Por Leonardo Sodré
O jornalista Alexandrino Gurgel sempre gostou de grandes reportagens, de matérias lúdicas, que explorassem ao máximo a vida ou fatos históricos. Para ele, era como voltar no tempo e vivia essa sensação como num êxtase. Quando a direção do seu jornal o remetia para algum lugar histórico ou em busca de um personagem poético, escrevia aos borbotões. Sempre abusou dos adjetivos, mas tem um estilo próprio, característico “de um homem de letras”, como se autodenomina.
Naquele sábado, de mala em punho no Aeroporto Augusto Severo, estava eufórico. O próprio dono do jornal, Araújo Jorge, o havia escolhido para fazer uma longa matéria sobre sítios históricos e algumas aldeias indígenas, nas cercanias de Manaus. Seria uma longa reportagem para ser publicada em série no jornal “Falas de Natal”.
Enquanto esperava o seu vôo, tomava um drinque num dos bares do aeroporto, antegozando os dias que passaria na capital do Amazonas. “Será que tem muitos índios brabos, ainda?” Perguntava-se. “Ora, isso não interessa, os nativos hoje em dia estão civilizados”. Depois, começou a escrever a matéria mentalmente. Decidiu que começaria o texto pela sua chegada no aeroporto, faria algumas incursões sobre a história daquele campo durante a Segunda Guerra, colocaria uma linda mulher flertando com ele, etc. Praticamente acordou, quando a voz metálica e sem vida de uma gravação anunciou o momento de subir a bordo do avião que o levaria para a maior viagem da sua vida.
Quando desembarcou em Manaus, tomou o primeiro susto. Uma lufada de vento quente fez-lo lembrar dos conselhos de sua esposa, Clotilde, que insistiu para que ele não comprasse aquele blaze e sim umas roupas mas leves. Mas, ele havia discutido e argumentado que não ficava bem um jornalista editor geral de um periódico, “chegar que nem um esmole numa capital tão importante quanto Manaus”. Pensou: “Clotilde tinha razão, aqui não dá para usar paletó, nem em quadrilha de São João.”
Ainda no aeroporto, alugou um pequeno avião para uma aldeia próxima. Enquanto subia as escadas da pequena aeronave, pensava: “Araújo Jorge está é gastador...”
O avião já estava sobre a imensidão da Floresta Amazônica, quando o único motor começou a tossir, engasgar, falhar, repetidamente. O piloto, um sujeitinho com cara de motorista de ônibus, cigarrinho na boca e tradicional óculos Ray-ban, avisou:
- Vamos ter que fazer um pouso de emergência. Ali tem uma pequena pista, que era usada por antigos contrabandistas de pedras preciosas. Vamos lá! Ajuda aí Nossa Senhora!
Alexandrino estava apavorado. Puta que pariu! Uma porra desta acontecer logo comigo! Vou me reiar logo na minha primeira viagem para a Amazônia? Logo eu, que haveria de ganhar um prêmio pelas reportagens? E Clotilde, tão novinha, viúva? Que quentura é essa entre minhas pernas...
Não percebeu que pensava falando. O piloto, cara de fuinha, interrompeu:
- Espere aí urubu! A gente ainda não morreu! Vire essa boca para o mar! E deixe para mijar quando a gente pousar...
O pouso na pequena pista improvisada, sem motor, foi relativamente tranqüilo, apesar do avião pular e escoicear feito os bodes de Lajes. Mas, o que mais lhe chamou a atenção foi à presença de outro pequeno avião, que estava na final da pista, de cabeça para baixo, todo arrebentado, ainda soltando fumaças. Também havia feito um pouso forçado, sem a mesma sorte que ele teve.
Sentado numa caixa de rum cubano, havia um homem barbudo, muito parecido com o presidente Lula da Silva, triste, todo esfarrapado, fumando um imenso charuto, também cubano.
Alexandrino, todo mijado, aproximou-se e foi logo perguntando, já puxando a máquina digital do “Falas de Natal” de dentro do bolso:
- O que aconteceu amigo? Você sabe que é a cara do nosso presidente!
O barbudo, recompôs-se, ficou sério, arqueou as sobrancelhas e disse:
- Sou eu mesmo, companheiro! Eu sou o presidente Lula da Silva!
