23 de janeiro de 2008

O Maconheiro Militante

CRÔNICA

por Carlos Fialho

Ele chega pra você e diz: “Você sabia que existem medicamentos cicatrizantes feitos de cânhamo?” Inocentemente, você responde que não e mostra-se levemente curioso a respeito do assunto. Pronto. Já basta. Você acaba de cair nas garras de um maconheiro militante e ele passará as próximas horas tentando convencê-lo que o THC é a substância redentora da humanidade, que fumar maconha é a coisa mais legal que alguém pode fazer sobre a face da Terra e que os rumos do planeta estão intimamente ligados à folhinha de cinco pontas.

Se você der corda, ele se sairá com um discurso tão panfletário quanto possível, dizendo mais ou menos o seguinte: “A canabis apresenta propriedades anestésicas e regenerativas bastante atuantes. Os medicamentos cicatrizantes de cânhamo foram desenvolvidos no Egito antigo onde, aliás, a erva era utilizada para produzir de tudo, de papiros a bandagens para múmias. Os cremes e bálsamos feitos da erva foram muito usados por Antônio Conselheiro durante a Guerra de Canudos para tratar dos ferimentos de seus homens. Inclusive, há registros de que o próprio conselheiro era usuário de marijuana. Isso talvez explique o grande senso de justiça do homem. Você sabia?”

Para essas pessoas a erva é a razão principal de sua existência. Tudo o que eles fazem é baseado (com ironia, faz favor.) nesta singela plantinha. Para eles, maconha é religião, é o clube de coração, o partido político, a banda favorita, a tábua de salvação. Só a fumaça salva! Não são da Herbalife, mas se dedicam à Ervalife com o mesmo fervor messiânico. Gostam de reggae, de surfe e do verde que te quero fumo.

Os maconheiros militantes são verdadeiros advogados da marofa. Nunca perdem uma oportunidade de apresentar argumentos comprobatórios definitivos que ilustram a superioridade do THC sobre todos os elementos, constantes ou não na tabela periódica. Sua retórica encontra sustentação em três alicerces básicos:1) O Bombril Natural; 2) Importância História; 3) As legítimas que se fumam.

A teoria do Bombril Natural defende que a maconha tem mil e uma utilidades, sendo a erva mais versátil que jogador coringa, daqueles que batem escanteio e correm pra cabecear. Segundo os partidários, a versatilidade canábica é ilimitada, servindo para produzir roupas, calçados, papel, alimentos, tinturas, medicamentos, biocombustível, brinquedos, material de construção, condutores energéticos, maçanetas de porta, guarda-chuvas, baterias para celular, absorventes íntimos, escafandros e lancheiras do Bob Esponja. O aproveitamento da planta é total. Das sementes se faz tempero, das folhas se produz um delicioso chá para os nervos, do caule se confecciona móveis artesanais muito maneiros, bicho. Sacou? Só! Pode crer!

Não é raro, um militante chegar para afirmar toda a sorte de produtos derivados da erva. São verdadeiros catálogos mentais. E olhe que a memória deles já não é lá essas coisas. “Você sabia que existe sorvete de maconha? Você sabia que existe gravata feita de fibras de canabis? Você sabia que existe papel higiênico de cânhamo? Você sabia que nos países desenvolvidos (para dar um maior peso a sua argumentação e provar que só mesmo num país de terceiro mundo como este para que a droga seja proibida) são receitados baseados no tratamento do glaucoma/câncer/aids/gripe/insônia/falta de apetite?” Procure um maconheiro militante próximo de sua casa e ouça hoje mesmo a sua pergunta clichê “você sabia”.

Outro argumento que ganha força entre os militantes verdes é o da importância histórica da erva. Os fiéis do cânhamo estão convictos da inquestionável participação da maconha em todos os grandes momentos protagonizados pelos homens. Eles afirmam categoricamente que na Grécia, não eram galhos de arruda que ornamentavam as cabeças dos atletas vencedores dos jogos olímpicos. Eram, na verdade, galhos de canabis. A guerra de Secessão estadosunidense não teve nada a ver com algodão. Era tudo por causa das plantações de maconha dos estados do sul.

