10 de setembro de 2006

O barroco e o popular no teatro brasileiro: Uma aula-espetáculo com Ariano Suassuna

Fotos: Alexandro Gurgel

Por Alexandro Gurgel

Abrindo a IV Semana do Teatro Nordestino, a Fundação José Augusto trouxe à Natal o escritor e dramaturgo Ariano Suassuna para proferir uma aula-espetáculo, no Teatro Alberto Maranhão, na última quarta-feira. O evento, que reúne em Natal autores teatrais e encenadores de toda a região Nordeste, tem como objetivo discutir, analisar e promover a literatura dramática brasileira, em particular o teatro nordestino.

Iniciando a solenidade no Teatro Alberto Maranhão, a presidenta da Fundação José Augusto, Isaura Rosado, falou sobre a importância da presença de Ariano Suassuna na abertura do evento. A presidenta da FJA ressaltou que no governo anterior, somente 03 municípios eram atendidos pela FJA e que, atualmente, mais de 60 cidades do Estado têm um trabalho cultural assistido pela Fundação José Augusto.

Na aula-espetáculo, o autor do Auto da Compadecida tratou dos aspectos da cultura brasileira para estudiosos, dramaturgos, estudantes e convidados, que lotaram o TAM. Com o tema “O barroco e o popular no teatro brasileiro”, Ariano Suassuna começou abordando a diferença entre êxito e sucesso dentro de uma produção cultural, fazendo um paralelo entre a banda de rock “Paralamas do Sucesso” e o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. “O sucesso é efêmero. Se a obra for ruim, o sucesso passa”, afirmou.

Mostrando uma aversão ao estrangeirismo, Ariano Suassuna arrancou risadas da platéia quando afirmou que não conhecia nenhum componente da banda inglesa “Beatles”, só lembrava de John Lennon porque foi assassinado. “É necessário morrer outro componente da banda para que eu possa memorizar o nome”, brincou. O dramaturgo também disse que não tem respeito pela cultura americana, exemplificando que nos Estados Unidos não há nenhum escultor como Aleijadinho ou um músico com o talento de Vila Lobos.

O autor da Pedra do Reino ironiza com o fato dele admirar mais a cultura brasileira do que a estrangeira. “Se me mostrar uma obra ruim brasileira e uma estrangeira, fico com a brasileira”, disse. Ariano ressaltou que é muito criticado pela imprensa, sendo chamado de obsoleto. “Um jornalista me chamou de Dom Quixote Arcaico lutando contra os moinhos da globalização”, completou.

Conforme Ariano, suas peças teatrais são frutos de um sonho que sempre cultivou dentro do teatro brasileiro, mantendo antigas tradições nordestinas no enredo. Ariano Suassuna afirma que não queria que seu teatro fosse parecido com o americano, o italiano ou o francês. “Meu trabalho nasceu daquilo que cativei na feira de Taperoá, partindo do folheto de cordel”, disse.

Talvez o mais brasileiro dos brasileiros, Ariano Suassuna louva a nossa cultura e o sertão nordestino com um ímpeto e um saber de fazer inveja, utilizando a mais devastadora das armas, o espírito e a conversa fácil. Sua obra está traduzida em vários países. No Brasil, serviu ao cinema e à televisão (O Auto da Compadecida). Hoje, aos 79 anos, Ariano Suassuna ministra aulas-espetáculo em universidades e teatros pelo Brasil, levando a audiência à loucura com suas tiradas e erudição.


O teatro de Ariano Suassuna

Dentro do panorama dramatológico brasileiro, o teatro de Suassuna é visto de forma diferenciada por apresentar características de uma criação pessoal e original. Ao reutilizar como fonte de criação a literatura de cordel tradicional do Nordeste brasileiro, associando-a com uma literatura convencionalmente rotulada como "erudita", vinda de Roma e passando pelo teatro popular de Gil Vicente, Suassuna dissolve por completo paradigmas, fricciona conceitos, propiciando montagens e conexões originais, favorecendo a criação de um espaço semiótico rico e polifônico.

Seus autos, além de explorar muitos recursos estéticos, se prestam à análise dos elementos harmoniosos do teatro, observados pelos semioticistas russos. Para isso, justapõe temas de caráter universal como os binômios vida/morte e homem/ Deus a um nacionalismo pungente do qual afloram a seca, problemas econômicos, injustiças sociais, e, utiliza como cimento desta montagem, a evidente riqueza poética multiplicada através das inúmeras manifestações culturais de caráter popular.

