27 de abril de 2008

Armando, riso e siso

CRÔNICA

por Nei Leandro de Castro

Na calçada do bar da meladinha, Território Livre do Beco da Lama, as mesas estavam ocupadas. A conversa girava em torno das glosas de Laélio Ferreira e da próxima candidatura de Alex Gurgel à presidência da Samba. De vez em quando, vinham de dentro do bar gritos, urros, palavrões - e nenhum bequiano se incomodava mais com aquilo. Todos já estavam acostumados com o bom humor, a educação, a delicadeza das mulheres que tomam conta do bar. Um retardatário chegou, bicou a meladinha de alguém e jogou com espalhafato um livro em cima da mesa. "Esse Armando Negreiros é o cão chupando manga!" - gritou. Um discípulo do boêmio Castilho completou: "O cão com febre e a manga quente!" Estava inaugurada uma longa sessão sobre A Folga da Dobra, o mais recente livro de Armando Negreiros.
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Volonté, o poeta peripatético, disse que o livro estava em sua cabeceira, na fila para ser lido. E louvou o seu lançamento na AS Livros, numa festa onde havia "scotch" para afogar um batalhão de escoceses e comida para abastecer todo o programa Fome Zero. Volonté já está de malas prontas para comparecer à noite de autógrafos de Armando em Mossoró, nem que tenha que viajar a pé.
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Outro bequiano, voltado para as artes plásticas, elogiou a capa do livro, principalmente a foto belíssima de Giovanni Sérgio. No Potengi incendiado pelo pôr-do-sol, o autor do livro observa ioles e remos que arrepiam o rio, sentado numa mesa onde seu copo de cerveja também se incendeia. "Giovanni é um dos maiores fotógrafos do país! É o nosso Sebastião Salgado em cores!", exclamou alguém. Houve aplausos.
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Em seguida, o único intelectual que havia lido o livro começou a discorrer (intelectual não fala, discorre) sobre A Folga da Dobra. E todos, até o vendedor de umbu, ficaram sabendo que Armando Negreiros é um médico que escreve muito bem, tem um humor rico e maravilhoso, que ele externa num estilo preciso, irreverente, bem superior a muitos jornalistas de carteirinha. Domina temas como medicina, a língua portuguesa, leitura, literatura e até direito. E o que prevalece nele é sempre o humor, nunca o pedantismo. Demonstra ser um leitor compulsivo, com o privilégio de uma memória que fotografa e guarda tudo que lê.
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"Parece o pai dele, Rafael Negreiros, que sabia de tudo e mais alguma coisa. E ainda era brabo que só a gota, macho dos seiscentos diabos", disse em voz alta um mossoroense bairrista (redundância?). O intelectual aproveitou o aparte para tomar uma meladinha, fumar um cigarro, depois continuou sua incursão pelo mundo de Armando Negreiros. Disse que os perfis elaborados pelo autor beiram a perfeição. E dá o exemplo de Negócio Neto, um talento extraordinário, que trocou figurinhas com Millôr Fernandes, que fez a versão para o latim do inglês traduzido literalmente por Millôr no seu "The cow went to the swamp" (A vaca foi pro brejo). A galeria de mortos e a legião de amigos de Armando desfilam pelas páginas do livro, com elegância e desenvoltura, e fazem a festa do leitor.
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O intelectual bequiano, depois de uma breve pausa, remata (intelectual não conclui, remata): "Há um velho ditado que diz: 'Muito riso, pouco siso'. Armando Negreiros derruba essa aparente verdade proverbial."

Um comentário:

Therezinha "Sem medo de ser feliz" disse...

Olá Alex!
Andei buscando na net alguma referência aos livros de Dr. Armando Negreiros e encontrei esse aqui. Mesmo sendo uma postagem antiga gostei.
Gostei tb do seu estilo, muito bom! Abraços!!!
http://therezinha-semmedodeserfeliz.blogspot.com/