10 de outubro de 2006

O Vinho na Literatura Potiguar

Foto: divulgação
Por Lívio Oliveira

Desconheço obra de autor potiguar que tenha se debruçado especificamente sobre o tema do vinho e suas nuances. No entanto, em uma curta pesquisa que empreendi por esses dias, curioso em responder à indagação que persiste e merece posteriormente uma maior e mais apurada exploração, pude encontrar na nossa literatura, diversas passagens interessantes sobre essa bebida milenar, que hoje toma ares de sofisticação e que representa bom gosto e sensibilidade intelectual pela multiplicidade de efeitos sobre os sentidos e um colorido único que remonta às mais profundas impressões estéticas.

Não há dúvida de que o vinho foi e é um móvel para a abertura mental que resgata dos espaços mais duvidosos e longínquos a criatividade poética e literária. Tem sido assim no correr dos tempos. Basta que se remonte aos dias de Omar Khayam e seu Rubayat. Aqui na terra de Luís da Câmara Cascudo o próprio mestre imortal, estudioso dedicado do Folclore e cultor da sabedoria popular, não passava dia – segundo depoimento que me deu a sua filha Anna Maria Cascudo, também imortal da ANL, Vice-Presidente da União Brasileira dos Escritores no RN – sem que sorvesse o seu tinto após ou durante o almoço. É a própria Anna Maria que relata ter o grande Cascudo lhe pedido – uns quinze dias antes de seu falecimento – duas garrafas de um bom tinto, e que lhe seriam entregues escondidas de sua Dhália, receosa dos excessos do marido, já, então, com a saúde fragilizada.

Alguns escritores do Rio Grande do Norte dotaram seus textos sobre o vinho de uma explicitude evidente ao declarar sua paixão pela bebida de Baco. É o caso do importante homem de Letras Esmeraldo Siqueira, que levou seu amor ao vinho aos limites mais impressionantes quando, ateu convicto, emitiu, em seu poema In Vino Veritas: “Quando bebo uma garrafa de vinho bom,/Mergulho em pleno sonho místico./Tenho vontade de ir à igreja/Fazer às pazes com Jesus Cristo...”. O mesmo autor tem passagens na obra Sugestões da Vida e dos Livros, Imprensa Universitária, Natal, 1973, apaixonadas como essa: “Amar os velhos livros, como saborear os vinhos velhos, já é um sinal de maturidade.” Ou, ainda, no texto intitulado História de um Acaso, da mesma obra acima: “Estimava as iguarias e os bons vinhos. Nossos repastos se regavam a vinhos portugueses, sobretudo os tintos e os verdes. Que delícia degustar o Agulha e o Gatão, beber os excelentes produtos da Real Companhia Velha e de tantas outras marcas justamente afamadas! O coroamento dessas volúpias consistia, para mim, em acender depois um charuto Suerdick, naturalmente incluído na conta de Pantaleão. Fora do hotel, inúmeras vezes nos banqueteávamos em restaurantes. Pude, assim, saborear outros tipos de vinho: o Chianti, o Bordeaux, o Griffon, o Médoc, por exemplo. Este último me parecera o nec plus ultra dos vinhos de mesa.” Evidente, nesse momento, que já tínhamos o vinho sendo explorado como um elemento da literatura, pelos prazeres que despertavam e buscavam à palavra.

Há, porém, um momento alto e bem curioso de ligação entre a literatura potiguar e o vinho. Trata-se do fato de o poeta e escritor Nei Leandro de Castro ter sido premiado em concurso literário nacional, já há algum tempo, com a maravilha de receber mil garrafas de vinho. Não sei como o nosso herói, quase ojuárico (perdoe-me, Nei, o neologismo óbvio), conseguiu dar conta de tanto líquido sagrado. Só sei que a inspiração decorrente do vinho – e da mente e sensibilidade especiais do poeta – levou-o a escrever poemas (essenciais ao conhecimento do leitor) como os que estão em Os Cinco Momentos do Vinho, do livro Era uma Vez Eros, Lidador, 1993. Num dos poemas, intitulado A Alma das Garrafas, escreve e nos deleita: “Aberta a garrafa, o vinho/ se liberta de corpo e alma:/ memória das primeiras vindimas,/ som de fauno iluminado por pirilampos,/ premeditação da alegria de um deus/conduzido pelas colinas do mito.(...)”

Mais recentemente, naquele que talvez seja seu melhor livro de poemas, Memória das Águas, Lidador, 2005, o Presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, o poeta Diógenes da Cunha Lima, no belo poema erótico Amor e Vinho, é quem ergue um brinde à mulher amada: “Das taças invertidas dos teus seios/escorre o tinto vinho da volúpia./ Tem o aroma e o sabor do velho vinho/misturado ao gosto e ao cheiro do teu corpo adusto./Bebo, à tua jovem beleza/por entre os finos fios de teus lábios/e é como se fora ganhar a vida,/ sangue vermelho, vinho em ti passado./ Virgílio, Omar Khayam, Safo e Salomão/souberam aduzir amor no vinho/ e eu, pequeno, que pouco sei de versos,/preciso muito de ti para o meu vinho/beber em largos sorvos ante o amor/que o amor gera o amor, após o vinho.”

O vinho como objeto religioso, erótico, estético. Perceba-se que há exemplos de todas as espécies na boa e tristemente combatida Literatura Potiguar. Por enquanto, ficamos com esses exemplos aqui postos. Até mesmo porque sabemos que o vinho continua a inspirar os muitos escritores e poetas que levam, agorinha mesmo, uma pena ao papel e um cálice aos lábios.

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