O intrépido jornalista ouviu, no silencio que se seguiu, o barulho de sua máquina fotográfica, quando caiu no meio da poeira do pouso. Esqueceu que estava no meio do nada e, rapidamente ligou o gravador que carregava num dos bolsos, apanhando, também, a máquina que estava entre os seus pés. Já ia esboçar uma pergunta, quando Lula falou:
- Você está querendo saber porque eu estava voando nesse jatinho, né? O problema é que eu tinha que fazer uma visita ao meu amigo Fidel – sorriu – e o jatão da presidência estava na revisão. Sabe como é, né companheiro, avião também faz revisão, como carro...
Só então Alexandrino notou as muitas caixas de rum e charutos espalhadas ao redor do avião acidentado.
Lula notou sua curiosidade e disse:
- Presente do companheiro Fidel. Grande cara, generoso...
Depois, conversaram sobre os acidentes, amenidades, enquanto o piloto seguia a mesma trilha do piloto de Lula, em busca de ajuda, até que o jornalista teve a idéia de propor uma entrevista exclusiva ao presidente, que topou, por absoluta falta do que fazer.
Já estavam na metade de uma garrafa de rum, quando Alexandrino começou, depois de fazer uma série de fotos:
- Presidente, como o senhor vê essa sucessão de escândalos no seu governo?
- Companheiro! Eu não vejo. Eu sinto. O Brasil nunca cresceu tanto. A economia esta em ascensão e o Programa Fome Zero, está quase saindo do zero!
- Presidente, me diga: Dirceu sabia?
- Companheiro! Se ele sabia, eu não sei. Eu só sei que o superávit primário está ótimo! Que batemos todos os recordes de exportações...
- Mas, presidente, e o Delúbio?
- Companheiro, como vou saber de Delúbio aqui no meio da mata? Você sabe dos milhares de empregos que eu criei? O Brasil vai bem! Somos elogiados em todo o mundo!
- Presidente, e a conexão de Marcos Valério e o Banco Rural?
- Companheiro, tenho viajado muito e feito grandes conexões comerciais para o crescimento da economia do Brasil!
- Presidente, vamos tomar outra?
- Só se for agora...
* Texto publicado na Revista Papangu, em novembro de 2005.
O jornalista Alexandrino Gurgel sempre gostou de grandes reportagens, de matérias lúdicas, que explorassem ao máximo a vida ou fatos históricos. Para ele, era como voltar no tempo e vivia essa sensação como num êxtase. Quando a direção do seu jornal o remetia para algum lugar histórico ou em busca de um personagem poético, escrevia aos borbotões. Sempre abusou dos adjetivos, mas tem um estilo próprio, característico “de um homem de letras”, como se autodenomina.
Naquele sábado, de mala em punho no Aeroporto Augusto Severo, estava eufórico. O próprio dono do jornal, Araújo Jorge, o havia escolhido para fazer uma longa matéria sobre sítios históricos e algumas aldeias indígenas, nas cercanias de Manaus. Seria uma longa reportagem para ser publicada em série no jornal “Falas de Natal”.
Enquanto esperava o seu vôo, tomava um drinque num dos bares do aeroporto, antegozando os dias que passaria na capital do Amazonas. “Será que tem muitos índios brabos, ainda?” Perguntava-se. “Ora, isso não interessa, os nativos hoje em dia estão civilizados”. Depois, começou a escrever a matéria mentalmente. Decidiu que começaria o texto pela sua chegada no aeroporto, faria algumas incursões sobre a história daquele campo durante a Segunda Guerra, colocaria uma linda mulher flertando com ele, etc. Praticamente acordou, quando a voz metálica e sem vida de uma gravação anunciou o momento de subir a bordo do avião que o levaria para a maior viagem da sua vida.
Quando desembarcou em Manaus, tomou o primeiro susto. Uma lufada de vento quente fez-lo lembrar dos conselhos de sua esposa, Clotilde, que insistiu para que ele não comprasse aquele blaze e sim umas roupas mas leves. Mas, ele havia discutido e argumentado que não ficava bem um jornalista editor geral de um periódico, “chegar que nem um esmole numa capital tão importante quanto Manaus”. Pensou: “Clotilde tinha razão, aqui não dá para usar paletó, nem em quadrilha de São João.”
