5 de março de 2006

Coisas do Beco da Lama

Meu nome está registrado no "livro preto" desde sei lá quando. Creio que desde os primeiros instantes da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (Samba). Lembro-me apenas de havê-lo assinado numa tarde, talvez de sábado, enquanto bebia meladinha no Bar de Nazir, ao som do sax de Mainha, que naquele momento tocava sentado na calçada da Casa Yemanjá e encantava o peito de concreto da Cidade Alta.
Meladinha à tradição de Nazir é diferente da receita do dicionário. "Bebida feita de cachaça e mel", diz o Aurélio. Em Nazir, hoje Bar da Meladinha, acrescenta-se limão e mistura-se tudo no copo utilizando-se uma haste de madeira com pequenas saliências na ponta que é acionada pelas palmas das mãos, como quem acende fogueira friccionando gravetos. Dependendo da quantidade, pode crer, qualquer pinguço sai de fogo.
Tenho a satisfação de haver bebido meladinha batida pelo próprio Nazir, que morreu faz alguns anos. Não fomos amigos, nunca trocamos palavras além de simples cumprimentos e informações básicas de balcão de bar, "Bom-dia", "Boa-tarde", "Quanto devo?", "Custa tanto", essas coisas. Nazi nem sabia quem sou, pois não me apresentei, e talvez nem imaginasse a importância dele próprio para a História boêmia de Natal.
O velho Mainha sabia de mim porque nasci e me criei em Mossoró, onde ele residiu ao sair da terra natal. Tocou na banda de Arthur Paraguay, casou-se e teve filho na taba dos monxorós. Sentávamos nos bares e conversávamos nos intervalos das músicas. Pedia para morrer no Beco, conforme lembra o jornalista Paulo Augusto, em "Lombras de Natal". Atenderam-no: o coração dele ficou plantado na porta do Bar de Odete.
O "livro preto" que o jornalista, poeta e artista plástico Eduardo Alexandre, o Dunga, presidente da Samba, transporta consigo para o caso de uma filiação de emergência é meu título para as eleições que se avizinham. Sim, 2006 é ano de campanha também no Beco da Lama. Dunga deixará a presidência da Samba. O processo sucessório foi deflagrado há semanas. Existem duas chapas lançadas e a possibilidade de acordo.
Meu amigo Dunga é um presidente porreta e quem o suceder terá de suar a camisa para a peteca não cair. Havendo disputa, votarei em Alexandro Gurgel. Escolha afetiva, pois o outro concorrente, professor Bira, também merece o respeito e a confiança da galera. No caso de consenso, pelo que se fala, o poeta Antoniel Campos assumirá a dianteira da chapa, secundado por Alex e Bira, o que poderá ser bom para a Samba.
Muitos afirmam que as disputas fortalecem a democracia. O Beco, porém, é democrático pela natureza da arte e do espírito de seus freqüentadores que podem se dar ao luxo de tomar decisões consensuais. Não se chegando a isso, tudo bem, vai-se às urnas conferir o desejo da maioria, numa disputa pacífica, sem feridas, rancores e outros males que geralmente afetam quem se envolve em política, seja lá de que natureza for.

Cid Augusto

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