16 de março de 2008

ZÉ Saldanha: "Criei-me como um cavaleiro medieval errante, no polígono da poesia popular, no reino dos cantadores."

Zé Saldanha é um dos mais velhos cordelista em atividade no RN.
-
Foto e texto: Alexandro Gurgel
-
Aos 90 anos de idade, José Saldanha Menezes Sobrinho, ou simplesmente Zé Saldanha, como gosta de ser chamado, é o cordelista mais velho em atividade no Rio Grande do Norte, um dos poucos da sua idade exercendo a Literatura de Cordel no Brasil. Nascido e criado na Fazenda Piató, em Santana dos Matos, mudou-se várias vezes de casa com a família até fixar residência em Natal, mas nunca deixou de ser um matuto sertanejo, ligado às suas raízes.

Conforme o poeta, ele é do tempo em que os homens mais sabidos só possuíam 3 tipos de livros: a Bíblia, Lunário Perpétuo e o Cordel. Depois de casado, o poeta conduziu jumento de carga, foi cantador de viola, dono de mercearia em Currais Novos e empresário no ramo de sapatos, onde vendia seus produtos em feiras livres recitando poesia. "No tempo em que nasci e me criei o repente e o cordel eram o que havia. O cordel era toda a beleza", ressaltou o poeta.

Zé Saldanha já publicou mais de 200 livretos de cordel, livros em prosa, além de ser um dos únicos cordelistas que ainda mantêm a tradição de publicar anualmente almanaques (livretos onde o cordelista faz previsões sobre o tempo, fornece orientações e informações agrícolas, folclóricas e religiosas baseadas no senso comum), sendo citado em inúmeras antologias de cordel. Zé Saldanha é também o único representante do Rio Grande do Norte na conceituada coleção "Projeto Biblioteca de Cordel", coordenada pelo escritor Joseph Luyten, da editora paulista Hedra.

Zé Saldanha já publicou quase mil folhetos e é o único representante do RN na coleção brasileira da editora Hedra, de São Paulo/SP, 2001. Seus familiares e amigos estarão no dia 23 próximo, na Igreja de São Pedro, às 19 horas, no bairro do Alecrim, para numa missa agradecerem pelos 90 anos do poeta.

O primeiro folheto foi "O preço do algodão e o orgulho do povo", publicado em 1935, aos 17 anos. "O algodão era a riqueza da época, chamava-se o ouro branco do Nordeste. Meu pai era um grande lavrador de algodão e no início o dinheiro não era muito, mas depois foi melhorando e era todo mundo cheio do dinheiro do algodão. Todo mundo tinha dinheiro no bolso, o apanhador, a mocinha, mulher, menina, velha, todo mundo com o seu bolo de dinheiro. E aí começaram a ficar orgulhosos, beber, farrear, e foi isso que me inspirou", relatou o poeta.

O Repórter das Rimas

Sobre a atividade como sapateiro, o cordelista conta que resolveu montar uma sapataria e empregou muita gente. Nesta sapataria, o poeta colocou seu sobrenome, "Calçados Menezes" e dentro das caixas de sapatos, Zé Saldanha colocava uma propaganda que dizia: "Para comprar calçados eu aviso aos meus fregueses/ eu ando de pé descalço, semanas, dias e meses./ Fico até de pé rachado, porém só compro calçados, dentro da fábrica Menezes".

"Antigamente, quando eu chegava à feira com os cordéis, arrudiava de gente para prestar atenção, e eu ficava lendo, fazendo leilão dos meus livretos e vendendo os calçados", revelou o Zé Saldanha, acrescentando que foi durante essa época que ganhou o título de "Repórter do Povo", por retratar o cotidiano do sertão em poesia e para levar as notícias dos fatos que aconteciam no Brasil e no mundo para o sertão. Zé Saldanha usava seus versos "porque naquele tempo não tinha televisão e poucos possuíam um rádio".

Sua reportagem em poesia mais famosa foi a partir de um acidente em Currais Novos, que vitimou 25 pessoas na região. O acidente aconteceu pela manhã e, à tarde, num local onde não havia nenhum meio de comunicação, Zé Saldanha já tinha um folheto pronto chamado "A verdadeira história do monstruoso acidente em Currais Novos", contando toda a verdade sobre o acidente. Na época, mais de quatro mil exemplares do cordel foram vendidos.

Além de poeta cordelista, Zé Saldanha criou a Associação Estadual dos Poetas Populares do Rio Grande do Norte (AEPP), em 1975, agregando repentistas, emboladores de coco, aboiadores, glosadores e poetas de cordel, entre outros artistas. Além disso, em 1979, travou batalha junto ao Ministério do Trabalho pelo reconhecimento da profissão de poeta popular, visando a conquista de direitos trabalhistas para a categoria. Em 1993, foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Estudo do Cangaço (SBEC) e atualmente é membro da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN.

O poeta ficou viúvo há mais de uma década. Foi casado por 52 anos com Jovelina Dantas de Araújo Saldanha, com quem teve oito filhos, "todos formados". Dos oito, apenas o mais velho, Rosáfico Saldanha Dantas, seguiu os passos do pai e também escreve cordel. "Ele escreve tudo que colocarem para ele. Livro, cordel, qualquer coisa", disse o poeta, enaltecendo os versos do primogênito, na certeza que o ofício da poesia foi herdado por um dos seus. Atualmente, sua obra é fonte de pesquisa em trabalhos acadêmicos como monografia ou tese de mestrado e doutorado.
-
Matéria publicada no jornal O Mossoroense.

Nenhum comentário: