Faz trinta anos que Berilo Wanderley nos deixou. Mas, para quem o conheceu, a sua presença continua forte, marcante, o tempo não consegue apagá-la. Berilo era essencialmente um poeta, bom poeta, embora – por conta de uma autocrítica muito severa – tenha escrito apenas um livro de poemas, que desprezaria depois de publicado.
Berilo era um excêntrico, mas sua excentricidade não chateava ninguém. Tranqüilo, amava a vida, degustava a vida como se degusta um vinho da melhor qualidade. Era um apaixonado, um enamorado de Maria Emília. Vi muitas vezes os dois, mesmo depois de casados, no Granada Bar, olhos nos olhos, mãos nas mãos, como adolescentes no primeiro caso de amor. O clima amoroso era tão intenso que só os indiscretos se aproximavam.
Berilo amava sua cidade e a recíproca era verdadeira. Quando voltou de uma temporada em Madri, houve uma passeata do aeroporto até a sua casa, com passagem triunfal pela avenida Rio Branco. Só vi algo parecido na adolescência, quando Marta Rocha, a mais famosa miss Brasil, desfilou em carro aberto pelo Grande Ponto, vestida de maiô.
Berilo e Newton Navarro foram os cronistas que mais cantaram a cidade de Natal (que idiotas teimam chamar de cidade do Natal). Eram canções de amor, exibidas nas páginas da Tribuna do Norte, e também críticas lúcidas e severas às mazelas que acometem toda cidade.
Berilo, ao contrário de Newton, nunca deixou que umas doses a mais interferissem na sua ternura. Jamais foi visto zangado ou com maneiras agressivas. Era sempre calmo, ouvia mais do que falava e, quando se sentia aborrecido com alguma coisa, alguma conversa muito comprida, dizia, sem alterar a voz: “Bom, basta.” E tomava o seu rumo, na companhia de uma batuta de bambu, como se fosse um maestro das doces melodias da vida.
Berilo tinha 45 anos quando se encantou, como diria Guimarães Rosa. Luís Carlos Guimarães nos deixou às vésperas de completar 65 anos. Lula se despediu dos bares, dos amigos, da poesia, numa segunda-feira, com muitas taças de vinho e doces confissões. À noitinha, ao chegar em casa, deparou-se cara a cara com a indesejada das gentes.
Sem dúvida, um dos meus maiores amigos. Em 1976, ele foi fazer um curso na Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, e se hospedou no meu apartamento durante seis meses. Conquistou vizinhas, cozinheiras, garçonetes, doutoras, viúvas, coroas, moçoilas, casadas e solteiras, com aquele seu charme de encantar multidões.
Mas, como havia assumido com Leda um compromisso de castidade, essas conquistas nunca ultrapassaram os limites da relação platônica. Fui com ele à casa de Pedro Nava, na Glória, e o maior memorialista do Brasil de todos os tempos ficou encantado com a conversa e o jeitão de Lula. Nava se soltou, contou casos engraçados, como o que ocorreu com os móveis de sua sala.
Chateado porque a mulher dele trocava a posição dos móveis com muita freqüência, Pedro Nava mandou fixar no chão, com parafusos, o sofá e as poltronas. Depois de ler “Ponto de Fuga”, o grande Nava pediu a Luís Carlos um poema para usar como prefácio de um dos seus livros. O poema “Naveana do Galo-das-Trevas” está no sexto volume de memórias do escritor mineiro.
Berilo Wanderley e Luís Carlos Guimarães. Ternura, poesia, talento, saudade.
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