10 de julho de 2006

Bob Motta, o trovador do sertão

Poeta Bob Motta é um dos representantes da autêntica poesia matuta.

Por Alexandro Gurgel
Foto: Karl Leite

Com a dádiva de fazer versos fáceis, como se a rima fosse surgindo d’alma em busca da palavra poética, Bob Motta, pseudônimo de Roberto Coutinho da Motta, vem encantando o público com seus cordéis e poesias matutas, declamando seus motes onde é convidado. Nasceu em Natal, sendo criado na beira da Praia dos Artistas, vendo os pescadores na labuta do arrastão. Ainda adolescente, foi para Campina Grande estudar, mas sua fascinação sempre foi o sertão paraibano de Cabaceiras, lugar encantado onde seu pai tinha uma fazenda. Neste chão caatingueiro do Cariri paraibano, o menino Bob teve seu primeiro contato com o cordel e com a poesia matuta.


Seu encantamento poético foi despertado por um palhaço de circo que declamava versos fesceninos. Mais tarde, Bob torna-se um apaixonado pela poética do assuense Moysés Sesyon. Bob confessa que sofreu influências dos cantadores de viola, com Zé Cavalcante - escritor paraibano, Zé Laurentino, Zé da Luz, Zé Praxédis e seus mestres Júlio Preto (ex-vaqueiro do seu pai), Ramiro Capitão, de Lages-RN, e Sebastião Damasceno de Araújo, de Paraú-RN. Seus versos encantaram outros leitores além da tromba do elefante e no final do ano passado, o poeta recebeu, em Itabaiana-SE, o “Prêmio Zé da Luz”, distinção outorgada por jornalistas a personalidades que se destacam na preservação da poesia matuta e da cultura nordestina.

Com a verve poética aguçada, cantando sempre as coisas do sertão, sua produção já chega a oito livros de poesias publicados e um livro no prelo, sobre os causos que conta todos os sábados na coluna do Jornal de Hoje, chamada “Cantinho do Zé Povo”. O poeta ainda tem cerca de sessenta títulos de folhetos de literatura de cordel sobre os mais variados temas possíveis, dos quais, cinqüenta por cento ainda inéditos, além de um CD gravado com participação de Amazan e de Manoel do Côco. O bardo confessa que há outro CD pronto para gravação com o parceiro Zé Augusto à espera de patrocinador, cujo título é “Raízes e Fuleragens de um Poeta Matuto”, com poemas declamados e algumas cantorias de viola de sua autoria.

Quando o poeta está em cena, gosta de declamar seus versos para um público que presta atenção ao que está sendo declamado, “não existe coisa mais desagradável para quem declama, do que estar versejando e as pessoas conversando sem prestar a mínima atenção. Acho isso uma falta de respeito com quem se apresenta”, desabafou o poeta. Outra reivindicação do vate sertanejo é em relação aos concursos de poesias e suas comissão julgadoras por não ter sempre participante e componente de todos os segmentos poéticos. “O que se vê hoje em dia, é o poeta popular não ter tesão de participar dos concursos, pois já sabe quem vai ganhar é alguém com versos modernos”, ressaltou.

Apesar de ter um público de leitores fiéis, Bob Motta sente que há certo preconceito contra sua poesia por parte de alguns “modernistas” que o rotulam de ser um matuto radical em versos rimados. De acordo com Bob Motta, fora da esfera estadual, o poeta popular é tratado como “um reis” e cita como exemplo a comemoração dos 450 anos da Cidade de São Paulo-SP, que houve o II Concurso Paulista de Literatura de Cordel, com a participação de poetas de todo Brasil e Bob foi o 6º colocado, entre 175 participantes. No ano passado, em Brasília, o poeta abriu a II Conferência Nacional das Cidades, em Literatura de Cordel, a convite do Ministério das Cidades. “A poesia matuta e a literatura de cordel são as maiores expressões do povo sertanejo. Sou um elemento dessa tradição secular e tenho orgulho de cantar meu sertão em verso e prosa”, disse.
Atualmente, o poeta tem uma atividade literária intensa, sendo membro da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, da União Brasileira de Trovadores, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e da Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras, em Anápolis-GO. Sua produção poética é intensa com publicação periódica de livros de poesias e folhetos de cordel. Bob Motta também divulga seu trabalho através de sites, nas palestras em Colégios e Universidades, sobre Literatura de Cordel e nos recitais de poesia matuta que apresenta com seu parceiro, o violinista José Augusto Costa Júnior.

A cabeça inquieta do trovador potiguar prepara planos para um futuro próximo. Bob Motta pretende lançar a 3ª edição do livro “Preservando o Matutes - Letras da Universidade do Roçado”, um dicionário delicioso de nomes e expressões idiomáticas sertanejas. “Tenho pronto um livro chamado ‘No Cantinho do Zé do Povo, cada causo é um causo’, esperando um patrocinador apaixonado pelas estórias do nosso sertão”, completou. Apesar de ser reconhecido no Nordeste pela sua poesia, Bob Motta confessa que acalenta o sonho de ir ao programa de televisão de Rolando Boldrin para mostrar seu talento em rede nacional.


VISITANTES MATINAIS - Poema Matuto

Bob Motta

Moro bem pertíin do morro,
onde a fáuna, livrimente,
inda é feliz e contente,
e vê a vida passá.
E eu, poeta apaixonado,
amante da natureza,
me integrando a essa beleza,
resôiví participá.

Faiz aigum tempo, dotô,
qui eu boto in riba do muro,
fubá, xerém, míi maduro,
p'ruis passo se alimentá.
Tôdo dia de menhã,
êles se assenta cantando,
cuma quem diz: Tô chgando;
já é quage um rituá.

E cum êles e seu cantá,
eu tanto me acustumei,
qui de repente, pensei,
e fiz cum munto caríin,
duais casinha de madêra,
bem potregida e cuberta,
cum porta e jinela aberta,
mode êles fazê seu níin.

E quando eu vejo uis bichíin,
entrá e saí à vontade,
minha ritina, in verdade,
num sei cuma num discola.
Nem sei cuma um sê humano,
pode surrí sastisfeito,
vendo um passaríin sujeito,
prêso dento da gaiola.

Um cunvite mê istrãe,
eu faço e digo pruquê.
O cunvite é prá você,
qui tem passo in cativêro.
E se você aceitá,
eu duvido qui num pare,
prá pensá e num iscancare,
ais porta de seu vivêro.

Eu quero lhe cunvidá,
mode fazê uma visita,
qui num é nada bunita,
lá na colonha pená.
Mode vê hôme injaulado,
e seu sembrante qui ixprime,
qui êle tá pagando um crime,
eu acho inté naturá.

E o pobre do passaríin?
Agora, pregunto, eu:
Quá crime êle cumeteu,
prá ficá incaicerado?
Puracauso foi seu canto,
qui de menhã lhe acordô,
e você se alevantô,
mode êle, tão ressacado?

Bom, meu recado tá dado;
num sô mió qui ninguém.
No meu poema, porém,
quiz chamá sua atenção.
Pois eu prifiro, seu môço,
vê uis bichíin livre assim,
cantando no meu jardim,
do que dento d'um açaprão...

Poema do livro “Pé de Parede - Cordel de Cabo a Rabo”, edição Fundação Vingt-Un Rosado, Mossoró 2001, esgotada.

Matéria publicada na Revista Papangu, 28º edição, maio de 2006.

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