Ainda no aeroporto, alugou um pequeno avião para uma aldeia próxima. Enquanto subia as escadas da pequena aeronave, pensava: “Araújo Jorge está é gastador...”
O avião já estava sobre a imensidão da Floresta Amazônica, quando o único motor começou a tossir, engasgar, falhar, repetidamente. O piloto, um sujeitinho com cara de motorista de ônibus, cigarrinho na boca e tradicional óculos Ray-ban, avisou:
- Vamos ter que fazer um pouso de emergência. Ali tem uma pequena pista, que era usada por antigos contrabandistas de pedras preciosas. Vamos lá! Ajuda aí Nossa Senhora!
Alexandrino estava apavorado. Puta que pariu! Uma porra desta acontecer logo comigo! Vou me reiar logo na minha primeira viagem para a Amazônia? Logo eu, que haveria de ganhar um prêmio pelas reportagens? E Clotilde, tão novinha, viúva? Que quentura é essa entre minhas pernas...
Não percebeu que pensava falando. O piloto, cara de fuinha, interrompeu:
- Espere aí urubu! A gente ainda não morreu! Vire essa boca para o mar! E deixe para mijar quando a gente pousar...
O pouso na pequena pista improvisada, sem motor, foi relativamente tranqüilo, apesar do avião pular e escoicear feito os bodes de Lajes. Mas, o que mais lhe chamou a atenção foi à presença de outro pequeno avião, que estava na final da pista, de cabeça para baixo, todo arrebentado, ainda soltando fumaças. Também havia feito um pouso forçado, sem a mesma sorte que ele teve.
Sentado numa caixa de rum cubano, havia um homem barbudo, muito parecido com o presidente Lula da Silva, triste, todo esfarrapado, fumando um imenso charuto, também cubano.
Alexandrino, todo mijado, aproximou-se e foi logo perguntando, já puxando a máquina digital do “Falas de Natal” de dentro do bolso:
- O que aconteceu amigo? Você sabe que é a cara do nosso presidente!
O barbudo, recompôs-se, ficou sério, arqueou as sobrancelhas e disse:
- Sou eu mesmo, companheiro! Eu sou o presidente Lula da Silva!
O intrépido jornalista ouviu, no silencio que se seguiu, o barulho de sua máquina fotográfica, quando caiu no meio da poeira do pouso. Esqueceu que estava no meio do nada e, rapidamente ligou o gravador que carregava num dos bolsos, apanhando, também, a máquina que estava entre os seus pés. Já ia esboçar uma pergunta, quando Lula falou:
- Você está querendo saber porque eu estava voando nesse jatinho, né? O problema é que eu tinha que fazer uma visita ao meu amigo Fidel – sorriu – e o jatão da presidência estava na revisão. Sabe como é, né companheiro, avião também faz revisão, como carro...
Só então Alexandrino notou as muitas caixas de rum e charutos espalhadas ao redor do avião acidentado.
Lula notou sua curiosidade e disse:
- Presente do companheiro Fidel. Grande cara, generoso...
Depois, conversaram sobre os acidentes, amenidades, enquanto o piloto seguia a mesma trilha do piloto de Lula, em busca de ajuda, até que o jornalista teve a idéia de propor uma entrevista exclusiva ao presidente, que topou, por absoluta falta do que fazer.
Já estavam na metade de uma garrafa de rum, quando Alexandrino começou, depois de fazer uma série de fotos:
- Presidente, como o senhor vê essa sucessão de escândalos no seu governo?
- Companheiro! Eu não vejo. Eu sinto. O Brasil nunca cresceu tanto. A economia esta em ascensão e o Programa Fome Zero, está quase saindo do zero!
- Presidente, me diga: Dirceu sabia?
- Companheiro! Se ele sabia, eu não sei. Eu só sei que o superávit primário está ótimo! Que batemos todos os recordes de exportações...
- Mas, presidente, e o Delúbio?
- Companheiro, como vou saber de Delúbio aqui no meio da mata? Você sabe dos milhares de empregos que eu criei? O Brasil vai bem! Somos elogiados em todo o mundo!
- Presidente, e a conexão de Marcos Valério e o Banco Rural?
- Companheiro, tenho viajado muito e feito grandes conexões comerciais para o crescimento da economia do Brasil!
- Presidente, vamos tomar outra?
- Só se for agora...
* Texto publicado na Revista Papangu, em novembro de 2005.
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