30 de agosto de 2008

Picolé do Riacho

Foto: Jean Lopes

CRÔNICA

Leonardo Sodré, in Beco Press
Jornalista, escritor e artista plástico

O Sol parecia estar mais quente naquele domingo, quando chegamos à comunidade de Riacho, município do Assu. Trabalhando na campanha do bioquímico Ivan Júnior para prefeito do Assu, chego juntamente com o fotógrafo Jean Lopes em busca de uma sombra. Eu, na qualidade de assessor de imprensa com um gravador na mão e blocos de papel numa ‘pochete’ que não usava há anos. Ele, com uma carga maior do que a minha, que incluía algumas máquinas digitais de última geração e achando pouco ainda levou um ajudante para ajudar na iluminação daquele dia ensolarado. “A tarde vai chegar”, justificou diante da minha incredulidade.

Logo encontramos uma casa que além do alpendre tinha uma tenda armada no pátio para receber os visitantes daquele dia. As pessoas esperavam o candidato que iria pedir votos, com alegria. Política aqui se faz assim, com alegria, “pelo menos do nosso lado”, observou sorrindo o sempre simpático Jean Lopes, fotógrafo premiadíssimo em vários concursos por esse Brasil afora, enquanto espantava um inseto de sua bermuda quadriculada, estilo "acaba namoro".

Ficamos por ali disputando sombras. Vez por outra Jean clicava, se virava, buscava um melhor ângulo. Ele tem faro refinado para boas cenas e o olhos, tal qual um radar, não perdem um lance interessante, algo que marque, que dê personalidade e consistência ao momento da foto. É aquele artista que olha o mundo por meio do visor. Acho que ele se sente meio nu quando não está com uma máquina na mão.

Os carros de som brigavam contra o silêncio daquele lugar. Pessoas vestidas de azul vinham e iam e o evento político começou a se transformar numa confraternização domingueira. Não faltava quem chegasse com tira-gosto, uma cervejinha gelada, um papo sobre a região, os poetas, a beleza latente de um município bonito por natureza.

Lá longe avistei Ivan Júnior e o seu vice Alberto Luis visitando algumas casas, acompanhado de diversas pessoas. E Jean Lopes, com uma potente teleobjetiva, clicando sem parar. A cada foto que gostava, esboçava um sorriso discreto. Aí, puxei o braço dele e apontei para uma menininha, que saboreava um picolé de coco, olhando para a gente sem nos ver.

Jean imediatamente trocou a lente da máquina e focou nela, que lutava para degustar aquele picolé que derretia rapidamente, tirando várias fotos.

Fiquei observando a satisfação daquela criança diante daquela guloseima que derretia braço abaixo, enquanto ela devorava com sofreguidão alheia a tudo, as pessoas que a observavam, ao barulho dos carros de som, ao mundo... Naqueles momentos toda a sua atenção estava voltada para aquele picolé.

Lembrei-me dos muitos picolés de coco da minha vida. Principalmente os que minha mãe produzia em nossa casa e me lembrei que, assim como aquela criança do Riacho, eu ficava absorto curtindo o sabor gelado sentado no muro de minha casa, em Petrópolis, Natal. Vendo tudo e não vendo nada. Com pensamentos que iam e vinham porque o mais importante estava ali, derretendo-se, como se fosse o último do mundo.

Um comentário:

Anônimo disse...

A foto é mágica, única e perfeita.
A narração ou comentário, é uma obra de arte, algo que li e que em pouquíssimas vezes me fez chorar.
Assim como você que sentiu o doce sabor daquele picolé, senti com a sua narração.
Parabéns!