Eles defendem ainda que as cruzadas medievais também não eram bem como se diz nos nossos livros de história. Os cavaleiros partiram sim em busca do Santo Graal, mas o que todos ignoram é que tal termo era sinônimo para “Camarão Sagrado” numa clara referência à erva bendita. Amém! E aquela fumacinha que sai do Vaticano sempre que a igreja escolhe um novo Papa? Como é que vocês acham que aqueles cardeais todos mantêm a paz de espírito? A Segunda Guerra também não podia ficar de fora. Dizem que ela só terminou depois que alguns pracinhas brasileiros originais de Cabrobró, Pernambuco, levaram certos cigarros misteriosos que impregnaram a Europa com uma repentina cortina de fumaça e uma irrefreável sensação de bem-estar, além de um sono danado. Daí, todos acharam melhor promover a paz de uma vez por todas, pois guerrear dava um trabalho danado.

Ou seja, para os maconheiros militantes, o papel da erva na história humana é muito maior do que se pensa e sua relevância deveria ser mais destacada nos livros escolares. Principalmente se a página for impressa naquele papel fininho, quase um guardanapo de lanchonete que tem muito mais a ver com o contexto. O resto é estória.

O terceiro grande sustentáculo dos discursos politizados proclamados pelos maconheiros militantes é o das “legítimas que se fumam”. É que eles acham que a maconha é como as sandálias Havaianas: todo mundo usa! Basta algum nome ilustre surgir na pauta de alguma conversa para eles afirmarem cheios de orgulho que o referido era um “zé fumaça” de marca maior. Não escapa ninguém. De Shakespearre a Machado de Assis, passando por todos os líderes políticos mundiais, estadistas históricos, figuras religiosas, cosmonautas russos, grandes atores, atrizes, músicos e que tais.

“Bill Clinton? Fumou e aposto que tragou! Marylin Monroe? Comia com farinha! Gandhi? De onde você acha que ele tirou essa história de resistência pacífica? O Salsicha do Scooby Doo? Fala sério! Já fumei um com ele!” Segundo a teoria das “Legítimas que se fumam”, todo mundo que alcançou algum grau de projeção ou que apareceu na mídia de forma positiva é usuário de maconha. É exatamente como o slogan das Havaianas. E a maconha, assim como as sandálias, também não estica nem solta as tiras. Já quanto à questão do cheiro, eles não podem se gabar muito.

Os maconheiros militantes são dedicados, engajados e incansáveis em sua luta por um maior reconhecimento da erva pela sociedade careta e conservadora, dominada por pensamentos retrógrados e arcaicos. “Uma sociedade chapada é possível.”, dizem os ideólogos do movimento, sonhando com um mundo melhor onde todos se amem, se respeitem e não fiquem segurando o chara tempo demais nas rodinhas de baseado. Mas não é a sociedade a maior opositora política dos partidários da canabis. Essa até que tem engolido alguns metros cúbicos de fumaça com menos relutância ultimamente. O problema é a ferrenha oposição do chamado Comando Delta, um inimigo invisível, uma mega-corporação formado por políticos, exército, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Municipal, Polícia dos condomínios, seguranças de shopping, as mães dos usuários, a máfia chinesa e a Igreja Universal que se utiliza de todas as forças disponíveis para impedir o triunfo dos heróis da erva.

Mas nada os impedirá de prosseguir em sua pregação, seus discursos inflamados, sua paixão indomável, sua militância maconheira. Suas idéias se espalharão como fumaça e nenhuma estratégia nefasta da oposição, nenhuma manobra covarde e traiçoeira será capaz de arrefecer o ímpeto dos apaixonados militantes. Ninguém será capaz de cortar esse barato. Caso tentem, serão surpreendidos por uma bem articulada retórica, além de um discurso muitíssimas vezes ensaiado. Essa é a tônica. Esse é o sentimento. E eles vão à luta!

Mas só amanhã, porque hoje vai rolar uma “sessão” do bom lá no comitê do partido.

3 comentários:

Anônimo disse...

A cara do Beco do "Fungo"!
Nunca vi coisa mais precisa!
Arre todas as éguas dos Apeninos!
Laélio

vagabunda poesia disse...

Texto delicioso de ler. Cômico,
e bastante satírico...

Ubirajara Ramos disse...

O cara escreve bem... O mais original e inteligente texto a serviço da manutenção do "STATUS QUO"!