14 de novembro de 2007

Leozito, o escrevinhador caricatural


Hoje Plínio Sanderson, sem tirar nem por, assume a boca de cena e apresenta Leonardo Sodré com suas 'Crônicas do Beco', livro que será lançado amanhã, no Bardallos - Gonçalves Lêdo, 671 - a partir das 19 horas. Leonardo é pintor e cronista do Beco da Lama, dos seus mistérios e suas almas bêbadas, desde o tempo em que os becos eram iluminados pela luz mediterrânea dos versos líricos de Manuel Bandeira. (Cena Urbana, Vicente Serejo)

ARTIGO
por Plínio Sanderson

Oh! Sim, a lama do Beco tem alma. Conheci Leo Sodré no Beco Esplêndido. Iniciado pelo fraterno Eduardo Alexandre, explanava sobre quantas palavras cabiam num frame de imagens. Foi de pronto acolhido e aprisionado pelo encantamento do Beco. Perspicaz escriba, redator arretado, de uma criatividade que aflora da tez ao corazón. Antenado, nonada lhe passa despercebido, em tudo cabe o blague e o escambau - o que o torna interlocutor aprazível. De solidariedade irrestrita, avesso à discórdia, sempre contemporiza qualquer discussão, alheio ao conflito, beirando o bajulamento, daí a alcunha (nada pejorativa): XeleLeo! "Ô Xeleléu, o seu lugar tá garantido...".

As pessoas valem pela sua raridade. Descobri-o na plenitude quando "A embaixada do Beco da Lama viajou ao País de Mossoró". Leozito, Huguito, Alexito e Euzinho, realizamos uma transumância epopéica via Chap-Chap do urtigão Rogério. A entrevista com Ving-Un, a dança desinibida do acasalamento em plena Estação das Artes Eliseu Ventania, o porre homérico em Cristóvão, nas lonjuras das Areias Brancas... Foi convidado para ser o editor do jornal "O Mossoroense", e nos meses Rosados que lá permaneceu, deixou uma vacância saudosa, sentimos na pele como era sôfrega sua ausência nas plagas Bequianas. Enfim, foi sacramentado à irmandade una.

Escrevinhador. Em "direito de Sonhar", Gaston Bachelard filosofa: "a tinta de escrever pode fazer um universo se apenas encontrar seu sonhador". Leo, em seu efervescente labor criativo, escreve com tintas, e intrépido, pinta desvendando em matizes textos prosaicos, burlescos...

Nada como o inútil para ser artístico. No Genius Locki (magia do lugar) do Beco, o ímpeto transformador de línguas. Na escrita sodreniana a versão é infinitamente mais interressante do que o fato em si, ou mesmo, menos enfadonha que a crua realidade. Na sua singularidade de milacrias, tudo se metamorfoseia em tiradas sábias: acontecências, situações pitorescas e curiosas, falas bem contadas ou esmeradas tramas. Neste calidoscópio delirante de rapsódias, cultua as celebridades no âmago da cidade, na histeria permanente do Beco, estorvo criador de tipos universais, ressurgentes em cada espectro urbano, feito de risos, de lágrimas e de patifarias. Na vida mundana, tais personas representam seus dramas e status particulares: espécimes, figuras, trastes, bichos, cineastas sem filmes, ratos humanos, poetas sem rimas, escrotas corjas, pintores daltônicos, santos dementes, putas que pariram...

No exercício das artes plásticas, o "Expressionismo Caricatural", em que são rabiscados em lépidos traços: o ululático com sua barba imperial desalinhada; a pança de Carlança; o calombo (ou seria catombo?) no quengo do Dunga; os peixes num mar vermelho e infernal (o mesmo daquela temporada r-imbaudiana de Iluminações). Moleque traquino, de verve anárquica, vide as hilariantes bucetinhas caranguejeiras proliferadas no banheiro da Nazaré, que invocada, tentava flagrar o dito-cujo elemento e declará-lo proscrito no seu recinto etílico-epicurista.

Idiossincrático convicto, de santíssimos saberes, é o exegeta dessa paróquia dos pecados. De fé inquebrantável, na contramão do batalhão de suicidas sindicalizados que aportam sorrateiramente, esse menino de cinqüenta e poucos anos é sobrevivente de todo dia... Onde finda o caminho, inicia o Beco, que está para a cidade, assim como a estrada está para o mundo. Nas intempéries da confusão in urbe, tudo flui e conflui às entranhas das adjacências. Nesse território livre, de atmosfera tão singular, nada das crônicas na lábia encantadora de João do Rio, nosso apologista de vissitudes é Leozito, o escrevinhador caricatural. Bem-aventurados os ruidosos desse Beco porque deles é o reino do caos.

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