6 de novembro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte V

Professor Ary (titular), em sala de aula, com alguns adolescente do projeto "Tributo à Criança", no 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente.
Natal, 28 de setembro de 2006.

De onde veio o Cordel
(Zé Maria de Fortaleza e Arievaldo Viana)

Não se sabe exatamente
O cordel de onde veio
Alguns afirmam que os mouros
Lhe serviram de correio
Até a Península Ibérica
E de lá pra nosso meio.

Pois lá na Península Ibérica
Cordão se chama cordel
Onde eram penduradas
As folhinhas de papel
Nascendo daí o nome
Desta cultura fiel

É público e notório que nossos alunos do projeto “Tributo à Criança” não têm hábito de leitura, seja por falta de oportunidade, devido às condições sócio-econômicas em que vivem, ou por falta de estímulo próprio. Nós decidimos utilizar no nosso projeto de aulas a Literatura de Cordel, tentando empregar a simplicidade do texto popular e de fácil entendimento. Nosso primeiro objetivo era mostrar aos alunos a origem do cordel, a função (político, social, histórica, etc...), a forma, alguns autores e desenhos de xilogravura.

Além de narrar os entreveros dos sertanejos e os duelos mais curiosos, de descrever reinos mágicos e contar histórias mirabolantes, acreditamos que o cordel pode se tornar uma importante ferramenta no processo de desenvolvimento do conhecimento e alfabetização das pessoas. O folheto de cordel é um veículo de fabuloso fomento à identidade regional, tendo nas camadas populares seus mais constantes e fiéis consumidores, sendo através dos tempos valorizado e cultuado como a verdadeira e autêntica literatura nordestina, o livro de bolso do povo do sertão.

Usamos aulas expositivas e prática de leitura como metodologia inicial. Pesquisamos alguns métodos a ser utilizados e descobrimos que a importância de estudar o cordel em sala de aula está sendo enfatizada em um projeto ousado e inovador, por título “Acorda Cordel na sala de aula”. O projeto é coordenado pelo poeta popular, radialista, ilustrador e publicitário cearense Arievaldo Viana, nascido nos sertões de Quixeramobim, terra que também viu nascer o beato Antônio Conselheiro. O projeto “Acorda cordel na sala de aula” vem ganhando a simpatia de escolas da rede pública no Ceará, Tocantins, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Durante a aula expositiva, Concita falou sobre a origem do folheto de cordel e a tradição cultural que representa na identidade nordestina. Um mapa-múndi foi usado para fazer uma referência da rota dos povos que trouxeram o folheto para o Brasil. Além dos versos de Arievaldo Viana, utilizamos poemas dos cordelistas potiguares como Bob Motta e Boquinha de Mel, distribuídos entre os alunos para leituras e uso didático.

Um dos cordéis do poeta Arievaldo Viana, “A Didática do Cordel”, feito em parceria com Zé Maria de Fortaleza, ensina os segredos para construir e ler um bom cordel. São noções de rima, métrica e forma. De acordo com o criador do projeto “Acorda Cordel na sala de aula”, o método base deve permitir ao aluno exercitar o que aprendeu no folheto didático. Isso leva o estudante não só a praticar a leitura, mas, também, a se aventurar, como autor, no universo da literatura de cordel. E, quem sabe, descobrir-se um poeta popular!

Como não tínhamos dinheiro para adquirir os livretos de cordel que fazem parte do projeto pedagógico “Acorda Cordel na sala de aula”, utilizamos os cordéis dos poetas potiguares Bob Motta e Boquinha de Mel. “As aventuras de Juju”, “O homem que cagou na cueca”, “As proezas de Chico Tripa”, “A princesa encantada” e “O homem que morreu podre de rico” são alguns títulos do poeta Boquinha de Mel, o “Cangaceiro do Cordel” como gosta de ser chamado, que utilizamos em sala de aula. Do poeta Bob Motta, o livro utilizado foi uma antologia chamada “Cinco em Um - Literatura de Cordel”.

Com um pouco de dificuldade para prender a atenção dos alunos, terminamos nossa primeira aula ao toque estridente da sirene, que comunicava à hora da merenda. Durante a explanação da professora Concita não eram raros os momentos que as meninas ficavam com as cabeças baixas sobre os braços e os rapazes conversando entre si. A aula parava para a professora em exercício pedir a atenção de todos e negociar a continuação daquela ação pedagógica.

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