal provou gelo pela primeira vez no baile oficial de 1868, em um sobradão situado na rua Ulisses Caldas, e que servia de casa do Governo.

Onde morava o Governo? Responde Cascudo: A primeira casa do Governo do Rio Grande do Norte foi o forte dos Reis Magos. Jerônimo d´Albuquerque, mameluco de português e índia tabajara, foi o primeiro capitão-mor. Não confundir com o Jerônimo d´Albuquerque portugues – o Adão pernambucano - que teve 24 filhos. O capitão-mor Jerônimo d´Albuquerque, nasceu da união entre Jerônimo (pai) e a índia Tabira, foi um dos fundadores da cidade de Natal e lutou contra os franceses na restauração do Maranhão.

André de Albuquerque Maranhão foi chefe da revolução pernambucana de 1817. Grande proprietário rural, cavaleiro da casa real e senhor de Cunhaú. Foi o 3º e 6º dos governadores da capitania da Paraíba, a qual Natal era subordinada. André foi assassinado em casa com um golpe de espada. O assassino foi, provavelmente, o tenente português de milícias Antonio José Leite do Pinho (acta diurna 1940).

O teatro Carlos Gomes foi inaugurado em 24 de março de 1904, e a nossa primeira grande atriz foi Maria Epifânia (1838-1918); “velhinha seca, ágil, falando sempre evocando, com quem Cascudo conversou (pg. 216). Há cem anos atrás, o maior acontecimento teatral na cidade foi a encenação de uma peça com costumes locais de Segundo Wanderley; “Natal em Camisas”. Essa peça era protagonizada por Apolônia Pinto (1854-1937), a primeira dama do Teatro Maranhense e uma das grandes atrizes brasileira. Cascudo não faz esse destaque que considero importante.

O capítulo do livro que mais gosto é o que tem o título: “Musa, canta os poetas e escritores...” São esses os temas que tocam mais fundo ao coração seresteiro do Cascudo musicólogo, grande escritor e um historiador que privilegia o imaginário e a tradição. As velhas figuras, a etnografia, os primeiros jornais e cinemas, o fato histórico e político, estão entrelaçados e fazem parte da cidadela cascudiana. No mesmo ano de 1947, Cascudo publica um dos seus livros mais importantes: Geografia dos Mitos Brasileiros.

Na história também há muito de ficção e recortes que denunciam o sujeito histórico-político, em um espaço e tempo. “Façam de conta que não esqueci nome, fato, sucesso, caso merecedor de realce. Aqui findo, versinho maroto de Lourival Açucena, cantado em 1861: Inda disse muito/ quanto não devia!/ Ó musa indiscreta!/ Tanto eu não queria!...” ; finaliza Cascudo.

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