17 de agosto de 2006

O homem que virou bicho

Por Clotilde Tavares
Finalmente vão começar as filmagens de “As pelejas de Ojuara”, o espetacular romance de Nei Leandro de Castro. Vejo nos jornais que as locações já estão escolhidas, o elenco definido – ninguém melhor do que Marcos Palmeira para fazer o herói - e a data de 15 de setembro marcada para que os trabalhos comecem. Leio com prazer a matéria publicada nesta Tribuna do Norte na quinta-feira passada, que informa detalhes, e é muito bom saber que o filme será inteiro rodado no Rio Grande do Norte e que contará com nomes locais no elenco, com destaque para a nossa Quitéria Kelly, atriz de talento que já se firmou na cena teatral da cidade e que agora mostra sua arte também na tela grande.
Para quem não conhece, “As pelejas de Ojuara” é um épico potiguar, um romance com gosto e jeito de folheto de cordel e história de trancoso, cheio de personagens reais, misturados com outros imaginários de tal forma que todos passam para um plano de sonho e delírio, numa história desvairadamente picaresca e cômica. Todo potiguar devia por obrigação ler este romance para conhecer melhor a alma da sua gente, a essência da sua terra, o humor dos seus tipos populares.
A adaptação cinematográfica de uma obra como essa é tarefa não muito fácil, e às vezes o leitor do romance se aborrece por não encontrar no filme todos os fatos e personagens que viu no livro. Mas não devia se aborrecer. O filme é outra obra, diferente do livro, embora inspirado nele. Trabalha com outros elementos da linguagem artística e, ao contrário do livro, que se passa dentro de nós, na tela da nossa imaginação, e por isso mesmo com recursos ilimitados, o filme se passa fora da gente, diante dos nossos olhos, e para leva-lo à real tela dos cinemas é preciso gastar muito dinheiro. É preciso então ir ao filme preparado para uma obra nova, mesmo que já se tenha lido o livro antes.
Finalmente, só para esclarecimento do leitor e antes que se crie uma história fictícia, trabalhosa de desmanchar depois, não foi o escritor Carlos Drummond de Andrade quem apresentou o livro ao produtor Luís Carlos Barreto, como refere a matéria da Tribuna de quinta-feira passada. O produtor Luís Carlos Barreto conheceu o livro por meu intermédio, e vou contar como foi.
Tenho uma amiga em Recife, a produtora cultural Andréa Mota, a quem dei de presente um exemplar de “As pelejas de Ojuara”, ainda da primeira edição. Ela ficou louca pelo livro e vivia me atazanando para fazer dele uma peça de teatro. Eu, sempre com mil coisas a fazer, nunca tinha tempo de discutir a idéia com ela. Até que uma noite ela me ligou. “Olha”, disse, “estou aqui em Recife com o produtor Luís Carlos Barreto e falei a ele de Ojuara. Ele ficou muito interessado em ler o livro e quer saber onde pode conseguir um exemplar”. Eu pedi a ela dez minutos, liguei para Nei Leandro de Castro que nessa época morava no Rio e coloquei ele em contato com Andréa Mota e Luís Carlos Barreto. Eles tiveram então a primeira conversa, e Nei mandou o livro para Barreto que, em seguida, adquiriu os direitos sobre a obra para transformá-la em filme.
De qualquer modo, o importante é que em breve teremos Ojuara nas telas, para deleite dos nossos sentidos e para orgulho da nossa identidade potiguar e nordestina. Ojuara, o homem que virou bicho, redimido e salvo do Capeta nos capítulos finais por Clotilde Alicate – porque eu também sou personagem do livro, meu caro leitor.
Publicado na Tribuna do Norte, em 13 de agosto de 2006.

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