27 de abril de 2008

A Poesia Barroca de Chico Ivan - ENTREVISTA

Por Alexandro Gurgel
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Francisco Ivan, o poeta, o professor, o quase padre, nascido em Currais Novos a 27 de junho de 1946. A vinda de Francisco Ivan para Natal se deu na década de 1960, quando veio cursar o clássico no seminário São Pedro. E aqui permaneceu dando aulas nos colégios Marista e Winston Churchill e na antiga Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, até ir, na década de 1970, para a UFRN. Professor do Curso de Letras da UFRN, autor de três livros de poesia, aos 55 anos de idade Francisco Ivan não hesita, a poesia é o seu caminho, nada mais o desviará: "Eu não quero outra coisa a não ser a poesia. A poesia para mim é um sacerdócio." Estudioso em literatura clássica, Chico Ivan é um apaixonado pelas obras de Homero, Joyce, Fernando Pessoa, entre outros autores da literatura ocidental. Em 1980, recebeu o Prêmio de Poesia da Fundação José Augusto, pelo livro "Persona: uma face perversa".
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No início dos anos 1960, o senhor cursou o Seminário de São Pedro com intenção de ser padre. O que o fez mudar de idéia?
O destino! Nós temos uma sina, um destino! Sair do altar. Eu tinha intenção de ser padre, é verdade. Sair do altar e ir para a poesia, eu não vejo muita diferença. O sacerdócio e o poeta estão muito juntos. Nunca devemos esquecer de que os poetas criaram a religião. Homero criou a religião. Não existe religião pagã. Ao mesmo tempo, eu tenho uma nostalgia, o sacerdócio pra mim continua sendo uma coisa muito sublime, mesmo com a degenerência que está acontecendo dentro do sacerdócio católico, mas mesmo assim eu considero uma coisa muito sublime, porque eu tenho nostalgia do altar. Eu sou uma espécie de anjo que caiu, eu estou ainda derrubado. Uma espécie de Lúcifer! Eu abri o sacrário e caí do altar, isso é um troço pesado.
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Em que momento o senhor descobriu a poesia? E quais foram seus primeiros alumbramentos poéticos?
A poesia me descobriu. Dentro do Seminário a gente lia muito. Eu faço poesia por hobby. Poesia para mim é um diletantismo! Eu não sou um poeta que ganha da publicação de livro, faço poesia de graça. Eu diria melhor: eu tenho o dom da graça dos poetas. Eu faço poesia gratuita. No Seminário de Caicó, nós tínhamos o chamado dia de leitura livre, era exatamente as quintas-feiras, a gente tinha direito de fazer leitura livre, fora do currículo das aulas de Latim. Então a gente lia grandes romancistas como José de Alencar, João Cabral de Melo Neto e outros. Eu lia Homero permanentemente e lia Virgílio em Latim, lia Ovídio, então a poesia já estava em minha vida. Eu nasci com isto. No Seminário nós tínhamos uma academia, Academia Padre Anchieta, e eu era membro dessa academia, ocupava a cadeira chamada Dom Marcolino. Nós nos reuníamos e discutíamos questões literárias em assembléias. Cada um recitava e tínhamos contato direto com a poesia de Cecília Meirelles, João Cabral, Drummond - eram poetas que nós conversávamos diariamente dentro do Seminário.
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Na década de 1970, o senhor encontrou o poeta concreto Haroldo de Campos quando o senhor foi fazer o doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC, em São Paulo. De que forma a Poesia Concreta o influenciou?
Sua pergunta é linda, é bela, é pensada, é estudada. O maior acontecimento da vida de um poeta é encontrar aquele outro poeta que ele admira. Foi fascinante poder encontrar Haroldo de Campos e, Décio Pignatari que orientou inclusive minha tese de mestrado. O encontro com Haroldo de Campos foi uma epifânia. Eu não diria a Poesia Concreta, eu nunca fui de vanguardismo. Nesse momento inclusive eu tinha aula com eles e eles já faziam crítica à Poesia Concreta, eles não gostavam de serem chamados de poetas concretistas, eles faziam crítica a isso e Haroldo de Campos já estava traduzindo Dante Aligueri. Não diria que a Poesia Concreta me influenciou. Eu andei contra a corrente, nunca gostei dos "ismos", do modismo, do vanguardismo. Pra mim a novidade é sempre aquilo que se faz, por exemplo, qual a novidade de um poema meu? A novidade de um poema meu é o poema. O tema, o objeto do poema, talvez já tenha sido abordado por outros poetas, mas a novidade é o meu poema, pouco importa o vanguardismo. Mas eles como Poetas Concretos foram concretos em minha vida.
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O senhor é um dos professores entusiasmados pelo Barroco. Em seu livro "A Chave Azul", alguns poemas trazem a forma barroca. O senhor se considera um poeta barroco?
