5 de agosto de 2010

Um poema inédito de Jorge Fernandes

ARTIGO

Luís da Câmara Cascudo

Foi em maio de 1931, em nossa casa no Tirol, avenida Jundiaí, Jorge Fernandes apareceu, tardinha e fomos a pé para Petrópolis, descer, heroicamente, a ladeira escorregadia e ir comer lingüiça assada num boteco que havia na velha Praia do Morcego, hoje Praia do Meio.

No bate-bate da conversa, entre farinha solta e banana-anã, falou-se de poesia e o poeta declarou ter cantado o inverno num poema, "Poeminha", como ele gostava de dizer.

Mas não leu. Jorge era o pior leitor deste mundo para suas composições. Tão arrastado e glacial na interpretação que, quase sempre, um dos nossos arrancava o poema e lia, dando música e relevo.

Nunes Pereira era um dos melhores "leitores" dos versos de Jorge Fernandes. Nesta noite fomos acabar a "bródío" na casa do próprio Jorge e aí, reclamado, mastigou o poema num jeito de quem o soletra. Fiquei com ele para publicar, mas o esqueci.

Jorge perdeu dezenas de poemas, lidos e espalhados, aos gritos de elogio inicial e depois desaparecidos nos bolsos dos companheiros.

Ainda recordo quando o poeta paraibano Perylo de Oliveira veio a Natal e foi levado por mim à Diocésia, isto é, ao Café Magestic, tão deliciosamente evocado por João Guimarães, um dos fiéis no tempo.

Perilo declamou O Banho da Cabocla. Jorge ficou encantado. Parecia que o verso ganhara altura e forma, vivo e palpitante de vida expressiva.

Francisco Pignataro, com uma verve irresistível, imitava Perylo recitando.

Não era diminuí-Io, mas apenas prolongar as alegrias da grande noite de convívio sem malícia e sem conseqüência. Tempo barato em que as amizades valorizavam a existência de cada um de nós.

Apenas em junho é que o Inverno reapareceu e foi declamado. Gabado. Levei-o para o arquivo porque Jorge afirmara ter cópia, coisa semi-impossível na espécie.

Há dias, pondo em ordem um maço de papéis, caiu lá de dentro uma folha amassada, dobradinha, banal. Era o Inverno de Jorge Fernandes.

Teria sido publicado? Não o li, por minha parte.

As águas mais fracas
Correm os caminhos ...
Encheram os riachos ...
E os riachos dão chupos
Que nem boi bebendo ...
É tudo abrejado ...
Os galhos sem folhas
Rebentam os verdinhos ...
As serras pontudas
Tisnadas de preto
Têm brotos miúdos
Nas pontas dos paus ...
São gritos do verde
Pra tudo alegrar
Pra tudo se rir ...
O gado ainda guenzo
Trambeca contente
Já quer escaramuçar ...
E os dias passaram .
As chuvas cessaram .
E o verde tão grande
Faz tudo esperar ...
As árvores das serras
De ramos pendidos
Pejadas de chuvas
Parecem no choco
Chocando a fartura
Que tem de nascer ...

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