25 de outubro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte II

AG Sued
Dona Graça, diretora do 2º Núcleo Educacional de Apoio ao Tributo à Criança.

Natal, 14 de setembro de 2006.

"Nada essencial pode ser ensinado.
Mas tudo tem que ser aprendido."
Millôr Fernandes

Quando cheguei à escola, nessa segunda abordagem, encontrei Dona Graça com uma irritação visível por causa de uma briga entre alunos. Em seu recinto havia três adolescentes contando suas versões da referida contenda. Ao canto esquerdo de uma sala bastante iluminada e ventilada por grandes janelas, estava Bruno, um rapazote com seus 12 anos, chorando porque levou um murro do colega Jailton, mais velho, aparentando 16 anos, que estava sentado no canto oposto. Ao lado de Jailton, o seu comparte na arenga, um menino de nome João Maria, também com ares de 16 anos, mantinha um sorriso maroto, como se deliciasse com todo aquele qüiproquó.

Entre soluços e lágrimas, Bruno dizia que chutou uma bola no rosto de Jailton sem ter a intenção de machucá-lo, enquanto jogava com outros meninos numa aula de recreação. De acordo com Bruno, a bola foi chutada para lateral para evitar que o jogador adversário fizesse um gol e Jailton estava sentado, conversando com João Maria, na direção da bola. Atingido com uma violenta bolada no rosto, Jailton levantou e foi esmurrando Bruno, sem atentar para os argumentos do agredido. Sem poder revidar as pancadas porque seu agressor era maior e mais forte, Bruno deixou a recreação em disparada para convidar alguns comparsas para juntar forças e aplicar uma sova no jovem Jailton.

No momento em que Bruno retornou à escola, acompanhado por um “primo”, foi convidado à sala da direção onde já se encontrava Jailton e João Maria. Quando soube que havia alguém esperando o agressor na porta da escola, Dona Graça tentou identificar de quem se tratava, mas o tal primo já havia se esgueirado do recinto. Com as feições do rosto transtornadas, Dona Graça almejava resolve aquele imbróglio aos gritos, dando sucessivos muros na mesa. Quando entrei na sala, a diretora justificava sua fúria com os valentões, ressaltando que “aquilo era coisa de rixa”, apontando Jailton como pertencente à Favela do Mosquito e seu oponente Bruno, morador da comunidade conhecida como Baixa da Coruja.

No segundo dia de observação no “Tributo à Criança”, fica nítida a impressão que há um caldeirão de problemas, embrulhados numa situação social onde as famílias de baixa renda “depositam” (para usar um dos argumentos de Dona Graça) seus filhos naquele prédio a fim de contar com o beneficio assistencialista municipal, ao final de cada mês. Segundo a diretora do 2º Núcleo Educacional de Apoio à Criança e ao Adolescente, a maioria das crianças beneficiadas com o projeto fica livre da mendicância em semáforos e da prostituição infantil nos canteiros da Avenida Bernardo Vieira. “O Tributo à Criança é uma maneira de afastar essas crianças das drogas e de outras mazelas trazidas pela pobreza. Além de obter um reforço escolar, todos os alunos participam de oficinas de música, de arte, recreação, esporte, além de outros cursos. Em cada turno servimos uma merenda durante o recreio”, completou Dona Graça.

Para deixar Dona Graça resolver aquela peleja da melhor maneira possível, certo de que há graves problemas sociais envolvendo aquela comunidade educativa, sigo a secretária Daniella, prontificada gentilmente para me acompanhar numa visita às instalações da escola. Todos os aspectos observados da escola estão relacionados na “Ficha de Observação – Escola”.

Até agora, por não dispor de intimidade suficiente com dona Graça para uma abordagem profunda, não consegui descobri o grau de envolvimento do jovem João Maria naquela desavença.

Nenhum comentário: