11 de abril de 2006

Dois sonetos de Antoniel Campos

CONTRACANTO

Eu canto se não sinto o que aparento
e invento um contraponto, se nem tanto.
E enquanto me desmonto em fingimento,
sustento o que pressinto em contracanto.

Suplanto esse confronto e me arrebento:
me enfrento, me desminto e me quebranto.
Por manto, em labirinto me apresento:
me ausento, nada aponto e me decanto.

No entanto, me remonto e me acrescento.
Sedento de absinto me transplanto,
conquanto o desaponto seja alento.

E ao vento eu seja extinto, sem espanto,
sem pranto, sem apronto e desatento,
pois lento é que, sucinto, me levanto.


TUDO NADA

O dois que ora divide, ora duplica.
O fogo ainda arde e é já fumaça.
O amargo a mesma língua dulcifica.
Nem sempre o sempre é muito — tudo passa.

O último leitor se chama traça.
O tempo doutros tempos se edifica.
A boca que diz fez dizia faça.
O sempre morre o sempre — nada fica.

Somente quando tudo se erradica
e faz-se do vazio a argamassa,
o sempre se diz sempre — tudo fica.

E aos olhos tudo o mais será mordaça.
E à fala nada mais se clarifica.
E ao sempre sempre o sempre — nada passa.

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