13 de junho de 2008

O dia de Bloom: um dia comum - “o Bloomsday”

Por João da Mata

O dia 16 de junho é o dia de Bloom. O dia em que transcorrem as ações do romance Ulisses, escrito pelo irlandês James Joyce (1882- 1941). Toda a vida são vários dias, um após o outro como na vida do sr flores (Leopold Bloom). O Ulisses de Joyce é um banquete literário dos deuses fundindo gêneros, épocas, o popular e o erudito. Um dia na vida de uma personagem. Um dia comum, uma vida comum como a nossa transformada em arte por um artífice de palavras que podem ser criadas : verdemuco, azulargênteo, sandalizantes, etceteetal. Uma linguagem cheia de “puns” e outros sons. Ouve-se mais do que escuta-se, no Ulisses de Joyce. “Deus é um barulho na rua”.
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A primeira edição do Ulisses foi publicada em 1922, por uma pequena livraria-editora de Paris, a Shakespeare and Company, da poetisa Sylvia Beach. Uma verdadeira saga a edição desse livro que precisaria sair no dia do aniversário de Joyce, um aquariano obcecado pelas datas e números. Ulisses é uma epopéia moderna, considerado o maior romance moderno. Um romance enciclopédico e fragmentário. Romance enigma e labiríntico. Uma trepada lingüística. A 1ª edição brasileira foi publicada em 1966, com tradução d filólogo Antonio Houaiss. Em 2005, saiu uma outra edição com tradução da professora Bernadina da Silveira Pinheiro.
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A estrutura do livro é composta de 18 capítulos, ou melhor, episódios. Os episódios são muitos diferenciados, não somente no conteúdo tratado como na técnica narrativa e estilo empregado. O Ulisses de Joyce acompanha a Odisséia Clássica, tanto no tema quanto na forma, e o significado dos personagens e incidentes têm correspondência com o romance de Homero, iniciador da literatura ocidental. Leopold Bloom é Ulisses e Stephanus Dedalus é Telêmaco, um poeta-artista jesuíta que sofre de consciência pesada por não ter atendido ao pedido de sua mãe para rezar quando ela se encontrava no leito-de-morte. Penélope é a mulher de Leopold Bloom, que no romance recebe o nome de Molly Bloom. Cada hora do dia 16 é representada por uma ação-lugar-som-cor. Os dezoito capítulos podem ser assim nominados numa correspondência com a Odisséia, de Homero. Telemachia: 1-Telêmaco, 2-Nestor, 3-Proteu; a Odisseia: 4-Calipso, 5-Os lotófagos, 6- O Hades, 7-Éolo, 8- Os Lestrigões, 9- Cila e Caribdes, 10-Rochedos Errantes, 11- As sereias, 12-Ciclope, 13- Nausícaa, 14-Os bois do Sol, 15-Circe; Nostos: 16-Eumeu, 17-Ítaca e 18-Penélope.
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O jovem Stephen sai da fortificação onde mora com dois colega ( a torre do Martelo), vai dar uma aula e depois passa na redação do jornal e segue vagueando pela cidade meditando e filosofando em um fluxo de consciência , “Vê agora. Aí todo o tempo sem ti: e sempre o será, mundo sem fim...” O Sr Leopold Bloom é um agente de publicidade, e sai de casa após levar o desjejum para a sua mulher que ainda está na cama.
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O Ulisses de Joyce é um homem de meia idade, judeu dublinense, angariador de anúncios e chifrudo. Stephen Dedalus-Telêmaco, é um filho à procura de um pai ou destino, e Bloom o pai que vê em Stephen a possibilidade de uma transmigração afetiva em substituição ao vazio deixado pela morte prematura do filho. Stephen é o alter-ego do Joyce jovem. Uma mente brilhante povoada de imagens poéticas, de recordações de leituras e abstrações fragmentárias. Bloom fala através de clichês, numa linguagem prosaica que jorra em todas as direções. Enquanto Bloom está almoçando, observa duas moscas copulando, e lembra dos seus primeiros encontros com a sua esposa. – “ ela me beijou. E eu fui beijado. Entregando-se, acariciava seus cabelo. Beijou, ela me beijou. Eu, e eu agora”. Esse “stream of consciosness” é uma das características marcantes de Joyce. As personagens joyceanas pensam muito. Para Stephen, a arte possui dimensões moral e social. Só a belez é imortal, “ as frias estátuas da arquitetura grega oferecem refúgio temporário a um passado e presente igualmente insuportáveis...”
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Ao fim do episódio de Nausícaa (cap.13), o “relógio de cuco” informa a Bloom que ele é agora um corno. Cuco, cuco, cuco... (cukoo-cloc; relógio de cuco e cuckold- corno).
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Ele chega a um estado mental, onde sente menos ciúmes que resignação. O amor - fala Bloom: “Quero dizer o contrário de ódio...” E segue num fluxo de consciência em uma féerie verbal -sexual: “ ele cheirou os fornudos ricudos ameruludos cheirudos melões de seu rabo, em cada fornido melonoso hemisfério, na sua riquêga amarelêga rêga, com obscura prolongada provocante melonicheirosa osculação”.
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No final, Ulisses “retorna” para casa (Ítaca) e encontra Penélope (cama). A mulhervaginabismo onde o homem se perde e jamais retorna. Ítaca distante e labiríntica. O romance encerra com um pungente monólogo de Molly Bloom. “yes, I said yes I will Yes oui jái dit oui je veux bien. SIM EU QUERO SIMS.
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O modernismo literário resgatou dois dos mais importantes legados os gregos: Ulisses ( séc VIII – IX a.C) de Homero, o movimento circular, que determinam a estrutura cíclica do Finnegans Wake – “Fnnicius Revém” ( Haroldo de Campos).
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Os caminhos do criador não são nossos caminhos - replicou o sr Deasy (cap. 2). Os caminhos de toda a cultura ocidental começam na Grécia e terminam em Joyce, para recomeçar não sabemos ainda.

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