7 de outubro de 2006

Confissões de Uma Vaidade a Luz do Farol


Por Alexandro Gurgel

“Minha Vaidade se desenvolveu e aprendi o gosto pelo poder. A Vaidade era exclusivamente para desfrute meu, nunca demonstrando aos outros. Meu prazer em ter poder não era ostentá-lo. Acabei tendo tanto poder na cidade que cheguei a provocar a derreta nas eleições do candidato a prefeito mais popular, pelo exclusivo gosto de exercer meu poder contra alguém que não me reverenciava como eu achava que deveria e como esperava de todos”. (Padre Eusébio)

O livro Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro, é o relato das memórias de um padre inescrupuloso, que entre a casa da fazenda onde nasceu, o seminário, a sua vida clerical, a paróquia e os cárceres da ditadura, usa seu poder de persuasão para praticar maldades com requinte de crueldade extrema. Tudo sob o olhar de uma mãe morta, cuja voz misteriosa encaminha suas atitudes para os mais inusitados desfechos malignos. De início, sob o pretexto de vingar maus-tratos do pai ocorrido na infância, posteriormente, seus métodos de vingança tornam-se ainda mais sofisticados, devido ao desprezo de uma mulher.

O protagonista da narrativa é um pároco de 60 anos, que se exila numa ilha onde construiu um farol, usando o isolamento para escrever suas memórias. O padre vai confessando seus “pecados” devagar ao leitor, descrevendo uma realidade subjetiva onde o Bem e o Mal se confundem quando conceitos estabelecidos por uma sociedade tacanha entram em conflitos com os meios utilizados pelo padre para realizar sua vingança.

Nesse estado psicológico, o padre Eusébio tentar se justificar de qualquer noção de culpa. Para ele, não há transgressão de regras. A interpretação a sua maneira dos dogmas católicos são usados como justificativa na execução dos seus intentos. Não por acaso, o farol de sua ilha chama-se Lúcifer, “aquele que detém a Luz”. Na visão do (anti) herói, o farol se projeta muito além do espaço que lhe é dedicado: “Lúcifer, O Que Traz a Luz. A cessação de toda a especulação baldada sobre o Bem e o Mal, a noção salvadora de que o Universo é indiferente e nos foi negado a Luz”, justifica o padre em seu relato.

O protagonista utiliza a maldade como opção preferencial, devido aos maus-tratos sofridos na infância, para romper barreiras e preconceitos. Alguns elementos da narrativas levam o leitor a justificar as ações do padre por causa da infância infeliz, que teve um pai extremamente cruel, servindo como único modelo. O próprio narrador corrobora essa interpretação.

Sobre o perfil psicológico do personagem, o autor declara em entrevista à revista Cult que quis criar um padre que se tornou torturador e que acha que a atitude foi íntegra e o levou a salvar o povo. “O personagem determinou o fim da narrativa quando ele satisfez a sua vaidade, que escreve com letras maiúsculas”, afirmou João Ubaldo Ribeiro. De acordo com o autor, o livro estabelece a possibilidade para que o leitor perceba que um sistema pode transformar um jovem e fazê-lo se envolver a ponto de se transformar em um monstro. “No fundo, chego à constatação de que vivemos numa sociedade em que o Mal pode prosperar a qualquer momento. Os agentes do Mal estão aí, na política, no cotidiano”, disse o escritor.

Fazendo uma análise crítica do livro, no site Observatório da Imprensa, o colunista Clark Quente escreve que o leitor não encontrará no livro Diário do Farol a história de um personagem que escolheu o caminho do Mal a partir de uma convicção íntima, de uma visão filosófica da vida, assumida como sua, autônoma, independente e indeterminada por qualquer tipo de pressão externa. O jornalista justifica seus argumentos lembrando que Maquiavel (citado pelo narrador no texto) tenha alegado traumas infantis para justificar sua filosofia de vida e suas práticas políticas. “Ao contrário, o pensador assumiu de um modo adulto os seus valores, ainda que fossem opostos à moral vigente no seu tempo”, justifica.

Alguns teóricos literários, professores universitários, estudiosos e intelectuais defendem a idéia que nossos romancistas estão fugindo, aos poucos, ao estilo modernista de escrever. Nessa aurora do século vinte um, vivenciamos uma literatura pós-moderna onde o Mal é um elemento forte do enredo e constrói argumentos significantes na elaboração do romance. O protagonista de João Ubaldo não se constitui num perfeito símbolo do Mal, mas num símbolo do Bem que não teve oportunidade de desabrochar.

Um padre, assim como qualquer cidadão ocidental, é parte de uma sociedade contemporânea, cuja hipocrisia impera nas relações humanas, deixando aberta à ferida da Vaidade, onde o autor explora com brilhantismo o lado mal do protagonista. Um mal que – posto em tormento e prazer como só é possível por meio de uma arte como a literatura – está no meio social, levando o leitor a refletir sobre a condição social e humana. Um Mal na sua essência, que nada tem para esconder, maquiar ou denunciar, mas que encontra solo fértil na sociedade e no sistema político atual.


DIARIO DO FAROL
Joao Ubaldo Ribeiro
Editora: Nova Fronteira
Edição: 2002

2 comentários:

Orf disse...

Livro ótimo, li em 2002, longa estadia nas cercanias do Cabo de São Roque...todo dia passava no Farol...ô tempo bom...

Orf disse...

Ce errou aí: o colunista é do sanatorio...

e esse negocio de ter de digitar as letras para validar o comemt é um saco...desisto. abraço para Lívio, mas nem vou lá embaixo do post dele comentar o que ele escreveu encimado pela bela foto do Dão, um vinho até bebível, se bem qu'eu num sou dos fermentados...sou dos spirits, nem tiro onda de eno, mas já bebi esse aí