Eu me considero. Sobretudo estou ligado à tradição. É ser do Nordeste, é ser, e como poeta é estar pisando um solo essencialmente barroco. Eu estudo barroco faz trinta anos, então naturalmente os poetas barrocos falam por dentro de mim, já não sou eu quem falo. Eu leio muito Góngora, eu leio Gregório de Matos, meus poemas eu copio, eu faço plágio de poemas de Gregório de Matos, propositadamente, intencionalmente. Sou um poeta barroco, até por tradição. A poesia do Nordeste - quando eu falo de poesia nordestina, eu quero falar de João Cabral de Melo Neto - está ligada diretamente à Espanha. A Espanha e o Nordeste é o terreno onde pisa João Cabral de Melo Neto e uma das paixões de minha vida.
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De acordo com o professor de Literatura Potiguar, Tarcísio Gurgel, em seu livro "Informação da Literatura Potiguar", o poeta Fernando Pessoa o motivou a escrever seu primeiro livro "Persona, Uma Face Perversa". Qual é a influência do poeta português?
Imensa! A começar pelo nome Persona, é pessoa, aliás, um poeta que eu li muito na juventude. Eu lia Fernando Pessoa nos bares. Nos anos 1960 andávamos nos bares de Natal com o livro de Fernando Pessoa na Mão. A obra completa. Líamos, discutíamos, recitávamos, gritávamos o nome de Fernando Pessoa. A influência de Fernando Pessoa é grande. Não só em Persona, mas todos os meus livros têm essa marca de Fernando Pessoa. Estive em Portugal duas vezes e durante as duas vezes visitei o túmulo dele, fiz poemas diante do túmulo dele e sou fã de Fernando Pessoa. Persona está cheio disso, mas não só Pessoa, Persona tem antes de tudo Augusto dos Anjos.
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Atualmente o senhor é um dos grandes estudiosos da obra de James Joyce no Brasil, principalmente o livro Ulisses. Como aconteceu essa paixão?
Meu contato com Ulisses se deu assim que a edição saiu, é uma edição de 68, em 69 eu estava entrando na Universidade, no Curso de Letras e o professor Eulício estava dando o curso de Teoria Literária e travava de Ulisses. Havia nesse tempo, em 69, uma livraria em Natal chamada Livraria Universitária, uma grande livraria, na Rio Branco e lá eu chegando eu encontrei logo a edição, a 1ª edição da tradução de Antonio Huais, comprei e comecei a ler. Li e não entendi, mas gostei e muito, guardei e quando foi em 78 eu fui para São Paulo. Em São Paulo eu decidi agarrar o contato com Haroldo de Campos e me fez eu voltar a Ulisses, a obra de Joyce, aí eu pensei em fazer tese de doutorado, escrevi, inclusive, trabalhos acadêmicos e de pós-doutorado sobre Ulisses, lendo o livro em português, ainda e o desejo foi aumentando estudar Ulisses até que num determinado momento eu percebi que o doutorado seria Ulisses. Nessa época, estive nos Estado Unidos dois anos e oito meses, lendo e vendo só a versão em inglês e lendo Joyce fui a Irlanda e escrevi uma tese sobre Joyce, sobre Guimarães Rosa. Foi assim. O contato foi via poetas. Não estudei Joyce para uma tese, eu vivo estudando Joyce. Ulisses nos faz viver!
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Como o senhor vê a literatura potiguar atualmente? E em sua opinião, quem produz literatura potiguar com qualidade?
Os poetas! Quem faz a literatura são os poetas, são os escritores. E Natal é uma cidade cheia de poetas, nós somos privilegiados. A poesia potiguar acompanha a poesia brasileira. O poeta do Rio Grande do Norte, essencialmente tem que acompanhar a onda da poesia brasileira, não é diferente, não pode ser diferente e na hora que ele quiser ser potiguar ele pode cair num terrível erro de ser municipal. O poeta potiguar terá que ser brasileiro, terá que ser tupi or not, that`s the questions, entendeu? O potiguar é lindo, ele é original, mas não se trata de querer ser potiguar ou poeta natalense, a poesia potiguar ela está num contexto maior, um contexto brasileiro. E eu diria mais ainda, um contexto cultural de América.
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Quais são os seus planos para o futuro? Já tem algum trabalho no prelo?
O futuro a Deus pertence! Mas eu tenho. Estou com um livro chamado "Variações", um livro de 120 poemas. É um livro de leitura, eu li os poetas e fui fazendo poesia, à margem de cada livro que eu lia. De Jorge Guillen, de Garcia Lorca, sempre estou voltando aos mesmos poetas. Eu não li muito, eu li meia dúzia de livros, agora digo como Borges "Eu li meia dúzia de livros e sempre estou repetindo aqueles livros". Eu espero em junho ou julho lançar um livro pela Editora da Universidade. Nilson Medeiros e Francisco Alves estão dando muito apoio. É um livro acadêmico, produzido em sala de aula juntamente com os alunos, um livro que nasceu de uma oficina, cada poema implica uma aula que eu dei e eu quero que esse livro saia porque é um livro universitário.

Um comentário:

Rosa de França disse...

Para mim, foi como uma apresentação primeira. Fui aluna de Francisco Ivan, mas, confesso, jamais me aproximei. Seria uma ousadia! Vi-me, agora, diante dele. Entrevista lida, sorri. Foi um prazer conhecê-lo!