Todo este exercício, desenvolvido por Suassuna na composição de sua obra, atingiria seu apogeu anos mais tarde, com o advento do Movimento Armorial, cuja manifestação de caráter artístico-cultural visava dar uma nova roupagem à cultura popular brasileira e, em especial, à cultura nordestina, nas suas mais variadas formas de expressão e manifestações artísticas.
Ariano Suassuna, um brasileiro nato

Ariano Vilar Suassuna nasceu a 16 de junho de 1927, na cidade de Nossa Senhora das Neves, então capital da Paraíba. Foi Professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco durante mais de trinta anos e é imortal da Academia Brasileira de Letras desde 1990. Criador de cabras, advogado, professor, ocupou o cargo de Secretário da Cultura do Estado de Pernambuco, durante o governo de Miguel Arraes e foi o criador do Movimento Armorial, no início da década de 70.

Ainda adolescente, Ariano Suassuna muda-se para a cidade de Recife, onde passou a residir definitivamente. Estudou no antigo ensino ginasial (ensino fundamental) no renomado Colégio Americano Batista, e o antigo colégial (ensino médio), no tradicionalíssimo Ginásio Pernambucano e, posteriormente, no colégio Oswaldo Cruz.

Em 1946, entrou para a Faculdade de Direito do Recife, onde conheceu um grupo de escritores, atores, poetas, romancistas e pessoas interessadas em arte e literatura, entre os quais, Hermilo Borba Filho, com o qual Ariano fundou o Teatro de Estudantes de Pernambuco. Em 1947, escreveu sua primeira peça de teatro, “Uma mulher vestida de sol”, baseada no romanceiro popular do Nordeste brasileiro e com ela ganhou o prêmio Nicolau Carlos Magno, em 1948.

Lança, no dia 18 de outubro de 1970, o Movimento Armorial, com o concerto “Três séculos de música nordestina: do barroco ao armorial”, na Igreja de São Pedro dos Clérigos e uma exposição de gravura, pintura e escultura. Em agosto de 1989, foi eleito por aclamação para a Academia Brasileira de Letras, tomando posse em maio de 1990, na cadeira número 32, que pertenceu ao escritor Genolino Amado.

Ariano foi o idealizador do Movimento Armorial, que tem como objetivo criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro. Tal movimento procura orientar para esse fim todas as formas de expressões artísticas: música, dança, literatura, artes plásticas, arquitetura, entre outras.

Dramaturgo, romancista, poeta, ensaísta, defensor incansável da cultura popular, das raízes brasileiras e, especialmente nordestina, é autor de várias obras: “Uma mulher vestida de sol” (1947): “O desertor de Princesa” (1948); “Os homens de barro” (1949, inédita); “Auto de João da Cruz” (1949); “O arco desabado” (1952); “Auto da Compadecida” (1955); “O santo e a porca” (1957); “O casamento suspeitoso” (1957); “A pena e a lei” (1959); “Farsa da boa preguiça” (1960); “A caseira e a Catarina” (1962); “Romance d´a pedra do reino e o príncipe de Sangue do Vai-e-Volta” (1971).


Entrevista EXCLUSIVA com Ariano Suassuna

Professor, o senhor achar que o Brasil tem uma unidade cultural?
Acho sim. A meu ver, essa unidade vem de duas raízes, a barroca e a popular, que normalmente, se identificam.

E o que isso significa para a cultura brasileira?
É uma coisa da mais alta importância porque mostra que o País tem uma singularidade. As pessoas às vezes perguntam se sou contrário a cultura universal: Não, de maneira nenhuma. Eu acho é que no imenso concerto da cultura universal, cada país tem que contribuir com sua nota peculiar, diferente, singular.

O Movimento Armorial seria um novo estilo literário para o Brasil?
É um dos estilos brasileiros. Eu não sou a favor de nenhuma uniformidade. Eu acho que o Movimento Armorial é um dos caminhos pelos quais a gente pode seguir. Mas, cada grupo ou mesmo cada artista, tem seu caminho individual que tem o direito de seguir.

O Rio Grande do Norte abriga o Movimento Armorial?
Sim. Aqui, nos temos no teatro nome como Racine Santos. Existe um grande amigo meu chamado Carlos Newton Junior, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que é uma das figuras mais influentes dentro do Movimento Armorial jovem. Além disso, há um grande músico chamado Danilo Guanais, que considero um grande aliado do Movimento Armorial.
Matéria publicada na capa do Caderno Universo, no jornal O Mossoroense, em 09 de setembro de 2006.

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