20 de junho de 2008

Pega de Boi na Fazenda Pitombeira

O pequeno curral espreme dezenas de bois, devidamente escolhidos, que se mexem de um canto ao outro, levantando poeira e fazendo algazarra, como se já soubessem que seriam mascarados naquela manhã de novembro. Quando o boi é solto, rapidamente se embrenha na caatinga, tendo ao seu alcance dois vaqueiros encourados que seguem o badalar do chocalho, rasgando o mofumbal entre espinhos de juremas secas e touceiras de xique-xiques.
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O boi é perseguido, laçado, derrubado e mascarado, num curto espaço de tempo. A parelha de vaqueiros vence o boi e a caatinga, ostentando uma rusticidade natural de seu aspecto grotesco, surgindo uma imagem viva da grandeza selvagem daquela gente simples e forte. Encourado, de perneiras, gibão, guarda-peitos e chapéu de couro com barbicacho a apertar-lhe um queixo protegido por uma barba escassa, o vaqueiro tem no rosto, rasgado pelos espinhos de jurema, um troféu da sua valentia.
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O mês de novembro marca o início da temporada sem chuva no sertão, onde a terra esturricada pela seca é cenário para uma das mais tradicionais manifestações nordestina: a “Pega do Boi no Mato”, quase esquecida pela modernidade. Pensando em preservar a memória do sertanejo, valorizando a figura do vaqueiro, a Fazenda Pitombeira, em Acari, realiza todo ano a “Pega de Boi no Mato”, o “Encontro dos Vaqueiros da Ribeira do Acari” e a “Missa do Vaqueiro”.
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A tradição da Pega de Boi no Mato chegou ao Seridó com a colonização e a expansão da criação de gado, quando não havia as cercas delimitando as fazendas e o boi era solto na caatinga. Ao final da estação chuvosa, os fazendeiros reuniam os vaqueiros da região para pegar o boi, marcar a ferros e conduzir para áreas onde os pastos eram mais abundantes. Quando a bravura dos vaqueiros prevalecia, os fazendeiros recompensavam concedendo o direito de saborear uma boa cachaça enquanto comiam a carne de um boi gordo.
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Conforme Marcus Nepomuceno, fazendeiro e idealizador do evento, a “Pega de Boi no Mato” é uma maneira de resgatar uma das mais autênticas tradições seridoenses e preservar uma cultura genuinamente nordestina. “Valorizamos o vaqueiro porque sempre foi um homem de muita confiança na fazenda. Além de sua fama de valente. Sou um entusiasta das nossas tradições sertanejas e o evento é uma forma de homenagear a grande figura do vaqueiro”, ressaltou.
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Entre risos, prosas, poeira e boa cachaça, um verdadeiro forró pé-de-serra anima a vaqueirama nos alpendres da Pitombeira, consolidando uma tradição seridoense de um esporte onde o maior prêmio é a pega e derrubada do boi. Tecendo comentários sobre a Pega de Boi no Mato, Câmara Cascudo escreveu no livro Vaqueiros e Cantadores: “Prova legítima de habilidade e força, torneio sagrador de famas, motivo de cantadores que imortalizaram a façanha”.
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A religiosidade forte do sertanejo está presente na “Missa do Vaqueiro”, celebrada no Sítio Bico da Arara, nas cercanias de Acari. Na hora do ofertório, os vaqueiros fazem doações de peças usadas como gibão, esporas, matulão, cela, chapéu, arreios e outros apetrechos pessoais para o Museu do Vaqueiro da Ribeira do Acari. O momento lúdico do evento é quando os vaqueiros entoam seus aboios, ecoando nas caatingas seridoenses um canto de lamento e bravura.

Um comentário:

Maria Maria disse...

Alex, muito boa essa matéria sobre Acari. O lugar é realmente lindo!!! Terra da poeta Jeanne Araújo. Um abraço