11 de fevereiro de 2008

Confissões de Uma Vaidade a Luz do Farol

Por Alexandro Gurgel

“Minha Vaidade se desenvolveu e aprendi o gosto pelo poder. A Vaidade era exclusivamente para desfrute meu, nunca demonstrando aos outros. Meu prazer em ter poder não era ostentá-lo. Acabei tendo tanto poder na cidade que cheguei a provocar a derreta nas eleições do candidato a prefeito mais popular, pelo exclusivo gosto de exercer meu poder contra alguém que não me reverenciava como eu achava que deveria e como esperava de todos”.
(Padre Eusébio)

O livro Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro, é o relato das memórias de um padre inescrupuloso, que entre a casa da fazenda onde nasceu, o seminário, a sua vida clerical, a paróquia e os cárceres da ditadura, usa seu poder de persuasão para praticar maldades com requinte de crueldade extrema. Tudo sob o olhar de uma mãe morta, cuja voz misteriosa encaminha suas atitudes para os mais inusitados desfechos malignos. De início, sob o pretexto de vingar maus-tratos do pai ocorrido na infância, posteriormente, seus métodos de vingança tornam-se ainda mais sofisticados, devido ao desprezo de uma mulher.

O protagonista da narrativa é um pároco de 60 anos, que se exila numa ilha onde construiu um farol, usando o isolamento para escrever suas memórias. O padre vai confessando seu “pecados” devagar ao leitor, descrevendo uma realidade subjetiva onde o Bem e o Mal confundem-se quando conceitos estabelecidos por uma sociedade tacanha entram em conflitos com os meios utilizado pelo padre para realizar sua vingança.

Nesse estado psicológico, o padre Eusébio tentar se justificar de qualquer noção de culpa. Para ele, não há transgressão de regras. A interpretação a sua maneira dos dogmas católicos são usados como justificativa na execução dos seus intentos. Não por acaso, o farol de sua ilha chama-se Lúcifer, “aquele que detém a Luz”. Na visão do (anti) héroi, o farol se projeta muito além do espaço que lhe é dedicado: “Lúcifer, O Que Traz a Luz. A cessação de toda a especulação baldada sobre o Bem e o Mal, a noção salvadora de que o Universo é indiferente e nos foi negado a Luz”, justifica o padre em seu relato.

O protagonista utiliza a maldade como opção preferencial, devido aos maus-tratos sofridos na infância, para romper barreiras e preconceitos. Alguns elementos da narrativas levam o leitor a justificar as ações do padre por causa da infância infeliz, que teve um pai extremamente cruel, servindo como único modelo. O próprio narrador corrobora essa interpretação.

Sobre o perfil psicológico do personagem, o autor declara em entrevista à revista Cult que quis criar um padre que se tornou torturador e que acha que a atitude foi íntegra e o levou a salvar o povo. “O personagem determinou o fim da narrativa quando ele satisfez a sua vaidade, que escreve com letras maiúsculas”, afirmou João Ubaldo Ribeiro.

De acordo com o autor, o livro estabelece a possibilidade para que o leitor perceba que um sistema pode transformar um jovem e fazê-lo se envolver a ponto de se transformar em um monstro. “No fundo, chego à constatação de que vivemos numa sociedade em que o Mal pode prosperar a qualquer momento. Os agentes do Mal estão aí, na política, no cotidiano”, disse o escritor.

Fazendo uma análise crítica do livro, no site Observatório da Imprensa, o colunista Clark Quente escreve que o leitor não encontrará no livro Diário do Farol a história de um personagem que escolheu o caminho do Mal a partir de uma convicção íntima, de uma visão filosófica da vida, assumida como sua, autônoma, independente e indeterminada por qualquer tipo de pressão externa.

O jornalista justifica seus argumentos lembrando que Maquiavel (citado pelo narrador no texto) tenha alegado traumas infantis para justificar sua filosofia de vida e suas práticas políticas. “Ao contrário, o pensador assumiu de um modo adulto os seus valores, ainda que fossem opostos à moral vigente no seu tempo”, justifica.

Alguns teóricos literários, professores universitários, estudiosos e intelectuais defendem a idéia que nossos romancista estão fugindo, aos poucos, ao estilo modernista de escrever. Nessa aurora do século vinte um, vivenciamos uma literatura pós-moderna onde o Mal é um elemento forte do enredo e constrói argumentos significantes na elaboração do romance. O protagonista de João Ubaldo não se constitui num perfeito símbolo do Mal, mas num símbolo do Bem que não teve oportunidade de desabrochar.

Um padre, assim como qualquer cidadão ocidental, é parte de uma sociedade contemporânea, cuja hipocrisia impera nas relações humanas, deixando aberta a ferida da Vaidade, onde o autor explora com brilhantismo o lado mal do protagonista. Um mal que – posto em tormento e prazer como só é possível por meio de uma arte como a literatura – está no meio social, levando o leitor a refletir sobre a condição social e humana. Um Mal na sua essência, que nada tem para esconder, maquiar ou denunciar, mas que encontra solo fértil na sociedade e no sistema político atual.

João Ubaldo Ribeiro:
Diário do Farol

Nova Fronteira.
Rio de Janeiro, 2002.
304 páginas

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